Catastrofismo oculta resultado positivos na luta contra desigualdade
"O relatório da ONU divulgado ontem
contrasta de forma impactante com o catastrofismo que é vendido
diariamente pela grande imprensa.
O Brasil que evolui, ainda que a passos lentos, vem sendo constantemente traduzido pela mídia como um país descendo a ladeira.
No final do ano passado, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) já havia divulgado a informação de que o Brasil alcançara o
menor índice de desigualdade de sua história. Ontem, vieram à tona os
números completos do IDHM e a evolução do índice Gini –que mede a
desigualdade- dos últimos vinte anos.
O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) aponta para um “progresso impressionante” no Brasil.
Há algumas semanas, o diagnóstico tinha vindo pela Organização Internacional do Trabalho.
A OIT ressaltou a importância do Bolsa Família,
que, juntamente com os aumentos reais do salário mínimo, teria ajudado a
vitaminar o crescimento da classe média, no momento em que ela vem
definhando em países desenvolvidos, nos quais a desigualdade aumentou
após a crise financeira.
É certo que mesmo o progresso que o PNUD achou “impressionante” está
muito longe de trazer a desigualdade do país para um patamar minimamente
aceitável –não é preciso procurar demais para ver os fortes indicativos
disto nas ruas, nas universidades ou mesmo atrás das grades.
Os sistemas continuam com suas seletividades aguçadas.
Mas o esforço com que todos os resultados ruins têm sido maximizados na
mídia, e os maiores avanços sumariamente desprezados, dá conta da adesão
ao derrotismo como opção preferencial, bem diverso do tradicional
ufanismo da grande imprensa, que já louvou em verso e prosa o milagre
econômico da ditadura, endeusou um falso caçador de marajás e incensou
amplamente, sem ressalvas, o processo das privatizações.
É inquestionável que o catastrofismo se move por motivos eleitorais, mas
não só. Em certa medida, navega também nas águas turvas da repulsa de
vários setores à adoção de políticas que combatam a desigualdade.
A extensão de direitos aos trabalhadores domésticos foi fortemente
rechaçada pela classe média empregadora, com críticas que relembraram a
herança escravocrata.
Reação similar ocorre com o Bolsa Família, que recebe críticas
contundentes à direita, ora porque desestimularia o trabalho, ora porque
serviria a propósitos políticos, ora porque, enfim, seu financiamento
vitamina a carga tributária.
Sem contar a oposição virulenta contra as cotas raciais, que vem
ajudando a alterar o padrão de ingresso nas universidades –a educação
ainda é o critério que menos contribuiu para a melhoria do índice Gini.
Esse catastrofismo dirigido ajuda bastante a lançar luzes sobre as
repentinas e explosivas manifestações de junho último, que acabaram por
exportar o mal-estar da classe média –a ponto de provocar uma depressão
na avaliação de governo que é típica de momentos agudos de crise.
Mas essa explicação, tal como a vitória contra a desigualdade, é apenas parcial.
O outro lado da crítica vem justamente de quem defende que esse
movimento, ainda que no sentido certo, é lento demais, inclusive porque o
país mantém a chaga de ser um dos mais desiguais do planeta.
E isso também se revela no acesso nada preferencial que o governo anda
hipotecando às reivindicações da sociedade civil organizada, ao final de
contas pouco estimulada a defendê-lo nas ruas.
Enquanto membros do agronegócio e de bancadas religiosas mantêm-se em
blocos de pressão aptos a influenciar decisivamente políticas públicas,
feministas, indígenas, homossexuais e tantos outros defensores de
direitos humanos têm sido mantidos a uma obsequiosa distância.
É preciso compreender que os movimentos sociais mantêm sua legitimidade
não apenas quando são parceiros de governos que promovem mudanças, mas
também quando pressionam aqueles que hesitam ou retardam políticas
necessárias.
Saber que a luta contra a desigualdade dá ótimos resultados ao país não é um salvo-conduto para o repouso.
Antes, um alerta para perceber o quanto pode ser desperdiçado a cada dia em que se espera para aprofundá-la".
Fonte: Blog Sem Juízo, por Marcelo Semer
4 comentários:
Direita quer sequestrar o Brasil
Por Jeferson Miola, no sítio Carta Maior:
Depois dos protestos multitudinários de junho, a conjuntura confluiu para um cenário nítido de polarização política e ideológica: está sendo disputado o destino do Brasil.
Uma disputa na qual o grande capital, as oligarquias, a direita e a mídia articulam e unificam suas estratégias e se conectam com o capital financeiro internacional. Com sua nostalgia colonial, querem sequestrar o Brasil e fazê-lo regredir à condição de entreposto da especulação e da agiotagem financeira.
Por outro lado, se vê um PT catatônico e sem iniciativa, que repete a mesma incapacidade dirigente evidenciada durante a crise do chamado “mensalão”. A realidade agora, porém, parece ainda mais complicada, porque o Partido mostra divisões comprometedoras - alguns personagens vão contra as prioridades políticas do governo.
