"Nesta situação, para tentar entender e avaliar o que se passou no julgamento, a maioria dos brasileiros só pode interpretar a coreografia do tribunal.
Não faz ideia de que juristas de valor reconhecido têm críticas a seus resultados e questionam boa parte das condenações. Não compreende que existem argumentos sólidos, que permitem acreditar na inocência absoluta dos condenados em relação aos crimes pelos quais foram condenados."
Alimentando a desumanidade
Condenados à prisão em regime semiaberto, José Genoino e José Dirceu enfrentam tratamento inadequado
"A prisão de 11 condenados do mensalão foi acompanhada de momentos preocupantes. Procurando as raízes do que está acontecendo, é possível chegar a articulações conservadoras que se mobilizavam contra os direitos humanos e garantias individuais – quando a democratização do país sequer completara seu curso. Vamos contar a história pelo começo, porém.
Os prisioneiros foram conduzidos ao presídio da Papuda, em Brasília, sem documentos que formalizem seu direito ao regime semiaberto, como definiu o STF.
A medida já provocou protestos formais dos advogados.
Em condições normais, me diz um dos advogados dos réus, uma atitude desse tipo se resolveria com um habeas-corpus, capaz de levar a libertação imediata dos prisioneiros.
Mas é difícil pensar que vivemos tempos normais quando o presidente do Supremo afirma que “quando as instituições se degradam, o País se degrada”, não é mesmo?
Outro drama envolve a saúde de Genoíno. Ele sofre de cardiopatia grave. Recentemente ficou no limite entre a vida e a morte, da qual escapou, segundo médicos, por uma questão de minutos, a bordo de uma ambulância que o conduziu a um hospital. Com base na avaliação médica, Genoíno já entrou com pedido de aposentadoria na Câmara de Deputados.
Transportado de São Paulo para Brasília, o deputado enfrentou situações complicadas, descreve uma reportagem do UOL:
“Ainda no aeroporto de Congonhas (SP), minutos antes de entrar na aeronave, o ex-presidente do PT foi examinado por um médico da PF que emitiu um laudo informando que ele tinha plenas condições de fazer a viagem.
No entanto, antes de chegar a Belo Horizonte, onde embarcaram mais sete presos, entre eles o empresário Marcos Valério, Genoíno se sentiu mal devido à pressão alta. Quando a aeronave pousou em BH, às 15h17, uma ambulância ficou estacionada na pista e Genoíno foi medicado. Por essa razão, o voo decolou para Brasília com um pequeno atraso.
Procurado para comentar o ocorrido, Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do setorial jurídico do PT e um dos advogados que acompanhou Genoíno desde ontem, afirmou que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, "assumiu o risco de conduzir José Genoíno a Brasília, mesmo em virtude do estado clínico que o acomete, o que comprova os excessos na condução do mandado de prisão".
Temos, então, dois absurdos acumulados.
Para levar Genoíno a Brasília, assegurando uma nova sessão de fotos e imagens para a TV, ele foi conduzido a uma viagem em situação de risco e teve de ser medicado.
Qual a necessidade?
Do ponto de vista do cumprimento correto das penas, nenhuma. A razão é política.
O grave é que o tratamento inadequado, estimula cenas agressivas de cidadãos contra condenados, como aconteceu no momento em que eram conduzidos em São Paulo ou Belo Horizonte, repetindo situações que já haviam ocorrido nas eleições de 2010 e 2012, atingindo até mesmo o ministro Ricardo Lewandovski.
Não vamos entrar no mérito das conclusões do julgamento. Nem no conteúdo das denuncias que levaram a produção de penas altíssimas. Já discuti isso várias vezes.
Mas eu acho óbvio que este comportamento agressivo recebe estímulos de cima.
Num recurso de marketing primário, as prisões foram realizadas no dia da proclamação da República.
Mesmo que os condenados fossem culpados de todos os crimes que lhes são atribuídos – hipótese com a qual estou em desacordo absoluto – eles têm direito a um tratamento respeitoso.
Não é difícil associar essa situação com o ambiente criado no STF pelo presidente/relator Joaquim Barbosa. Seu comportamento agressivo e truculento em relação a colegas é um fato amplamente conhecido.
O problema é que essas reações agressivas não envolvem, apenas, uma questão de comportamento e boas maneiras. Implicam, também, num gestual pouco civilizado, de alto grau de violência – ainda que simbólica – que intimida e até silencia seus interlocutores.
