Apesar de nos intitularmos "multidisciplinares" tem muitas coisas que abordamos pouco ou quase nada aqui no blog.
São diversos temas que aparecem raramente neste espaço.
Cito um: poesia.
Sei que isso não interessa a muita gente, mas dependendo da abordagem poderemos - quem sabe - despertar pelo menos a curiosidade...
Uma boa estratégia para isso é incluirmos aqui alguns poemas cuja temática seja de interesse amplo. Pensei em "erotismo". Que tal?
Ao penetrarmos (epa!) neste campo, colocamos uma pimenta a mais no tempero, o que pode fazer muita gente lamber (epa!) os beiços ao experimentar o gozo (epa!) que as palavras bem colocadas podem proporcionar.
Via de regra um moralismo exacerbado, muitas vezes falso, coloca a arte erótica (não só a poesia) no campo da transgressão, como se tudo fosse pornografia. Aliás muitos autores acham que "pornografia" é um termo "pejorativamente" mal utilizado. Mas não vamos entrar nesse campo de discussão.
Escolhemos três nesta primeira incursão: de Carlos Drumond de Andrade, que não gostava de divulgar essas belas poesias explícitas (pelos motivos já citados), da atriz e escritora Bruna Lombardi e da escritora Hilda Hilst.
Espero que achem interessante (pelo menos...).
Romantismo, sensualidade, beleza, criatividade, vão bem em qualquer estação.
Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
Reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
Até desabrochar em puro grito
De orgasmo num instante infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
Fundido, dissolvido, volta à origem
Dos seres, que Platão viu completados:
É um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmos?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
A essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
Já tudo se transforma num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
A fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
E devassando sóis tão fulgurantes
Que nunca a vista humana os suportara.
Mas, varado de luz o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
Que, além de nós, além da própria vida,
Como ativa abstração que se faz carne,
A idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
Menos que isto, sons, arquejos, ais,
Um só espasmo em nós atinge o clímax:
É quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
No úmido subterrâneo da vagina,
Nesse amor mais suave que o sono:
A pausa dos sentidos satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
Estendidos na cama, qual estátuas
Vestidos de suor, agradecendo
O que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Carlos Drummond de Andrade.
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela
a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca
uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora
o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.
Bruna Lombardi
"E por que haverias de querer..."
E por que haverias de querer minha alma / Na tua cama? / Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas / Obscenas, porque era assim que gostávamos. / Mas não menti gozo prazer lascívia / Nem omiti que a alma está além, buscando / Aquele Outro. / E te repito: por que haverias / De querer minha alma na tua cama? / Jubila-te da memória de coitos e de acertos. / Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Hilda Hilst |
2 comentários:
Acho esse negócio de poesia pura frescura, mas reconheço que foi boa a sua estratégia de escolher temas eróticos. Fiquei surpreso ao saber que o Carlos Drumond de Andrade gostava de escrever sobre essas coisas boas.
Gostei também do projeto Rock Requiem do outro post. É meio cristão mas não comprometeu o resultado.
Boa essa iniciativa.
Mas tem poesias bem mais pesadas.
Gostei da Bruna, tanto da poesia quanto dela. Continua bonita, tantos anos depois.
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