18 de julho de 2013

A Inteligência Coletiva - por Túlio Muniz, deu no Viomundo

Eu não conhecia o Túlio, mas gostei muito do artigo e resolvi trazer para o blog.
Há algo de muito novo no ar e será preciso muita reflexão, paciência e proatividade para tentar digerir tudo que se passa.
Uma coisa é certa e temos dito, a mutação veio para ficar e os novos tempos podem sim nos reservar muitas incertezas...as próprias dos períodos de sobrevivência dos mais aptos frente aos desafios rigorosos dos ambientes!

Uma boa leitura para esta quinta, um dia após a mais uma arruaça no metro quadrado mais caro do Brasil - Leblon/Rio de Janeiro, e, enquanto aguardamos as férias do Marquinhos.

Túlio Muniz: Inteligência coletiva da rede desafia a mídia tradicional

CASO EDWARD SNOWDEN

Reconfigurações da informação global
Por Túlio Muniz em 16/07/2013 na edição 755
no Observatório da Imprensa

Sabe-se que o vazamento de informações por Edward Snowden veio à tona a partir de matéria jornalística no jornal britânico The Guardian, assinada por Glenn Greenwald, interlocutor privilegiado de Snowden. Greenwald, uma espécie de ermitão americano-carioca, vive no Rio de Janeiro há cerca de um ano por conta de relação amorosa e afetiva impossível de ser legalmente mantida com um companheiro nos EUA até muito recentemente. Seu contato com o mundo exterior se dá via internet e foi com essa ferramenta que se correspondeu com Snowden.
Definitivamente, o ambiente jornalístico chegou a um ponto de viragem. A chamada blogosfera, cada vez mais, converte-se em instrumento de desterritorizaliação da circulação de informações, rompendo bloqueios impostos por interesses das grandes empresas e das corporações jornalísticas. Os “devires minoritários”, invisibilizados, “excluídos” pelos que detinham a primazia de “incluir”, transbordam pela rede mundial, abalando fronteiras externas e internas (vide o singelo blog O Cafezinho trazendo à tona o processo escabroso da Receita Federal contra a Rede Globo, que gerou multa superior a R$ 1 bilhão e ficou oculto durante seis anos).
Assistimos, nesta última década, a uma contração das temporalidades jamais vista na história do jornalismo convencional, seja impresso ou eletrônico. O jornalismo na internet rompe com os ritmos de produção. A informação coletada é processada e repassada quase instantaneamente. O “virtual” atualiza-se de imediato. Deleuze: “A distinção entre o virtual e o atual corresponde à cisão mais fundamental do Tempo, quando ele avança diferenciando-se segundo duas grandes vias: fazer passar o presente e conservar o passado” (De “O Atual e o Virtual”, um dos capítulos de Diálogos. Pode ser acessado aqui).
Emergência da “inteligência coletiva”
Outro aspecto interessante é a ampliação das possibilidades de contatos e de circulações mundiais, e igualmente instantâneas, de informações, opiniões e análises, sejam as de jornalistas, sejam de intelectuais atentos aos acontecimentos. Artigos recentes de intelectuais contemporâneos exemplificam: (Boaventura Santos [desculpe, presidente Evo Morales, aqui], Antoni Aguilo [Demodiversidad: las luchas por otras democracias], Slavoj Žižek [Problemas no Paraíso], Daniel Lins [Improviso ou jeitinho brasileiro?]).
Tais referências são importantes não só pela qualificação e credibilidade de seus autores. Também demonstram o potencial de “máquina de guerra” (Deleuze e Guattari) que se tornou a internet. Boaventura e Aguilo publicam suas opiniões, entre outros veículos, no Publico, da Espanha, que há cerca de um ano abandonou sua edição impressa mas se mantém bravamente na rede. Zizek colabora, entre outros, com o Carta Maior, site informativo, mas, sobretudo, reflexivo, liderado por Emir Sader. Daniel Lins publica mensalmente em O Povo, o segundo maior jornal do Ceará.
Ou seja, os acima citados estão a atuar em veículos tidos como periféricos que passam a centrais e globais com o advento da internet. São exemplos da emergência e difusão da “inteligência coletiva” que o filósofo Pierre Levy anunciava no seu livro Cybercultura, de 1997. Inteligência compartilhada e gerada pelas ruas e pelos subalternos que se rebelam, seja como fez Snowden, seja como fazem os jovens e movimentos sociais no Brasil que, a partir das conexões eletrônicas “virtuais”, ganham as ruas, “atualizando” suas aspirações e necessidades reais, ausentes do discurso jornalístico convencional e das pautas institucionais dos governantes.
A interferência norte-americana via internet
Snowden mesmo já é tratado como conceito: o “fator Snowden”, além de reconfigurar o jornalismo eletrônico, expôs o quanto países que recentemente chegaram a ser “semi-centrais” (Margarida Calafate Ribeiro), cada vez mais se tornam “periféricos”, inclusive a França, diante da submissão aos interesses dos EUA. Mesmo tendo sido conhecido que esses próprios países, e toda a União Europeia, tinham sido alvo de espionagem na rede mundial eletrônica, seguem masoquistamente obedientes aos EUA, o que demonstra que ainda não terminou o século 20, “século americano europeu”, conforme definiu Boaventura Santos diante da sujeição europeia no pós-Segunda Guerra até os dias atuais.
Ainda estão por se conhecer as consequências que virão do fato de a França, a Espanha e Portugal negarem espaço aéreo para o presidente boliviano e índio Evo Morales, sob suspeita de que ele transportava Snowden em seu avião, da Rússia para Bolívia. Pousando, quase obrigado, na Áustria, Morales foi constrangido a identificar aos passageiros da nave. Aliás, rigor que, como já foi lembrado por muitos (vide acima indicação de artigo de Boaventura Santos), os europeus não tiveram quando dos transporte de prisioneiros afegãos para Guantánamo, os “voos secretos da CIA”, que faziam escalas nas Canarias espanholas ou nos Açores, arquipélago português.
Portugal e Espanha, em crise financeira e existencial, bravamente enfrentadas por suas populações achacadas por sucessivos governos de centro-esquerda (prefiro classificá-la como “esquerda ambidestra”) e de centro-direita em conluio com a direita, se encontram à deriva. A Jangada de Pedra ibérica tem no leme, por ora, governantes que aspiram a um encalhe seguro na margem atlântica norte-americana, tal qual no romance de Saramago.
Resta saber também se os governos e populações dos países do Sul global, particularmente os latino-americanos, reagirão à altura e em conjunto no enfrentamento da interferência norte-americana via internet, bem como na regulamentação da mídia convencional e comercial, historicamente ligada aos interesses das grandes corporações internacionais e do capital financista mundial.
***
Túlio Muniz é historiador e jornalista