Na última sessão do STF, o ministro Teori Zavaski só precisou questionar uma proposição de Joaquim Barbosa para ser acusado de cometer uma “chicana”, expressão que, conforme Houaiss, pode ser equivalente a “tramoia”, enquanto “chicaneiro” é definido como “trapaceiro.”
No mesmo dia, numa reação típica de quem sentia-se intimidada depois de expressar uma diferença em relação às opiniões de Barbosa, uma das ministras fez questão de esclarecer que eram divergências ínfimas.
Sendo quem é – representante de um dos poderes da República – esse comportamento se transmite, naturalmente, a várias camadas da sociedade.
Outros fatores contribuem na mesma direção. Envolvidos diretamente na produção das denuncias que alimentaram o escândalo, a maioria dos meios de comunicação tornou-se parte interessada no caso.
A dificuldade é que oito anos depois das primeiras notícias, continua apresentando os fatos da ação penal 470 como se toda a verdade se encontrasse nas manchetes de 2005. A realidade é que de lá para cá surgiram fatos novos e descobertas consistentes, que podem colocar em dúvida a versão inicial.
Para um esquema que teria desviado R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, uma auditoria da própria instituição assegura que não houve desvio de dinheiro público.
Contra a visão de que o esquema se baseava em empréstimos fraudados, a Polícia Federal apurou que os empréstimos do Banco Rural para o PT envolviam recursos verdadeiros, que foram usados para pagar despesas do partido e, mais tarde, quitados.
Um levantamento simples nos gastos de publicidade mostra que os próprios meios de comunicação receberam grande parte das verbas que teriam sido desviadas. Grupos como Globo, Folha, Estado, Abril e quem mais você lembrar das empresas de comunicação do país estão entre os principais destinatários. O departamento comercial dessas empresas jamais negou o recebimento destes recursos, especialmente volumosos.
Foi assim que, enquanto as denúncias ficaram magras, as penas permaneceram fortes. Sua base deixou de ser a prova, mas a denúncia de caráter moral.
Nesta situação, para tentar entender e avaliar o que se passou no julgamento, a maioria dos brasileiros só pode interpretar a coreografia do tribunal.
Não faz ideia de que juristas de valor reconhecido têm críticas a seus resultados e questionam boa parte das condenações. Não compreende que existem argumentos sólidos, que permitem acreditar na inocência absoluta dos condenados em relação aos crimes pelos quais foram condenados.
A truculência ajuda a criar uma novilíngua, onde o direito é visto como privilégio e toda tentativa de resistir a decisões que podem ser classificadas como abusivas e arbitrárias não passa de um esforço para garantir uma posição superior na vida social.
Argumentos sensatos, bem fundamentados, são desqualificados e descartados como se não envolvessem um direito fundamental da existência humana, a liberdade.
Essa visão ajuda a formar a convicção popular, assinalada por Hanna Arendt ao estudar a emergência de processos totalitários na Europa dos anos 20 e 30, de que “os atos de violência podiam ser perversos, mas eram sinal de esperteza.”
Falando sobre o universo mental daquele tempo, ela assinala que “o mal, em nosso tempo, tem uma atração mórbida.”
Não é um problema novo para os brasileiros, na verdade.
Em 1987, professor Antônio Flávio Pierucci (1945-2012) fez uma pesquisa antropológica nos bairros de classe média de São Paulo, que deixou ensinamentos úteis para o Brasil de 2013.
Num texto chamado As Bases da Nova Direita, o professor assinalava que esta parcela influente de cidadãos já olhava com desconfiança para os primeiros avanços da democratização.
O país sequer havia votado em eleições diretas para presidente, a violência da tortura e das execuções de presos políticos fazia parte da memória muito recente, mas era possível registrar sinais de inconformismo com a nova situação. O motivo era uma política de direitos humanos lançada em São Paulo pelo governador Franco Montoro, um dos patronos do PSDB, num esforço para enfrentar e controlar atos da violência policial contra a população pobre e contra presos comuns.
Pierucci apontava para desvios de comportamento típicos: um gosto especial por autoridades capazes de tomar medidas violentas e abusivas; a dificuldade de compreender que os direitos à dignidade e o respeito a lei precisam valer para todos – inclusive para pessoas condenadas pela Justiça – sob o risco de, aí sim, ser razoável falar em “degradação das instituições.”
