Há muitos anos, leitor compulsivo, assinava a Veja e Isto É.
E tinha também os jornais diários e ainda comprava algumas publicações mensais, tipo Planeta e National Geographic, além das musicais como Bizz e Roll.
Atualmente diminuí o ritmo e só eventualmente faço aquelas visitas às bancas recheadas que eu gostava tanto.
Falta de tempo é um dos motivos mas há também uma sensação de que aquilo é uma repetição mais rasa de tudo que já li, que conheço bem.
Da música à política nada me soa novo nessas publicações.
Talvez as facilidades da Internet e das TVs por assinatura fizeram com que eu mudasse o foco. Ou talvez seja mesmo a experiência de vida para não ficar citando a questão idade...
Mesmo assim assino a Poeira Zine e eventualmente compro alguma revista do tipo Alpha, Men's Health, Carta Capital, Rolling Stone ou algo parecido. Mas sem muita empolgação.
Todo esse preâmbulo para dizer que comprei hoje a edição semanal da revista Época mas só por causa da matéria de capa que fala sobre o filósofo "pop" Alain de Botton.
Eu nem li a matéria ainda mas me lembrei que já havia feito posts aqui no blog pelo menos sobre dois livros dele.
Aí resolvi procurar para postar outra vez pois o considero um cara que escreve coisas interessantes.
Não sei porque só achei o artigo em que comento sobre a obra "A Arte de Viajar", não encontrei o que escrevi sobre o livro "Desejo de Status" mas achei post em que reproduzi artigo da jornalista Leila Ferreira que remetia a assunto semelhante.
Seguem os dois.
Boa semana!
A Arte de Viajar é de autoria do jovem (40 anos) filósofo suíço Alain de Botton e foi publicado no Brasil pela Editora Rocco.
Morando em Londres onde é professor universitário, Botton nos presenteia com mais uma obra interessante depois de “As Consolações da Filosofia”, “Desejo de Status”, “Como Proust Pode Mudar Sua Vida” e muitas outras criações que tentam analisar o nosso tempo e consequentemente as atribulações humanas atuais.
Longe de ser apenas um guia de viagens, de Botton nos coloca frente a frente com questionamentos que muitas vezes não nos fazemos conscientemente, mas que estão lá, martelando no (sub)(in)consciente.
Para ficar mais claro, vejam esse pequeno trecho do livro: “Nossa capacidade de extrair felicidade de objetos estéticos ou bem materiais na realidade parece depender, em termos cruciais, da prévia satisfação de uma faixa mais importante de necessidades emocionais ou psicológicas, entre as quais a necessidade de compreensão, de amor, expressão e respeito (...). Estamos tristes em casa e culpamos o clima e a feiúra dos prédios, mas na ilha tropical que estamos (a passeio) descobrimos que o estado dos céus e a aparência das moradias não podem jamais, por si sós, garantir nossa alegria nem nos condenar à aflição” (página 34).
Em resumo, o filósofo nos fala que viajar é ótimo para trazer bem estar e felicidade, mas não esqueçam (o paradoxo) de que com a nova paisagem estará você também: “parece que somos mais capazes de habitar um lugar (n.r.: na imaginação) quando não nos defrontamos com o desafio adicional de ter de estar lá” (n.r.: a realidade da viagem, com suas possíveis decepções e a presença do próprio ‘ser’).
Recomendo a leitura, para quem gosta (e pode) viajar ou não.
Do Bom e Do Melhor
"Estamos obcecados com “o melhor”. Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do “melhor”.
Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.
Bom não basta.
O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com “o melhor”.
Isso até que outro “melhor” apareça – e é uma questão de dias ou de horas até isso acontecer. Novas marcas surgem a todo instante. Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado, modesto, aquém do que podemos ter.
O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego.
Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta conquistar ou ter. Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos.
Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros!…) estão vivendo melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários.
Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.
Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos, às vezes, é mais do que suficiente…
Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência?
Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de chefia que vai me matar de estresse porque é o melhor cargo da empresa?
E aquela TV de não sei quantas polegadas que acabou com o espaço do meu quarto?
O restaurante onde sinto saudades da comida de casa e vou porque tem o “melhor chef”‘?
Aquele xampu que usei durante anos tem que ser aposentado porque agora existe um melhor e dez vezes mais caro? O cabeleireiro do meu bairro tem mesmo que ser trocado pelo “melhor cabeleireiro”?
Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixado ansiosos e nos impedido de desfrutar o “bom” que já temos.
A casa que é pequena, mas nos acolhe.
O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria.
A TV que está velha, mas nunca deu defeito.
O homem que tem defeitos (como nós), mas nos faz mais felizes do que os homens “perfeitos”..
As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar a chance de estar perto de quem amo.
O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.
O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.
Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?
Ou será que isso já é o melhor e na busca do “melhor” a gente nem percebeu?"
Leila Ferreira
4 comentários:
Marquinhos, tudo de bom!
Lendo seu (interessante) post me recordei de vários outros aspectos que envolvem tal tema. Lembrei-me de uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, e, de um livro que li, certa vez. O tema de seu post se faz presente de forma intensa em nossos dias. Já fiz um comentário sobre a "força" ou "poder" do Design sobre nosso (in)consciente.
Bem, para não me alongar demais, transcrevi apenas a poesia. É um primor.
Veja:
"EU, ETIQUETA.
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório,
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
Ser pensante, sentinte e solidário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro,
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou—vê lá—anuncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam,
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrina me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente."
