No início do ano, logo depois das eleições, pesquisa do Datafolha indicava que 71% dos entrevistados não tinham preferência por nenhum partido político.
Em julho, pesquisa do IBOPE mostrava que o Congresso Nacional ocupava a penúltima posição entre 18 instituições pesquisadas, incluídas a Igreja e o Exército, com a confiança de apenas 17% da população, enquanto, diuturnamente, os mesmos internautas que atacam o PT o faziam – e continuam fazendo - com a classe política, contrapondo a deputados, senadores, vereadores, prefeitos, ministros, considerados, pela bandeira da antipolítica, corruptos, bandidos e desonestos, um altíssimo índice de confiança – empurrado pela própria atitude da mídia – em policiais, procuradores e juízes, como se entre os magistrados, no Ministério Público e nas forças de segurança, só houvesse profissionais impolutos e ilibados, e para o exercício da atividade política fosse característica primordial e imprescindível a condição de mentiroso, ladrão, pilantra e mau-caráter.
É perigoso e ingênuo acreditar que esse seja apenas um retrato do momento, que possa ser corrigido somente com a troca da correlação de forças, e que não haja nada mais no horizonte, além do embate entre diferentes partidos e grupos políticos e os aviões de carreira.
Iludem-se os políticos de centro e de oposição, os oportunistas e os indiferentes, se acreditam que, entregando a cabeça de Dilma Roussef, terão as suas poupadas, e elas continuarão sobre os ombros, para se abaixar à passagem da faixa presidencial.
Pelo contrário, Dilma pode, paradoxalmente, ser o dique – ou o alvo – que ainda atrai para si as balas e contêm o tsunami.
A criminalização da atividade política, insuflada contra o PT pela oposição, secundada por uma mídia seletiva e comprometida, quebrou, quase que definitivamente, o equilíbrio de poderes em que se baseia o sistema republicano tradicional, substituindo a negociação, anteriormente exercida como base do Presidencialismo de Coalizão, pela atuação de forças externas, de caráter não nominalmente, mas profundamente político, criando uma espécie de Frankenstein descontrolado, que coloca, de fato, parcela da burocracia do Estado, acima e além daqueles que detêm o voto da população.
O “acoelhamento” do Senado, recusando a prerrogativa de julgar um de seus pares, mesmo que para sua posterior entrega à prisão – abrindo mão de tentar, ao menos, mostrar firmeza, autonomia e determinação ética para a opinião pública - é o retrato da rendição do Poder Legislativo à máquina repressora de parte da justiça, e abriu a possibilidade para que qualquer homem público seja acusado, em seqüência, de qualquer coisa, a qualquer momento, bastando cair em uma esparrela, por um bilhetinho qualquer – subitamente elevado pela imprensa à condição de “documento” - a acusação de um desafeto ou de um delator “premiado” disposto a qualquer atitude para salvar a própria pele, ou uma frase passível de interpretação dúbia ou subjetiva pinçada em seu e-mail ou em uma conversação telefônica.
Que os incautos não se iludam.
Não haverá tergiversação ou acordo com aqueles que estiverem, na base do governo, ou na oposição, alimentando a ilusão de pensar que irão substituir a Presidente da República em caso de impeachment, ou mesmo de sucedê-la, eventualmente, tranqüilo e normalmente, por meio do voto.
Qualquer liderança que representar ameaça para o projeto de poder em curso – que, mais uma vez, não se iludam os incautos, parece não se tratar de outra coisa – poderá vir a ser eventualmente envolvida na maré de acusações e afastada da vida pública, com as suas cabeças rolando, uma por uma.
A única esperança de retorno a uma situação de normalidade mínima está, no curto prazo, na interrupção negociada, inteligente e equilibrada, do processo de strip-tease, de MMA mútuo, público e suicida dos diferentes partidos e lideranças aos olhos da opinião pública.
E no fim da busca de soluções extemporâneas para a disputa do poder – qualquer singularidade só pode beneficiar forças externas ao ambiente político – com um retorno ao calendário e aos ritos de praxe, o que implica na defesa institucional e organizada, por parte da classe política, de sua imagem frente à opinião pública, seguida de uma disputa programática e civilizada nas próximas eleições, que serão realizadas em menos de um ano.
Isso não bastará, naturalmente, para terminar com o processo de desgaste intencional da atividade pública que está se aprofundando, com enorme e deletério sucesso, e que pretende, entre outras coisas, substituir os “políticos” clássicos, hoje abertamente reputados como “sujos”, por impolutos e heroicos justiceiros messiânicos, que gozam de poder para, se quiserem, tentar governar indiretamente o país por meio de pressões e prisões, ou para fazer uma súbita e “surpreendente” irrupção no universo político.
Mas, pelo menos, poderá levar a atual geração de homens públicos – em última instância herdeira da representação popular por meio do voto – a fazer frente, unida, cerrando fileiras, independente de sua orientação política, a pressões externas, senão em defesa de si mesma, ao menos do Parlamento, como um poder independente, e da própria Democracia, no lugar de se arriscar a sair da vida pública e a entrar na história, um por um, submissos e humilhados, com as mãos nas costas, e a sua biografia arrastada na lama.
Essa reação não impedirá que, embalados pela mídia e as campanhas iniciadas pela própria oposição, personagens oriundos das operações em curso venham a se sentir tentados a participar, também, diretamente, do processo político, transformando-se eventualmente em candidatos, nos próximos pleitos.
Como o Aedes Aegypti, a mosca azul pode picar qualquer um, e o seu vírus é mais poderoso que o da dengue ou que o da chikungunya.
Como um procurador fez questão de lembrar, há poucos dias, há operações que estão em curso – que eram vistas inicialmente como uma forma de tirar o PT do poder - que deverão durar pelo menos pelos próximos 10 anos.
Isso as transforma, como um touro trancado em uma loja de louças - em um elemento novo, incontrolável e permanente – que deverá ter seus efeitos analisados, avaliados e eventualmente corrigidos e limitados, por quem de direito na Praça dos Três Poderes – no contexto do processo econômico, social e político brasileiro."
Mauro Santayana
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