Pesquisando a visão de mundo dessas pessoas, Pierucci anota: “Querer vê-los tendo arrepios, é pronunciar as palavras direitos humanos. Diante de uma pergunta dessas, eles e elas se inflamam, se enfurecem,” escreve.
“É interessante e decepcionante que a associação primeira do sintagma direitos humanos seja com a ideia de ‘mordomia’ para os presos.‘’
Sempre citando palavras recolhidas junto a homens e mulheres daquela época, o professor relata que, na visão dessas pessoas, o país assistia a uma “inversão de valores.”
Elas dizem que, enquanto o bandido é “endeusado, embora seja assassino, seja estuprador, seja o diabo”, e precisa de um “banhozinho de sol, precisa de champanhe francês, precisa de mulher”, o “policial é massacrado. Se ele dá um tiro por acaso, ele é massacrado e o bandido não, é exaltado.
Já em 1987, o professor antecipava: “a nova direita prima por diagnosticar a crise do presente como uma crise primeiramente cultural, uma crise de valores e de maneiras. Crise moral.”
Afirma Pierucci, ainda: “No Brasil metropolitano, há um acúmulo de tensões de toda ordem extremamente propício à arregimentação de cruzadas moralistas.”
É curioso observar porém que, um quarto de século depois, assistimos a um lamentável nivelamento por baixo.
O país e todos os seus governos não apenas fracassaram no esforço necessário para enfrentar abusos inaceitáveis contra a população pobre, resistindo a toda proposição capaz de democratizar o aparato policial em atividade.
Através da criminalização da atividade política a partir de uma visão moralista, um dos traços fundamentais da ação penal 470, convive-se agora com abusos contra homens públicos, com biografia respeitável e um histórico de valor.
Mesmo que Dirceu e Genoíno fossem culpados de todos crimes que lhe são atribuídos – o que está longe de demonstrado para além de toda dúvida razoável, como define a tradição do Direito – não há motivo para justificar qualquer falta de respeito.
Mas é isso o que acontece. Temos comentaristas pródigos na produção de frases marotas de lamento diante das oportunidades perdidas para humilhar, envergonhar e machucar – até fisicamente – os condenados. Mesmo regras, criadas pelo próprio STF, que limitam bastante o uso de algemas no momento da prisão, são criticadas, nem sempre com a sutileza que se poderia imaginar.
Os condenados não se “apresentaram” a polícia, dizem. Se “entregaram,” expressão que procura esconder toda tentativa de preservar a própria dignidade numa hora tão difícil para toda pessoa que tem a força do Estado contra si.
Como bons “chicaneiros,” apenas “querem ganhar tempo” e “protelar”.
Sempre lembrando que se vive num país onde os direitos humanos são uma meta que nunca esteve ao alcance maioria da população, o que se assiste é uma regressão histórica. Num país que não avançou o suficiente, anda-se para trás.
O abuso e a falta de respeito não apontam para o progresso. Ajudam estimular e saciar o ressentimento.
Explicando o sentido das execuções públicas nas sociedades europeias do século XVII e XVIII, quando pessoas eram torturadas em praça pública antes de perder a vida, a historiadora Lynn Hunt explica na obra A Invenção dos Direitos Humanos que aquele espetáculo mórbido tinha objetivos políticos claros: “as dores do corpo não pertenciam inteiramente à pessoa condenada individual. Essas dores tinham propósitos mais elevados de redenção e reparação da comunidade.”
Falando do comportamento da população, observadores mencionados por Hunt observam que havia no rosto da plateia uma “espécie de Alegria como se o espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer em vez de Dor.”
Ela também cita o jornal Morning Post que critica a “indecência extremamente desumana” de uma “multidão impiedosa”, que gritava, ria e agredia aqueles “poucos que manifestavam uma compaixão apropriada pelas desgraças de seus semelhantes.”"
Por Paulo Moreira Leite na Istoé Independente
7 comentários:
A Operação Barbosa: de olho em 2014
por Rodrigo Vianna, no Escrevinhador
Ficou evidente a manobra eleitoral embutida na decisão do STF, de antecipar a prisão dos condenados no “Mensalão” nesse 15 de novembro. A maior parte dos juristas concorda que o normal seria esperar o “trânsito em julgado”; ou seja, só depois dos embargos infringentes (que devem ser julgados no fim do primeiro semestre de 2014) é que as prisões deveriam ser executadas.
