Zé Dirceu, bem consciente, diante da prisão que não houve
Muito boa a reportagem de Mônica Bergamo, da Folha, acompanhando,
desde as 5,30h da manhã de ontem, aqueles que poderiam ter sido os
minutos que antecederiam a prisão de José Dirceu. Seria o Dia JD do
chamado “mensalão”. Felizmente, isso não aconteceu. Tudo me pareceu
mais uma pirraça do Procurador Geral da República, uma bobagem.
Apesar da tensão natural do momento, Dirceu demonstrou tranquilidade e ainda soube fazer análise da luta política que se trava no país. Belo flagrante da vida real. Abaixo, a reportagem na íntegra.
Apesar da tensão natural do momento, Dirceu demonstrou tranquilidade e ainda soube fazer análise da luta política que se trava no país. Belo flagrante da vida real. Abaixo, a reportagem na íntegra.
DIRCEU TEM MOMENTOS DE TENSÃO À ESPERA DA POLÍCIA
Mônica Bergamo
O interfone tocou ontem às 5h30 da manhã na casa do ex-ministro José Dirceu, na Vila Mariana, em São Paulo.
Um de seus advogados, Rodrigo Dall'Acqua, e a Folha pediam para subir.
O porteiro hesita. "Como é o seu nome? Ele [Dirceu] não deixou
autorização para vocês subirem, a gente não chama lá cedo assim." Ele
acaba tocando no apartamento do ex-ministro, ninguém atende. Dall'Acqua
liga para o advogado José Luis Oliveira Lima, que está a caminho.
Telefonemas são trocados, e Dirceu autoriza a subida.
Na saída do elevador, o ex-ministro abre a porta de madeira que dá para o
hall. Por uma fresta, pede alguns minutos para se trocar.
Abre a porta.
Pega a Folha entre vários jornais sobre uma mesa. Comenta algumas
notícias. Nada sobre a possibilidade de Joaquim Barbosa, presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal), decretar a sua prisão ainda naquela
manhã.
Intuição
Está de camiseta preta e calça jeans cinza.
Senta no sofá da sala. A empregada ainda não chegou. Ele se desculpa. Não tem nada o que servir.
"Eu não vou dar entrevista para você, não", diz à colunista da Folha.
"Podemos conversar, mas não quero gravar. Não estou com cabeça. Dar uma
entrevista agora, sem saber se vou ser preso? É loucura, eu não
consigo."
E, diante da insistência: "Estou com uma intuição, não devo dar".
Em poucos minutos, chegam o advogado Oliveira Lima, três assessores e uma repórter que trabalha no blog que o petista mantém.
Dirceu pega o seu iPad.
"Acho que eu vou lá [no escritório do apartamento] fazer um artigo para o
blog. Mas falar sobre a situação econômica do Brasil, gente? Hoje? Eu
não estou com cabeça." {Nota deste Blog: o Blog do Zé fez 5 posts ontem}
Hora marcada
Os advogados alertam: se houver ordem de prisão, a polícia deve chegar
em meia hora, às 6h. Se até as 7h nenhuma viatura aparecer, é porque
eventual ordem só sairia mais tarde. Ou então Barbosa não decretaria a
prisão (o que acabou ocorrendo).
A Folha questiona se ele já tinha preparado a mala para ir para um
presídio. "Eu não. Eu fui procurar, estou sem mala aqui. Achei uma
mochila esportiva. Depois o Juca [o advogado José Luis Oliveira Lima]
leva as coisas para mim. Ele vai ser a minha babá." No primeiro momento,
só os advogados podem visitar o detento.
"Os policiais dão um tempo para a pessoa se arrumar [antes de levá-la presa]", explica Oliveira Lima.
Dirceu diz acreditar que Joaquim Barbosa não determinará a sua reclusão.
"Ele não vai fazer, ele estaria rasgando a Constituição."
Diz que não está com medo da prisão. "Eu me organizo. Eu vou voltar a
estudar. Vou fazer um mestrado, alguma coisa. E tenho que imediatamente
começar a trabalhar na prisão. Até para começar a abater da pena."
"Se eu for para [a penitenciária de] Tremembé 2 [no Vale do Paraíba], dá
para trabalhar." O presídio ofereceria as condições necessárias.
"Eu não sou uma pessoa de me abater. Eu não costumo ter depressão. Mas a
gente nunca sabe o que vai acontecer. Uma coisa é falar daqui de fora,
né? A outra é quando eu estiver lá dentro. Eu posso ter algum tipo de
abatimento, sim, de desânimo. Tudo vai depender das condições da
prisão. Às vezes elas são muito ruins, isso pode te abater muito."
Leitura
Dirceu ainda não sabe se, na cela, terá acesso a livros, jornais, iPad.
"A lei permite, para o preso trabalhar e estudar. Tem gente aí até
querendo mudar essa lei. Foi aprovada proibição no Senado, o PT bloqueou
na Câmara."
Se puder acessar publicações, acredita que o tempo passará mais rápido. "São 33 meses. Não é fácil."
Analisa que poderá ser colocado numa cela com outro preso. "Isso pode
ser bom, mas pode ser ruim também. Vai depender da pessoa."
Escola do crime
Diz que não tem medo de sofrer eventual violência no presídio. "Mas em termos. É um ambiente de certo risco."
