2 de dezembro de 2013

A (in)Justiça Brasileira e o Partido dos Trabalhadores, segundo Leonardo Boff.

 Pensador diz que, da estátua que representa a Justiça, Joaquim Barbosa ficou sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado, e só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do direito

"Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?

Tradicionalmente a Justiça é representada por uma estátua que tem os olhos vendados para simbolizar a imparcialidade e a objetividade; a balança, a ponderação e a equidade; e a espada, a força e a coerção para impor o veredito.
Ao analisarmos o longo processo da Ação Penal 470 que julgou os envolvidos na dita compra de votos para os projetos do governo do PT, dentro de uma montada espetacularização mediática, notáveis juristas, de várias tendências, criticaram a falta de isenção e o caráter político do julgamento.
Não vamos entrar no mérito da Ação Penal 470 que acusou 40 pessoas. Admitamos que houve crimes, sujeitos às penas da lei.
Mas todo processo judicial deve respeitar as duas regras básicas do direito: a pressunção da inocência e, em caso de dúdiva, esta deve favorecer o réu.
Em outras palavras, ninguém pode ser condenado senão mediante provas materiais consistentes; não pode ser por indícios e ilações. Se persistir a dúvida, o réu é beneficiado para evitar condenações injustas. A Justiça como instituição, desde tempos imemoriais, foi estatuída extamente para evitar que o justiciamento fosse feito pelas próprias mãos e inocentes fossem injustamente condenados mas sempre no respeito a estes dois princípios fundantes.
Parece não ter prevalecido, em alguns Ministros de nossa Corte Suprema esta norma básica do Direito Universal. Não sou eu quem o diz mas notáveis juristas de várias procedências. Valho-me de dois de notório saber e pela alta respectabilidade que granjearam entre seus pares. Deixo de citar as críticas do notável jurista Tarso Genro por ser do PT e Governador do Rio Grande do Sul.
O primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos, jurista, autor de dezenas de livros, Professor da Mackenzie, do Estado Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. Politicamente se situa no pólo oposto ao PT sem sacrificar em nada seu espírito de isenção. No da 22 de setembro de 2012 na FSP numa entrevista à Mônica Bérgamo disse claramente com referência à condenação de José Dirceu por formação de quadrilha: todo o processo lido por mim não contem nenhuma prova. A condenação se fez por indícios e deduções com a utilização de uma categoria jurídica questionável, utilizada no tempo do nazismo, a “teoria do domínio do fato.” José Dirceu, pela função que exercia “deveria saber”. Dispensando as provas materiais e negando o princípio da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, foi enquadrado na tal teoria. Claus Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de 11/11/2012 alertou para o erro de o STF te-la aplicado sem amparo em provas. De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu voto:” Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade ético-jurídica?
Gandra é contundente: “Se eu tiver a prova material do crime, não preciso da teoria do domínio do fato para condenar”. Essa prova foi desprezada. Os juízes ficaram nos indícios e nas deduções. Adverte para a “monumental insegurança jurídica” que pode a partir de agora vigorar. Se algum subalterno de um diretor cometer um crime qualquer e acusar o diretor, a este se aplica a “teoria do domínio do fato” porque “deveria saber”. Basta esta acusação para condená-lo.
Outro notável é o jurista Antônio Bandeira de Mello, 77, professor da PUC-SP na mesma FSP do dia 22/11/2013. Assevera:”Esse julgamento foi viciado do começo ao fim. As condenações foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva”.
Escandalosa e autocrática, sem consultar seus pares, foi a determinação do Ministro Joaquim Barbosa. Em princípio, os condenados deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles. “Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello – “ou da família pediria que o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece mais partidário do que um homem isento”.
Escolheu o dia 15 de novembro, feriado nacional, para transportar para Brasília, de forma aparatosa num avião militar, os presos, acorrentados e proibidos de se comunicar. José Genuino, doente e desaconselhado de voar, podia correr risco de vida.
Colocou a todos em prisão fechada mesmo aqueles que estariam em prisão semi-aberta. Ilegalmente prendeu-os antes de concluir o processo com a análise dos “embargos infringentes”.
O animus condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o PT é inegável nas atitudes açodadas e irritadiças do Ministro Barbosa. E nós tivemos ainda que defendê-lo contra tantos preconceitos que de muitas partes ouvimos pelo fato de sua ascendência afrobrasileira. Contra isso afirmo sempre: “somos todos africanos” porque foi lá que irrompemos como espécie humana. Mas não endossamos as arbitrariedades deste Ministro culto mas raivoso. Com o Ministro Barbosa a Justiça ficou sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado. Só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do direito. Não honra seu cargo e apequena a mais alta instância jurídica da Nação.
Ele, como diz São Paulo aos Romanos: “aprisionou a verdade na injustiça”(1,18). A frase completa do Apóstolo, considero-a dura demais para ser aplicada ao Ministro."

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3 comentários:

Cláudio Lima disse...

Leonardo Boff sempre certeiro!

Anônimo disse...

A oposição que virou pó

Os banqueiros e a velha mídia seguem com poder, mas estão sendo derrotados em uma pretensão: a de que são os grandes formadores de opinião do país.