Pimenta Neves, assassino confesso , só foi para a prisão depois de todos os recursos esgotados. Para os líderes petistas, a regra não valeu.
Por que a pressa? Por que mais esse atropelo? Já não bastava o fato de lideranças do PT terem sido condenadas sem prova, como afirmou Ives Gandra Martins (que não tem nada de petista) sobre a condenação de Dirceu? Há quem diga que o governo Dilma teria se empenhado na aceleração do processo: interessaria a ela “liquidar’ agora esse assunto, para não criar “embaraços” durante o período eleitoral. Não descarto essa possibilidade (ainda mais num PT e num governo absolutamente dominados pelo pragmatismo). Mas há outras hipóteses.
Por que Barbosa suspendeu a sessão de quinta (14/11), em que o colegiado do STF avaliaria a decisão do dia anterior? Ora, porque era preciso que Barbosa faturasse sozinho as prisões.
Executadas em 2014, as prisões poderiam gerar algum alvoroço eleitoral – sim. Mas talvez surgissem tarde demais, do ponto de vista de uma oposição que precisa de um terceiro candidato para levar o pleito presidencial ao segundo turno.
Está claro, claríssimo, que Joaquim Barbosa (e seus aliados midiáticos) contam com essa hipótese. Juizes têm a prerrogativa de se filiar a partido político até seis meses antes da eleição (abril/maio de 2014, portanto).
Se as prisões ocorressem em julho/agosto de 2014, haveria duas possibilidades: ou Barbosa estaria nesse momento vinculado ao STF, sem poder “faturar” as prisões. Ou já se teria lançado candidato em abril/maio, perdendo a chance de usar politicamente o espetáculo judicial/midiático. As prisões agora dão-lhe o tempo necessário para faturar e avaliar politicamente o quadro.
Hoje, com Aécio e Eduardo Campos, a oposição não conseguiria levar a eleição ao segundo turno. Ah, mas Marina pelo PSB seria candidata forte, e poderia encampar o discurso moralista (Aécio não pode, pelos telhados de vidro mineiros).
Ok. Só que há um risco em contar com isso: Eduardo controla o partido, e mesmo com 10% ou 15% nas pesquisas (contra 20% ou 25% de Marina) pode forçar uma candidatura, deixando Marina de fora. Eduardo não se importa em ganhar ou perder agora; precisa é nacionalizar seu nome, pensando em 2018.
Por isso, a opção Joaquim Barbosa ganha força. Não tenham dúvida: ele estará nas próximas pesquisas (especialmente no DataFolha) como opção…
Barbosa pode fazer o discurso do moralismo, e tem a imagem do “homem negro que veio de baixo e venceu o preconceito”. Talvez tire votos de Aécio, mas tira algo de Dilma também.
Não creio (e certamente os tucanos e seus aliados midiáticos também não acreditam) que Barbosa tenha capacidade para ir a um segundo turno. Mas se conquistar algo em torno de 10% ou 15% dos votos (Aécio deve obter algo em torno de 20% ou 25%, e Eduardo cerca de 15%) , Barbosa pode significar o empurrão de que os tucanos precisam para conseguir um segundo turno.
Ah, mas Barbosa não tem estrutura nem palanques regionais. Não precisa. Basta um partido médio ou pequeno (PTB ou PPS), que lhe garanta dois a 3 minutos no horário eleitoral. O discurso — com um pé no janismo e outro no autoritarismo a la Eneas – é o que basta nesse país onde as identidades partidárias se dissolvem.
A operação Barbosa foi lançada nesse 15 de novembro. Pode não vingar, a depender dos telhados de vidro miamescos, e das lembranças de contextos familiares tumultuados e algo violentos no passado. Mas o juiz que condena sem provas ficará no banco de reservas – para atender aos apelos de uma classe média sedenta por superheróis do falso moralismo.
Pode-se dar ao luxo de esperar. A depender das pesquisas, sobe mais o tom ali por abril ou maio. E aí sim vem – oficialmente – para a disputa política, onde já ocupa lugar de destaque usando (e abusando) da tribuna judicial.
ESCUTA CLASSE MEDIA RESSENTIDA
por Gilson Caroni Filho
Em poucos momentos da história, a justiça foi tão achincalhada como na tarde de sexta-feira.
Negação do contraditório, fatiamento do transitado em julgado e ordens de prisão para satisfazer a sanha de uma classe média reacionária e patrimonialista.
Tudo, desde o início, não passou de um espetáculo jurídico-midiático visando ao entretenimento do que há de mais retrógrado no país.
Mesmo os que, no campo da esquerda se opõem ao PT, não aprovaram o linchamento de lideranças que lutaram contra a ditadura.
Passado tudo isso, veremos que a farsa se voltará contra quem a perpetrou: o STF, cada vez mais partidarizado, se desmoralizou como instância responsável pelo cumprimento da constituição.
A credibilidade da imprensa, como mostra pesquisa da FGV, está no subsolo.
Joaquim Barbosa, longe de ser um magistrado, tornou-se uma figura folclórica da mídia. Em sua toga há um colarinho em arco, uma rosa que esguicha água, faltando providenciar o nariz vermelho.
Talvez, como os jogadores que marcam três gols em uma partida, tenha até direito a pedir música no Fantástico e, quem sabe, um convite para participar de um reality show.
Mas numa Corte que já teve Nunes Leal, ele sabe que é um ponto fora da curva.
Lamento, mas se você é um dos que festejam, saiba que ontem teve uma vitória de Pirro.
Um partido que tem história e militância comete erros, mas não é destruído por circos macabros. E outra coisa: você não tem qualquer preocupação com o aperfeiçoamento das instituições.
Seu ódio é contra programas de transferência de renda que lhe retiraram a empregada barata, o caseiro faminto e ainda puseram no aeroporto, que você julgava seu espaço privativo, cidadãos que antes só pisavam lá para carregar sua bagagem de bijuterias baratas. Mas, daqui a pouco, você estará triste novamente.
E é do seu ressentimento que você recolhe forças para reproduzir os mantras que publicações como a revista Veja lhe proporcionam semanalmente.
Só uma coisinha mais. Não deixe sua contrariedade aqui, no Viomundo. Não peça a um site que lhe dê o que você nunca tolerou que fosse concedido aos seus inimigos políticos: o direito ao contraditório.
Teve um bom fim de semana. O sol estava lindo e a praia convidativa. Levou a sua revista predileta e aproveitou bastante?
Hoje, domingo, o tempo mudou e chove torrencialmente no Rio. Acredite, meu bom ” republicano” de ocasião, com sua alegria ressentida acontecerá o mesmo. Ou não tem sido assim nos últimos anos?
Mais um espetáculo STF/Midia campeão de audiência. Não havia necessidade de nada disso. Um absurdo botar avião da PF no fim de semana para levar para Brasilia aqueles que cumpriram os mandatos. Mas tinha que ter algo grandioso para a GloboNews transmitir o fim de semana inteiro ao vivo.
VOCÊ ESTÁ MUITO CERTO QUANDO DIZ QUE A DOBRADINHA STF/MÍDIA FAZ A CABEÇA DE MUITA GENTE. O QUE VI EM REDES SOCIAIS É O PESSOAL DETESTAR AS PESSOAS ERRADAS. CRÍTICAS INJUSTAS A JOSÉ GENOÍNO E JOSÉ DIRCEU QUE FORAM TORTURADOS E QUASE MORRERAM NA DITADURA NA BUSCA DE GARANTIR AS LIBERDADES INDIVIDUAIS E UM PAÍS LIVRES. ENQUANTO ISSO NÓS E NOSSOS PAIS ESTÁVAMOS NA MAIOR TRANQUILIDADE EM CASA. RESPEITEM E RECONHEÇAM O VALOR DESSES PATRIOTAS. E CUIDADO CO A GRANDE MÍDIA.
Não tenho nada a ver com o peixe, não sou petista, nem simpatizante, não participo, nem nunca participei do governo dessa coligação heterogênea, mas não posso calar diante do circo montado em pleno feriado nacional, tendo como protagonista um ministro do STF que só saiu do anonimato e chegou lá por que o ex-presidente Lula quis fazer um carinho político aos afro-descendentes. E que agora cismou de ser a alternativa dos órfãos da ditadura e do império de cadente.
Não posso calar por que toda a espetaculosidade dessas prisões só serve para induzir à cidadania mal informada à idéia de que finalmente os corruptos estão indo para a cadeia, justo na hora em que certos desvios de conduta transpõem à fronteira, como no caso dos trens e metrôs de São Paulo, onde um dos envolvidos foi condenado na Suíça, embora aqui permaneça impune, em meio a denúncias de que todos os pilares da Justiça brasileira, inclusive o Ministério Público, foram lentos e indolentes diante dessa roubalheira que atravessou três governos tucanos e somou mais do que bilhões.