Acha que o sistema carcerário nunca vai melhorar. "Isso não é prioridade de nenhum governo, nem dos governos do PT", afirma.
"Nenhum governo nosso se preocupou com essa questão, nenhum Estado se
preocupou em ter um sistema modelo. É caro, não tem dinheiro. O governo
federal é que deveria dar os recursos. Nós [no governo Lula] fizemos,
construímos os presídios federais para isolar os presos de maior
periculosidade. Tinha que fazer, senão virava uma escola do crime."
Os advogados consultam o telefone, os assessores leem jornais e a
internet em busca de alguma pista sobre a decisão que Joaquim Barbosa em
breve tomará.
'Oi, Bonitinha'
"Se ele [Barbosa] mandar me prender, vai pedir para que nos
apresentemos, vocês não acham?", pergunta Dirceu aos advogados. "Não vão
mandar polícia aqui, eu acho que ele vai dar algumas horas para eu me
apresentar em algum lugar."
Atende o celular. "Oi, bonitinha. Você vem aqui me visitar?" É Evanise
Santos, sua companheira, que estava em Brasília porque não tinha
conseguido lugar no avião na noite anterior. Ela avisa que já está
embarcando para SP.
"Para mim é uma tragédia ser preso aos 66 anos. Eu vou sair da cadeia
com 70. São mais de três anos. Porque parte [da pena] é cumprida em
regime fechado, mas depois [no semiaberto] vou ter que dormir todos os
dias na cadeia. Sabe o que é isso?"
"Eu perdi os melhores anos da minha vida nesses últimos sete anos [em
que teve que se defender das acusações de chefiar a quadrilha do
mensalão]. Os anos em que eu estava mais maduro, em que eu poderia
servir ao país", diz.
Luta política
"Eu transformei isso [mensalão] em uma luta política. Eu poderia ter
ganhado muito dinheiro como consultor. Poderia estar rico, ter ganhado
R$ 100 milhões. Mas é por isso que eu sou o José Dirceu. Tudo o que eu
ganhei eu gastei na luta política."
Ele avisa à Folha que o presidente do PT, Rui Falcão, chegará às 7h. E que terá que interromper a conversa.
"Eu sugeri a eles que fizéssemos uma manifestação em fevereiro,
colocando 200 mil pessoas na rua". "Eles" são o ex-presidente Lula e
dirigentes do PT. Acha que nem todos "da esquerda" fazem a avaliação
correta sobre "a disputa política em curso". "É preciso dar uma
demonstração de força."
A disputa, no seu entendimento, incluiria a desqualificação não só de petistas, mas da política de forma geral.
Clichê
"Sempre foi assim. Parece clichê, mas em 1954 [quando Getúlio Vargas se
suicidou] foi assim, em 1964 [no golpe militar] foi assim. Era a guerra
contra a subversão e a corrupção. Depois entrou a Arena [partido que
apoiou a ditadura]. Aí sim foi tudo à base de corrupção."
Ele acha que o PT falhou ao não estimular, nos últimos anos, uma
"comunicação e uma cultura" de esquerda no país. "Até nos Estados Unidos
tem isso, jornais de esquerda, teatro de esquerda, cinema de esquerda.
É uma esquerda diferente, deles, mas que é totalmente contra a
direita. Aqui no Brasil não temos nada disso."
A classe média está "vivendo num paraíso, e isso graças ao Lula". Mas,
ao mesmo tempo, está sendo "cooptada" por valores conservadores.
Já disse a Lula que "o jogo pode virar fácil. Nós [PT] não temos a
maioria, a esquerda ganha eleição no Brasil com 54% dos votos".
"É preciso trabalhar. A esquerda nunca teve uma vida tranquila no Brasil nem no mundo. Nunca usufruiu das benesses do poder."
grampos
"De 1889 a 1946, o poder era militar. Tudo era decidido por tenentes e
depois pela cúpula militar. Depois, o país viveu seu período político,
mas sempre sob tutela militar, até o golpe de 64. Só em 1989 retornamos
[civis]. É tudo muito recente", diz.
"Ninguém hoje vai bater nos quartéis. A situação é outra: a esquerda
ganha [eleição], mas não tem o poder midiático, o poder econômico. E nós
[PT] nunca fizemos política profissional nas indicações do Judiciário,
no Ministério Público, como outros governos fizeram. Nunca."
Ele segue: "O Ministério Público e a polícia com esse poder, esses
grampos... isso está virando uma Gestapo. Quando as pessoas acordarem,
pode ser tarde demais."
Natal
Para Dirceu, a maioria dos empresários não apoia o que seriam investidas
contra Lula e o PT. Teriam medo de uma crise política, com
manifestações e greves combinadas com uma situação econômica mais
delicada.
E o empresário Marcos Valério, pode atingir Lula com suas acusações?
"Esquece. Nem a mim ele conhece direito. Nunca apertei direito a mão do
Marcos Valério."
Os advogados o chamam na varanda. Dirceu em seguida diz à Folha que
precisa encerrar a conversa. Ele ainda esperaria sete horas até que, às
13h30, Barbosa divulgasse que não mandaria prender os réus ontem. Fez
as malas e foi passar o Natal na casa da mãe em Passa Quatro (MG).
Fonte: Com Texto Livre
Um comentário:
Muito boa, mostrando o lado humano e indicando que a luta da esquerda contra os reacionários nunca vai terminar.
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