Gosto da maioria das crônicas do Artur Xexéo. Sobretudo quando ele faz suas reminiscências.
Acho que é porque sou meio nostálgico.
Embora o Xexéo seja de uma época anterior à minha infância e adolescência e tenha se criado com acesso à mais cultura e lazer, afinal sou de subúrbio da Zona Oeste (naquele tempo era chamada Zona Rural) e ele da Zona Sul.
Aliás é um dos poucos cronistas que leio atualmente. Fora o Veríssimo e a Martha.
Como o verão está chegando (pelo calendário, porque pelo tempo e temperatura parece que já estamos lá), uma crônica sobre a estação era inevitável. E, como sempre, muito boa. Embora as referências devam soar estranhas para os mais jovens.
Alguns verões
"Houve um verão em que eu já podia ir à praia sozinho. Ninguém tinha medo de arrastão. A única recomendação que recebi foi: “Não passa da rebentação.” Outro perigo era a água viva. Ainda existe água viva?
Houve um verão em que eu não podia chegar em casa antes de nove da noite. Se isso acontecesse, era melhor esperar até dar dez horas para retornar. Entre nove e dez horas, faltava luz. E chegar em casa nesse período significava subir sete andares de escada. Naquele verão, as mulheres andavam com velas na bolsa. Elas perdiam o fôlego subindo as escadas, mas não perdiam o medo do escuro.
Houve um verão em que faltava água quase todo dia. Minha mãe mantinha a banheira cheia para qualquer eventualidade. E sempre tinha uma eventualidade.
Houve mais de um verão em que o Gávea-Leme, a linha circular mais popular da Zona Sul, cobria todo o mundo que me interessava.
Houve um verão em que meu pai cometia a extravagância de, de vez em quando, levar a gente ao Pot, em São Conrado, para tomar água de coco e comer casquinha de siri. Era longe à beça. Tão longe que ninguém estranhava se alguém levasse uma muda de roupa.
Houve um verão em que eu assisti a “O viúvo alegre”, no cinema, três vezes. Na época, não conseguia imaginar que pudesse haver um filme melhor que aquele.
Houve um verão em que, às quintas-feiras, eu nunca saía de casa para não perder “Times Square”. Também não perdia “Rio hit parade”, às terças, e “My fair show”, aos sábados.
Houve um verão em que eu vi Maria Bethânia, no Teatro Miguel Lemos, em “Comigo me desavim”. E outro em que vi “Elis e Mieli no Teatro da Praia”. E mais um em que vi “Gal a todo vapor” no Terezão.
Houve um verão em que todo sábado, à meia-noite, eu assistia a uma pré-estreia no Rian.
Houve um verão em que vi Marilia Pêra em “Fala baixo se não eu grito”, no Teatro Santa Rosa e, depois, comi um cheeseburger no Chaplin. E outro em que vi “Hair”, três vezes, no Teatro Novo. Não me lembro onde foi a esticada.
Houve um verão em que todo mundo ia à praia no Castelinho. Houve um outro em que a praia era nas Dunas da Gal. Houve mais um em que só se ia em frente à casa amarela, perto da Montenegro.
Houve um verão em que todos os meus amigos de cineclube pegaram o Trem da Morte e foram a Machu Pichu. Eu fiquei por aqui mesmo. Eles voltaram com malas cheias de ponchos. Houve um verão em que todos foram para a Bahia. Eu continuei por aqui. Eles voltaram calçando sandálias com sola de pneu. Houve um verão em que a turma do Baixo Leblon resolveu ir de madrugada para Casimiro de Abreu porque um disco voador iria pousar lá. Deste vez, eu fui também, mas os extra-terrestres não chegaram.
Houve um verão em que a Maria Tereza Goulart dançou o cha-cha-cha numa festa na casa da minha tia. Houve um verão em que festa hippies estavam na moda. Houve um verão em que, se a ideia fosse dançar de rosto colado, era só pôr na vitrola “See you in September”.
Houve um verão em que eu fiz vestibular para Engenharia na Gama Filho. No mesmo verão, eu passei para Matemática na UFF. Talvez tenha sido no mesmíssimo verão que eu dava aula particular de Trigonometria."
Fonte: Blog do Xexéo
2 comentários:
Marquinho,faça um post sobre o verão da lata do navio Solano ....que deu uma merda
Bem lembrado. Sugestão anotada.
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