Antonio Lassance, na Carta Maior

A pesquisa mais recente do Instituto Datafolha foi uma ducha de água fria para os partidos de oposição e um sapo grande e gordo que a velha mídia oligopolista teve que engolir.

Só Dilma cresceu. Todos os demais postulantes ao cargo de presidente em 2014 caíram. A chance de vitória de Dilma em primeiro turno elevou-se. O quadro menos negativo para o tripé oposicionista (por enquanto, PSDB, PSB e PSOL – ainda é incerto se o PSC de Marcos Feliciano lançará candidato) depende de duas candidaturas para lá de improváveis: José Serra, pelo PSDB, e Marina Silva, pelo PSB. Mesmo assim, os nomes de Serra e Marina estão com viés de baixa, em intenções de voto, e de alta, em rejeição.

Aquela imprensa “isenta” (isenta de pagar impostos) alvejou a pesquisa anterior, feita pelo Ibope. Tanto que o telejornal que é expoente desse jornalismo “isento” a noticiou pela metade, sonegando os dados que indicavam vitória de Dilma em primeiro turno. Segundo seus mais tradicionais articulistas e comentaristas, Dilma estava empacada. Diziam que a pesquisa não trazia muita novidade e os resultados nem mesmo deveriam ser levados em conta, pois não tinham sofrido o impacto da prisão dos petistas condenados pela AP 470 (o processo do mensalão).

Pois bem, sob o pesado bombardeio das notícias sobre a prisão de petistas, do terrorismo fiscal e do clima de que tudo vai de mal a pior, Dilma cresceu 5 pontos em intenções de votos, comparativamente à pesquisa anterior do Datafolha.

A torcida midiática que acalenta o sonho de Joaquim Barbosa candidato em 2014 também recebeu uma má notícia. Barbosa, que por ser juiz tem o privilégio de decidir sobre uma eventual candidatura até abril do ano que vem, não provocaria 2.º turno. Apenas levaria Aécio e Campos a amargarem, respectivamente, um melancólico 3.º e 4.º lugares na corrida presidencial.

A candidatura do PSDB tem dificuldades de decolar. Carrega um fardo pesadíssimo nas costas, que interessa a apenas 1% da população: o discurso da estabilidade econômica às custas de arrocho fiscal, que continua sendo seu principal foco. Aécio se associa com orgulho às heranças do governo FHC, o que funciona como uma bola de ferro em seu calcanhar. Qual a única proposta de política social feita por esse candidato, até o momento? Manter o Bolsa Família. O resto é “vamos conversar”.

Depois de uma década fora da Presidência da República, o minimalismo liberal dos tucanos atrofiou por completo sua parte do cérebro que deveria pensar a sociedade como algo mais que um simples subproduto da economia de um país. O treinamento na Casa das Garças, templo do pensamento liberal que reúne os sacerdotes do Plano Real e banqueiros, é um dos responsáveis por essa teimosia.

Sua catequese parte da premissa de que o Brasil tem que ser transformado em uma ave de pequeno porte, de preferência evitando qualquer confronto com a águia norte-americana. Já quiseram transformar o Brasil em uma Irlanda. Parece que mudaram de ideia depois do que ocorreu com a Irlanda. Voltaram a ressuscitar o Chile – quem sabe Michelle Bachelet os faça mudar de ideia. Agora estão badalando o México. Alguém se empolga com a ideia de transformar o Brasil em um México? Poucos. Um dos que se empolgam é a candidatura Campos-Marina Silva, que igualmente enveredou pelo caminho da Casa das Garças e conta com a assessoria expressiva de uma parte dos banqueiros e economistas que a frequentam.

Anônimo disse...

Ainda falta um longo caminho para 2014, e boa parte do que se esconde no saco de maldades para as eleições ainda será posto para fora. É justamente esse o aspecto mais positivo da pesquisa Datafolha para a política brasileira. É o fato de que a oposição baseada não em um programa alternativo de políticas públicas, mas na simples execração e criminalização do partido de Dilma e Lula, tem colhido como resultado um tiro no pé.

Quando se fala em oposição, entenda-se bem, estamos nos referindo não apenas aos partidos, mas ao setor da imprensa que se comporta como o partido da ideologia do medo e do ódio – medo e ódio aos partidos de esquerda, à participação do Estado na economia, às políticas de promoção social baseadas no princípio da solidariedade coletiva, e não da competição individual. Esta oposição, que tem na velha imprensa tradicional seu representante mais extremista, tem sido sistematicamente derrotada, eleição após eleição, desde Lula.

Derrotada não necessariamente em seu projeto. Os banqueiros e a velha mídia continuam dando a linha da expectativa de muitos setores da economia e mesmo mandando em muitas áreas de governo. Mas estão sendo derrotados em sua pretensão mais especial: a de que são os “grandes” formadores de opinião do país. Tal pretensão arrogante e manipuladora tem sido reduzida a pó e forçada a aterrissar, junto com os pilotos de suas aeronaves partidárias, a cada pleito presidencial.

(*) Antonio Lassance é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília.