Do Muda Mais
Plim plim: dois pesos, duas medidas
"O equilíbrio é um princípio importante para o bom jornalismo. Especialmente quando está baseado em critérios objetivos e pode, de alguma forma, ser verificado. Junto à busca pela verdade e à pluralidade de opiniões, ele forja os princípios da atividade jornalística moderna.
Se você tem a impressão de que este equilíbrio é muitas vezes colocado de lado na cobertura dos casos mais rumorosos da política nacional, você está certo. O Muda Mais fez os cálculos do noticiário do Jornal Nacional sobre as denúncias de formação de cartel e pagamento de propinas no Metrô de São Paulo e os comparou com a cobertura da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás. Resultado: a média de exposição diária do caso Petrobrás é nada menos do que 13 vezes maior do que o caso Alstom/Metrô de SP.
Entre 7 de novembro de 2013 e 25 de março último, ou seja, em 130 edições do JN, as denúncias e investigações sobre corrupção no Metrô de SP ocuparam cerca de 77 minutos do telejornal. Foram divulgadas 23 matérias. A mais longa teve 8 minutos e 15 segundos. Cinco delas duraram menos de 1 minuto. Em todas, o assunto era bem ponderado. Todos os acusados tinham direito de resposta para rebater as acusações. E todos, claro, refutaram. As expressões usadas nos textos das reportagem também são bem suaves. Para o Jornal Nacional, não há quadrilha, mas um “suposto cartel”. E não há acusados, mas suspeitos.
Em comparação, desde que o caso Petrobras/Pasadena eclodiu, há 11 dias, o Jornal Nacional dedicou a ele 64,5 minutos de cobertura. Foram 10 matérias, três delas com pelo menos 10 minutos cada. Nenhuma com menos de 3 minutos. E em todas não há suspeitos, mas acusados. E não há supostas questões contratuais no processo de aquisição da refinaria, mas irregularidades na compra da refinaria.
Vale a pena destrinchar os dados relativos às exposições dos dois casos no telejornal – que vai ao ar de segunda a sábado. Desde que surgiram as primeiras denúncias do caso do Metrô de São Paulo, os telespectadores ouviram “boa noite” da bancada do JN cerca de 130 vezes. Durante cinco meses completos, o tema foi abordado em 23 edições. Por outro lado, em apenas 11 dias – ou seja, 10 edições, excluindo-se o domingo – o caso Petrobras foi abordado em todas as oportunidades, ininterruptamente.
Portanto, se dividirmos o tempo total de exposição de cada um dos temas pelo número de edições que foram ao ar do telejornal desde a primeira aparição deles no noticiário, teremos algo curioso. Para o Metrô de São Paulo, nas 130 edições, houve 77 minutos de cobertura, ou seja, uma média de exposição diária de 35 segundos. Já o caso Petrobras chegou ao horário nobre da TV Globo por 64,5 minutos nas 10 edições, o equivalente a uma média de 6 minutos e 30 segundos de exposição diária. Os cálculos apontam para uma cobertura, proporcionalmente, 13 vezes maior do caso Petobrás em comparação ao do Metrô.
É compreensível que, em 130 edições, a temática acabe por se diluir e, portanto, apareça menos frequentemente ao longo do tempo. Chama a atenção, no entanto, que em apenas 10 edições, o caso Petrobras já tenha um tempo de exposição tão próximo ao caso do Metrô.
O tratamento desproporcional dado pelo Jornal Nacional a temas ligados ao PSDB e ao PT, ou, se você preferir, ao governo federal e ao governo do estado de São Paulo, não é propriamente uma novidade. Mas é sempre bom ir para a prancheta e colocar os pingos nos is. Se “ouvir os dois lados” é um princípio do bom jornalismo, que nome se dá quando eles são tratados com dois pesos e duas medidas?"
2 comentários:
O declínio do Jornal Nacional é irreversível
Nos anos 1980, quando eu era um jovem repórter da Veja, a redação, no sétimo andar do prédio da Abril na marginal do Tietê, se alvoroçava quando eram 8 da noite.
Uma televisão, no fundo da redação, começava a passar o Jornal Nacional. A redação parava, mesmo em dias de fechamento, e só voltava a funcionar quando o JN terminava.