4 comentários:

Snowden II disse...

Muito boa a análise deste outro Muniz. Curiosa toda esta história, no mínimo. Se quisermos estar informados da realidade nos conectamos. E somos vigiados. Ao mesmo tempo quem vigia foi vitima agora de sua vigilância. Se já dizíamos que o mundo está mudando muito rápido desde a metade do século XX, o que dizer deste momento?

Lula disse...

Lula no The New York Times: sociedade virou digital, política continua analógica

A juventude, conectada nas redes sociais e com os dedos ágeis em seus celulares, tem saído às ruas para protestar em diversas regiões do mundo.

Parecia mais fácil explicar as razões de tais protestos quando eles aconteciam em países sem democracia, como o Egito e a Tunísia em 2011, ou onde a crise econômica levou o desemprego juvenil a níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, por exemplo. Mas a chegada dessa onda a países com governos democráticos e populares, como o Brasil, quando temos as menores taxas de desemprego da nossa história e uma inédita expansão dos direitos econômicos e sociais, exige de todos nós, líderes políticos, uma reflexão mais profunda.

Muitos acham que esses movimentos significam a negação da política. Eu acho que é justamente o contrario: eles indicam a necessidade de se ampliar ainda mais a democracia e a participação cidadã. De renovar a política, aproximando-a das pessoas e de suas aspirações cotidianas.

Eu só posso falar com mais propriedade sobre o Brasil. Há uma ávida nova geração em meu país, e eu creio que os movimentos recentes são, em larga medida, resultado das conquistas sociais, econômicas e políticas obtidas nos últimos anos. O Brasil conseguiu na última década mais que dobrar o número de estudantes universitários, muitos deles vindos de famílias pobres. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. São grandes feitos, mas é também absolutamente natural que os jovens, especialmente aqueles que estão obtendo o que seus pais nunca tiveram, desejem mais.

Estes jovens tinham 8, 10,12 anos quando o partido que eu ajudei a criar, o PT, junto com seus aliados, chegou ao poder. Não viveram a repressão da ditadura nos anos 60 e 70. Não viveram a inflação dos anos 80, quando a primeira coisa que fazíamos ao receber um salário era correr para um supermercado e comprar tudo o que fosse possível antes que os preços subissem no dia seguinte. Também tem poucas lembranças dos anos 90, quando a estagnação e o desemprego deprimiam o nosso país. Eles querem mais. E é compreensível que seja assim. Tiveram acesso ao ensino superior, e agora querem empregos qualificados, onde possam aplicar o que aprenderam nas universidades. Passaram a contar com serviços públicos de que antes não dispunham, e agora querem melhorar a sua qualidade. Milhões de brasileiros, inclusive das classes populares, puderam comprar o seu primeiro carro e hoje também viajam de avião. A contrapartida, no entanto, deve ser um transporte público eficiente e digno, que facilite a mobilidade urbana, tornando menos penosa e estressante a vida nas grandes cidades.