Muito interessante, não acha?
Como sei que o comentário vai ficar grande, vou enviar em outro, aspectos sobre o livro.
Abraçãozão,
ME
Marquinhos, complementando, o referido livro é: "A Linguagem das coisas" de Deyan Sudjic. Como apetite, trago um pequeno trecho de sua introdução:
"Como gansos alimentados à força com grãos até seus fígados explodirem para virar foie gras, somos uma geração nascida para
consumir. Os gansos se apavoram quando o homem se aproxima
pronto para lhes enfiar um funil de metal goela abaixo, enquanto
lutamos por nossa vez de chegar ao cocho que nos fornece o dilúvio
sem fim de objetos que constituem nosso mundo. Há quem acampe em frente a lojas da Apple para ser o primeiro a comprar um iPhone. Há quem pague qualquer preço para colecionar réplicas de tênis de corrida dos anos 1970. Há até quem use o Bentley Arnage para dizer aos jogadores de futebol da primeira divisão que vale 10 milhões de libras, e não os 2,5 milhões necessários para adquirir um Continental.
As complexidades de séries, procedência e linhagem dos modelos
sustentam uma pornografia extasiada que transforma em
fetiche óculos de sol e canetas-tinteiro, sapatos e bicicletas e quase tudo o que possa ser trocado, colecionado, categorizado, organizado
e, em última análise, possuído.
É bem possível que estejamos à beira de uma onda de repulsa
ao fenômeno do desejo por tudo o que é fabricado, a toda a avalanche
de produtos que ameaça nos soterrar. No entanto, ainda
não há sinal disso, apesar do surgimento da ansiedade apocalíptica pelo terrível destino que nos espera se continuarmos nessa farra sem limites. Nem a volta da venda de indulgências, prática abandonada pela Igreja medieval e agora ressuscitada na forma de pagamentos pelo carbono emitido, está nos impedindo de trocar de telefone celular a cada seis meses.
Na minha vida, devo admitir que andei fascinado pelo brilho do
consumo e ao mesmo tempo enojado e com vergonha de mim mesmo
diante do volume do que nós todos consumimos e da atração
superficial, mas forte, que a fábrica do querer exerce sobre nós.
Os objetos, muitos acreditam, são uma realidade indiscutível
do dia a dia. Dieter Rams, que por duas décadas foi o diretor de
design da Braun, a empresa alemã de aparelhos de consumo eletrônicos, era um deles. Ele descrevia os barbeadores e liquidificadores
da Braun como mordomos ingleses, discretamente invisíveis quando
não são necessários, mas sempre prontos para atuar sem esforço
quando chamados. Tais coisas se tornaram muito mais que isso.
“Roupas, comida, carros, cosméticos, banhos, sol são coisas de verdade a ser usufruídas em si”, afirmou John Berger em Modos de ver (1972[...]. Berger fez uma distinção entre objetos “de verdade” e o que via como as manipulações do capitalismo que nos fazem querer consumi-los. “É importante (...) não confundir a publicidade com o prazer ou os benefícios dos objetos anunciados e que serão usufruídos”, defendia. [...] Berger escreveu Modos de ver de uma perspectiva desconfortável,
a meio caminho entre Karl Marx e Walter Benjamin. Seu livro
foi uma tentativa de demolir a tradição convencional que envolve
o conceito de connaisseur e estabelecer uma compreensão mais
política do mundo visual.
A publicidade é a vida dessa cultura [a cultura do capitalismo]
— na medida em que, sem a publicidade, o capitalismo não
pode sobreviver — e ao mesmo tempo a publicidade é o seu sonho.
O capitalismo sobrevive à custa de forçar a maioria, a quem
explora, a definir seus próprios interesses tão estreitamente quanto
possível. Já se chegou a isso pela privação prolongada. Hoje,
nos países desenvolvidos, chega-se pela imposição de um falso
padrão do que é desejável e do que não é".
Há vários outros autores que discutem a contraditória relação entre Design e o Sistema Capital. Citei uma vez aqui, uma máxima de Giulio Carlo Argan, por exemplo.
Bem, é isso.
Interessante tema para mais um debate.
Tenha uma tranquila, feliz e produtiva semana!
Abraçãozão,
ME
Marcos, adorei esse post.
Seus comentários fazem menção a sua falta de tempo e a do Luiz Felipe, mas sinto falta de suas crônicas dominicais que fazia há tempos em vosso blog.
Crônicas como essa sobre revistas e a nossa vida cotidiana.
Obrigada pela atenção.
Bjs.
Obrigado pela ótima colaboração caro amigo xará.
Tanto a obra do Drummond (que eu não conhecia) como o texto do Deyan Sudjic.
Ao que parece não tem jeito mesmo. Vivemos em um mundo de consumo exagerado e tanto profissionalmente como pessoalmente estamos envolvidos direta ou indiretamente no esquema capitalista que sobrevive dessa forma.
A não ser que migremos para as alturas do Nepal ou Tibet e nos tornemos monges.
Aliás nem no Tibet dá mais. A China já tomou conta.
É claro que temos que procurar não ficar prisioneiros disso sob o risco de entrarmos em um túnel sem saída que não leva à felicidade.
Mas deixa eu terminar logo esse texto que preciso ir ao Shopping!
Rs. Abraço!
Alice: Obrigado! É falta de tempo mesmo. São tantas prioridades...
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