Não era só a Veja que parava. Era o Brasil. O JN tinha então 70% de audiência, em média. Às vezes mais. Ditava a agenda política e econômica do país. Roberto Marinho — que na busca de favores da ditadura dizia que a Globo era “o maior aliado” dos generais na mídia, conforme mostram documentos de Geisel reunidos em livro — teria dito que notícia era o que o JN dava.
Para mim, o JN acabaria com minha saída da Veja rumo à Exame, em 1989. Perdi o hábito de vê-lo e jamais senti falta. Não voltei a ver sequer quando trabalhei na Globo, em meados dos anos 2 000. Nas reuniões do Conselho Editorial da Globo, às terças de manhã, eu chegava sem ter a mínima ideia do que o JN dera ou deixara de dar, e tinha uma certa dificuldade em me engajar em algumas conversas.
Muita gente fez o que fiz, por variados motivos. (O meu foi o incômodo em ver tanto foco em desgraças depois de ter visto o JN, na ditadura, mostrar um país paradisíaco aos brasileiros. Também o conteúdo influía bem menos na Exame do que na Veja.)
Todas essas reminiscências me ocorrem ao ler que esta semana o Jornal Nacional bateu seu recorde negativo de audiência ao chegar a 18%.
É uma derrocada notável – e irremediável. Em alguns anos, os 18% parecerão muito diante da audiência que sobrará para o principal telejornal do Brasil.
O que ocorreu?
A tentação é dizer que é a ruindade técnica do JN que afastou o público. Mas, mesmo pobre o jornalismo do JN, não é esta a razão primeira do declínio.
Isto quer dizer que não adiantaria nada – pelo menos no Ibope — trocar o diretor de telejornalismo da Globo, Ali Kamel, por alguém mais criativo e talentoso.
A real causa se chama internet.
A internet é uma mídia que os analistas classificam como “disruptora”: ela não se integra às demais, como sempre aconteceu na história do jornalismo. Ela mata.
As demais mídias – tevê aberta incluída – são progressivamente engolidas pela internet.
A situação do JN é análoga à que enfrenta a Veja. A revista definha em circulação, publicidade, influência, importância – em tudo, enfim. Não adianta nada trocar o diretor de redação. Mesmo que a Veja voltasse a ter a qualidade notável da década de 1980, sob o comando dos diretores JR Guzzo e Elio Gaspari, nem assim os leitores retornariam, porque o produto se tornou obsoleto.
O milagre da Globo, hoje, é conseguir faturar como nunca, com audiências em colapso em todas as frentes, dos telejornais às novelas.
Proporcionalmente, a Globo ganha em publicidade mais do que ganhava quando alcançava três ou quatro vezes mais pessoas.
Isso se deve a uma coisa chamada BV, Bônus por Volume, uma espécie de propina que é paga às agências de publicidade para que anunciem na Globo.
Foi uma invenção de Roberto Marinho, depois seguida pelas outras grandes empresas de mídia do país, mas com resultados insignificantes se comparados aos da Globo.
Hoje, muitas agências dependem do BV para sobreviver.
Graças a isso, com cerca de 20% do mercado de mídia, a Globo tem 60% do bolo publicitário, uma bizarrice.
Isso vai mudar quando os anunciantes – que afinal pagam a conta – se recusaram a pagar tabelas cada vez maiores por produtos que alcançam cada vez menos pessoas.
Quanto ao Jornal Nacional, vive em boa parte das audiências passadas.
Políticos que fizeram carreira vendo-o influir tanto, sobretudo nos anos 70 e 80, parecem guardar dele a imagem poderosa de antes.
É a geração que está hoje no poder. “O pessoal morre de medo de 30 segundos do Jornal Nacional”, me disse recentemente um desses políticos.
Ele estava falando da dificuldade em fazer o Congresso discutir a regulação da mídia. Por isso, mesmo com uma audiência raquítica, o JN continua a ser um fator de obstrução de avanços sociais.
Novas gerações de políticos vão ver o JN não pelo que foi, mas pelo que é: um programa com um público cada vez visto por menos gente e, por isso, menos influente a cada dia.
Que venham as novas gerações, até por isso.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-declinio-do-jornal-nacional-e-irreversivel/
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