Os anseios dos jovens, por outro lado, não são apenas materiais. Também querem maior acesso ao lazer e à cultura. E, sobretudo, reclamam instituições politicas mais transparentes e limpas, sem as distorções do anacrônico sistema partidário e eleitoral brasileiro, que até hoje não se conseguiu reformar. É impossível negar a legitimidade de tais demandas, mesmo que não seja viável atendê-las todas de imediato. É preciso encontrar fontes de financiamento, estabelecer metas e planejar como elas serão gradativamente alcançadas.

A democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em movimento, discutindo e definindo suas prioridades e desafios, almejando sempre novas conquistas. E a minha fé é que somente na democracia, com muito dialogo e construção coletiva, esses objetivos podem ser alcançados. Só na democracia um índio poderia ser eleito Presidente da Bolívia, e um negro Presidente dos Estados Unidos. Só na democracia um operário e uma mulher poderiam tornar-se Presidentes do Brasil.

Lula disse...

A história mostra que, sempre que se negou a política e os partidos, e se buscou uma solução de força, os resultados foram desastrosos: guerras, ditaduras e perseguições de minorias. Todos sabemos que, sem partidos, não pode haver verdadeira democracia. Mas cada vez fica mais evidente que as nossas populações não querem apenas votar de quatro em quatro anos, delegando o seu destino aos governantes. Querem interagir no dia a dia com os governos, tanto locais quanto nacionais, participando da definição das políticas públicas, opinando sobre as principais decisões que lhes dizem respeito.
Em suma: não querem apenas votar, querem ser ouvidas. E isso constitui um tremendo desafio para os partidos e os lideres políticos. Supõe ampliar as formas de escuta e de consulta, e os partidos precisam dialogar permanentemente com a sociedade, nas redes e nas ruas, nos locais de trabalho e de estudo, reforçando a sua interlocução com as organizações dos trabalhadores, as entidades civis, os intelectuais e os dirigentes comunitários, mas também com os setores ditos desorganizados, que nem por isso tem carências e desejos menos respeitáveis.
E não só em períodos eleitorais. Já se disse, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas souberem utilizar criativamente as novas tecnologias de comunicação, como instrumentos de dialogo e participação, e não de mera propaganda, poderão oxigenar – e muito – o seu funcionamento, sintonizando-se de modo mais efetivo com a juventude e todos os setores sociais.
No caso do PT, que tanto contribuiu para modernizar e democratizar a política brasileira e que há dez anos governa o meu país, estou convencido de que ele também precisa renovar-se profundamente, recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais. Dando respostas novas a problemas novos. E sem tratar os jovens com paternalismo.

A boa noticia é que os jovens não são conformistas, apáticos, indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que hoje acham que odeiam a política, estão começando a fazer política muito antes do que eu comecei. Na idade deles, não imaginava tornar-me um militante político. E acabamos criando um partido, quando descobrimos que no Congresso Nacional praticamente não havia representantes dos trabalhadores. Inicialmente não pensava em me candidatar a nada. E terminei sendo Presidente da República. Conseguimos, pela política, reconquistar a democracia, consolidar a estabilidade econômica, retomar o crescimento, criar milhões de novos empregos e reduzir a desigualdade no meu país. Mas claro que ainda há muito a ser feito. E que bom que os jovens queiram lutar para que a mudança social continue e num ritmo mais intenso.

Outra boa notícia é que a Presidente Dilma Rousseff soube ouvir a voz das ruas e deu respostas corajosas e inovadoras aos seus anseios. Propôs, antes de mais nada, a convocação de um plebiscito popular para fazer a tão necessária reforma política. E lançou um pacto nacional pela educação, a saúde e o transporte público, no qual o governo federal dará grande apoio financeiro e técnico aos estados e municípios.

Quando falo com a juventude brasileira e de outros países, costumo dizer a cada jovem: mesmo quando você estiver irritado com a situação da sua cidade, do seu estado, do seu país, desanimado de tudo e de todos, não negue a política. Ao contrário, participe! Porque o político que você deseja, se não estiver nos outros, pode estar dentro de você.

Anônimo disse...

Só foi mal o final: político dentro de mim? É ruim hein! KKKKKKKKKK