Em 2005 foi Lula, e não o PT, quem encabeçou a defesa do governo contra a tentativa de retrocesso neoliberal. Na presente conjuntura, Dilma [e não o PT, outra vez] assumiu a primazia política, e com importantes respostas programáticas.
Está claro que o principal objetivo da oposição foi instrumentalizar os protestos para esgaçar o governo Dilma, Lula e o PT. É ilusão pensar que tivessem compromisso com a moralização da política ou com o aperfeiçoamento republicano.
Torpedear a Assembléia Constituinte e o plebiscito da reforma política foi mais que uma opção tática da direita; era requerimento estratégico da sua política. As ruas já tinham fornecido o substrato para uma narrativa desgastante do governo, e por isso suas vozes já não importavam. O essencial, então, era hierarquizar e enquadrar a agenda das ruas na “república parlamentar”, domínio seguro das elites onde se pactuam os arreglos e consensos entre as diversas frações da classe dominante, e onde se bloqueiam as mudanças democráticas e populares.
O espaço de discussão sobre as urgências do país foi deslocado da arena pública para o Parlamento e para as editorias dos grupos midiáticos. E o debate público foi emoldurado em parâmetros neoliberais de crítica à condução econômica e à gestão do Estado brasileiro frente à crise mundial.
A atual crise do capitalismo é uma das piores de toda a história. As crises capitalistas são momentos de acentuada competição para o reposicionamento competitivo entre diferentes países, setores econômicos e classes. Provocam o deslocamento intra-capitalista de renda, riquezas e, em especial, de poder. O Brasil, como sétima economia e polo dinâmico na economia mundial, é alvo óbvio das tensões internacionais, com o capital estrangeiro se articulando com seus nexos domésticos nessa sanha especulativa.
Graças à condução heterodoxa da economia, o país tem resistido razoavelmente a essa feroz crise. Não sacrifica empregos, direitos e desenvolvimento e, além disso, preserva e amplia as conquistas materiais e culturais dos últimos 10 anos. O governo não compensa a redução do lucro do capital causada pela crise especulativa suprimindo direitos sociais para transferir renda ao rentismo. Por isso, é amaldiçoado. O veto ao fim da multa de 10% do FGTS para proteger os empregos dos trabalhadores e o financiamento da política habitacional, bem demonstra essa opção.
Em crises menos graves [1998], o Brasil governado por aqueles que hoje promovem uma oposição fascista colapsou. Os serviços públicos foram sucateados, a indústria destruída, os empregos esfumaçados, o patrimônio público dilapidado e as riquezas do país transferidas à orgia financeira internacional via juros indecentes.
Os ataques que fazem à política econômica são para criar um clima artificial de instabilidade e de “fim de linha”. Criam um ambiente inóspito à reeleição [e consequente continuidade] do PT no governo. Os neoliberais querem, a todo custo, retomar em 2014 seu projeto conservador de poder.
A direita tem sido eficiente e unida. Unifica não somente o conjunto da oposição, mas também magnetiza setores da coalizão de governo. Explora as contradições do PT: demoniza diariamente o Secretário Nacional do Tesouro, mas incensa o Ministro das Comunicações nas páginas amarelas da revista Veja por suas posições “pós-petistas”. Veta Henrique Fontana para coordenar a comissão da reforma política da Câmara dos Deputados, pois confia nas posições “pós-petistas” do Cândido Vacarezza.
Na base do governo, a fragmentação baseada em cálculos eleitorais imediatistas é útil ao ascenso da direita, mas não atenta à complexidade da conjuntura. Se o próprio PT não se unir na defesa de Dilma e na sustentação das políticas por ela alinhadas, será muito difícil – senão impossível – convencer os aliados tradicionais [PDT, PSB, PCdoB e esquerda social] a se unirem contra o retrocesso neoliberal no Brasil. O PT tem, nessa circunstância, uma responsabilidade diferenciada.
Para financiar os pactos propostos por Dilma para a saúde, educação e mobilidade urbana, é necessário abrir um grande debate nacional sobre a taxação das grandes fortunas, do capital especulativo e avançar na progressividade tributária e levar o centro do debate no Congresso Nacional.
A democracia continuará aleijada [e manietada] se não existir pluralidade e diversidade dos meios de comunicação no país. É urgente um pacto nacional pela diversidade e pluralidade da informação, da produção e da difusão da riqueza cultural do país que não cabe nas telas das emissoras de um punhado seleto de famílias e igrejas.
A moralização da política e o enfrentamento da corrupção não será realidade sem mecanismos de controle social e de democracia participativa no sistema político e na gestão pública. A reforma política é a maior das prioridades e a principal das urgências do país. A direita não quer realizá-la – seja com ou sem plebiscito. A luta pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para realizar a reforma política, na presente circunstância, pode ser o motor para uma ampla mobilização popular.
O Brasil está numa encruzilhada. Seu destino está sendo disputado a partir de perspectivas contrapostas, irreconciláveis. Conhecer e assumir com clareza o lado certo nessa disputa é um requisito fundamental. Devotar as melhores energias na sua defesa é uma exigência imprescindível.
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