Tudo nesse julgamento do Supremo cheira mal, independente do verniz que o escândalo ganhou já na fase de sua CPI, quando se calculava que seria bastante para levar Lula à renúncia ou tornar inviável sua reeleição.
Não posso deixar essa maquinação passar em branco por que cada um dos seus capítulos parece urdido sob as piores intenções e movido pelos ranços mais odientos de onde o jogo de cena produzido em laboratórios de alto teor conspirativo.
Sinceramente, precisava o presidente do Supremo emitir as ordens de prisão às quatro da tarde de um feriado de sexta-feira, quando o próprio havia agendado tais providências para o primeiro dia último seguinte? Por que esse tom de ataque-surpresa, como se todos teriam fugido não fosse assim? Que urgência lhe ocorreu no ato que se perpetrou em sintonia com toda a mídia, devidamente agraciada num dia de pauta morta e ainda sob os efeitos emocionais da volta consagradora do ex-presidente João Goulart à Brasília, ainda que em urna mortuária?
Não estou aqui para derramar lágrimas pelos presos, nem para declará-los inocentes, embora como cidadão no exercício da expectativa do direito lamente profundamente o ritual de um julgamento em uma única instância, ferindo a regra pétrea do duplo grau de jurisdição, que assegura a todos a faculdade do recurso, prática que está sendo observada numa lentidão ostensiva no caso de Minas Gerais, onde o governador tucano Eduardo Azeredo teria se beneficiado anteriormente do mesmo expediente que levou ao escândalo de Brasília.
Tenho todas as razões do mundo para ver nessa movimentação cinematográfica segundas e terceiras intenções que permitem todo tipo de ilação: desde o super-dimensionamento como forma de escamotear as centenas de evidências de corrupção em outras áreas, como esse caso de São Paulo, que põe á vista a ação corruptora das construtoras de todo o país, poderosas fontes de propinas que seriam penalizadas se as investigações no caso dos fiscais do ISS tiverem o aprofundamento exigido, até a revanche visceral de uma direita moribunda que já não tem como retomar o poder dentro da normalidade democrática.
Essa mesma cúpula do Poder Judiciário já nos agrediu com a impunidade do banqueiro Daniel Dantas, veementemente liberado duas vezes pelo ministro Gilmar Mendes, numa pressão implacável sobre o juiz Fausto De Sanctis, com a desautorização da "Operação Castelo de Areia", que pegou os donos das grandes construtoras com a mão na massa, mas foi para a prateleira sob a alegação de que teria havido escuta não autorizada.
Se querem mesmo vasculhar e punir os atos ilícitos contra a economia e os cofres públicos, bem que poderiam ir fundo nessas falências fraudulentas, essa evasão de dinheiro de empresas para paraísos fiscais, a sonegação crônica de impostos e, por que não dizer, a indústria de sentenças e liminares de um judiciário que se considera intocável, sujeito apenas a corretivos leves como aposentadoria compulsória.
Poderia dizer simplesmente que esse poder está devendo ao país o mesmo rigor em tantos outros casos, como o que envolve figuras manjadas como Paulo Maluf, mas vou além: não posso aceitar, como não aceita o Pacto Interamericano dos Direitos Humanos de San José, que uma única instância, por mais excelsa que se considere, tenha super-poderes judicantes. Nem na ditadura militar, por mais atrelada que tenha sido a Justiça, o réu deixou de ter direito a julgamento em mais de uma instância.
Em sendo assim, tenho razões para supor que esse processo não passou de uma peça política de múltiplas facetas, atrelada a um calendário do interesse pessoal de alguém que hoje povoa o imaginário revanchista e compensa as angústias de uma direita órfã desde o fim do ciclo dos generais.
É tudo muito feio nessa sequência de episódios midiáticos. Nada está acontecendo por acaso, sem nexos com um contexto continental marcado pelo fortalecimento de forças que não rezam pela velha cartilha, até por que o próprio centro de poder, que já não investe na Escola (militar) das Américas como entreposto de golpistas, que já leva mais fé nos políticos de negócios, atravessa sua própria agonia sem saber onde vai chegar.
Mas que ainda não perdeu suas ambições de domínio e sua capacidade de xeretar e fuxicar na eterna guerra fria que encobre seus interesses insaciáveis.
Pedro Porfírio
No Blog do Porfírio
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