5 de maio de 2014

20 anos depois morreu o dono da Escola Base

Houve um tempo em que eu lia quase todos os jornais diários, assinava as principais revistas semanais e via todos os telejornais noturnos.
Ainda não havia Internet. Nem TV por assinatura.
Gostava e achava fundamental me manter informado sobre tudo que estava acontecendo e recomendava isso a todos que podia.
Ajudava o fato de sempre gostar de ler tudo, até bula de remédio (embora fosse apenas medianamente hipocondríaco).
Com a Intenert de hoje, teria finalmente encontrado meu paraíso de notícias.
Mas mudei.
Ao longo do tempo fui percebendo a manipulação dos fatos, a busca incessante de novidades sem que as mesmas sejam devidamente esclarecidas, a preferência por notícias ruins que gerem indignação e linchamento midiático/popular sem a devida finalização dos fatos, etc.
Hoje não recomendo que fiquem alienados, mas que busquem infomações complementares, aguardem e tirem as próprias conclusões.
Atualmente prefiro estar acompanhado de um livro do Gabriel Garcia Márquez que de um jornal diário.
E há um complemento assustador a essa breve análise: qualquer um pode ser vítima de um "engano" e virar notícia. Até provar sua inocência - se conseguir - já será tarde demais.
Essas considerações faço a partir de uma nota me repassada por um amigo, dando conta que o dono da antiga Escola Base de São Paulo faleceu de infarto em 16 de abril último. Sua esposa já havia falecido de câncer em 2007. Alguma dúvida que essas mortes prematuras tenham relação com o "linchamento" de que foram vítimas, sendo inocentes?
Posteriormente os injustamente acusados ganharam em primeira instância as ações contra os principais veículos de comunicação.
Os jovens não conhecem a história e muitos não se lembram dela. Foram vidas destruídas pelo tipo de abordagem da imprensa e autoridades da época, há 20 anos.
Existe um livro de Alex Ribeiro sobre o tema.
Reproduzo a nota do falecimento, com breve resumo do caso, do G1:

Morre em São Paulo proprietário da Escola Base
Ex-proprietário morreu em 16 de abril devido a um infarto, diz advogado.
Icushiro Shimada foi erroneamente acusado de abuso sexual em 1994.


"Icushiro Shimada, antigo proprietário da Escola Base, no bairro da Aclimação, na região Central de São Paulo, faleceu no dia 16 de abril, aos 70 anos, em sua casa, após sofrer um infarto. Ele estava com a nora no momento da morte e faleceu antes de receber socorro, afirmou seu advogado, Kalil Rocha Abdalla. Shimada foi acusado equivocadamente de abuso sexual contra  crianças de sua escola em 1994.

Em março de 1994, Shimada, sua esposa, Maria Aparecida Shimada, que faleceu de câncer em 2007, e mais seis pessoas ligadas à escola foram acusadas de abusar sexualmente de crianças no horário de aulas, após a denúncia de duas mães.

À época, o delegado responsável pelo caso, Edelcio Lemos, determinou a prisão de todos antes das investigações chegarem ao fim. A Escola Base teve suas dependências pichadas e os envolvidos sofreram ameaças de morte.

O caso, que ficou conhecido como Escola Base, foi amplamente divulgado pela imprensa na época e, após a troca de delegado, um mês depois do ocorrido, o inquérito foi arquivado por falta de provas. Shimada e sua esposa moveram processos por perdas e danos após o episódio. De acordo com o defensor, Icushiro ainda aguardava o pagamento de indenizações antes de morrer."

Agora reproduzo um artigo do jornalista Luis Nassif, Jornal GGN, publicado em fevereiro deste ano, onde ele repete artigo onde "investiu contra a mídia" em 08 de abril de 1994.

O caso Escola Base, 20 anos depois

19/02/2014
Por Luis Nassif

"Vinte anos depois, os antigos donos da Escola Base conseguem uma indenização mínima, perto dos prejuízos sofridos.

Aqui, o capítulo do livro "O jornalismo dos anos 90" em que trato do tema.

O artigo com que investi contra o linchamento da mídia foi em 8 de abril de 1994."

O caso Escola Base

"O caso “Escola Base” foi herdeira direta da campanha do impeachment contra o ex- presidente Fernando Collor. Depois que a campanha se esgotou, criou-se um vácuo nos leitores. Estavam todos viciados em notícias catárticas, no escatológico, do mesmo modo que viciados em morfina. A cada dia a mídia se obrigava a buscar manchetes e temas que substituíssem o lixo da campanha do impeachment.
Foi nesse contexto que surgiu o episódio da Escola Base.
Como todo brasileiro, particularmente como pai, interessei-me vivamente pelo tema, assim que a imprensa passou a divulgá-lo. No primeiro dia, havia declarações do delegado responsável pelo inquérito sobre supostas orgias com crianças de quatro anos. A imprensa ecoou em coro as acusações. Pouco espaço era dado aos acusados.

Eram eles Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada , donos da Escola Base; Maria Cristina Franca, professora da escola, acusada de abusar sexualmente de uma criança de 4 anos, coleguinha de seu filho na escola; Saulo e Mara da Costa Nunes, perueiros da escola, acusado de abusar das crianças dentro da Kombi; e Maurício Alvarenga e sua mulher Paula Milhin, sócia e professora, acusados de participarem do esquema todo.

Uma das poucas experiências que eu tive com cobertura policial foi no início dos anos 80, no rumoroso episódio da corretora Tieppo. Na época era proibido investir fora do país, especialmente devido à crise cambial brasileira. A corretora montou um esquema de captação de recursos para aplicar nos novos mercados de derivativos que surgiam.

Apostou mal, perdeu dinheiro e explodiu o escândalo.

Todos os jornais cercaram os delegados incumbidos da investigação, entre eles Romeu Tuma. Havia ampla disputa na cobertura, todos os jornais tratando de incensar os delegados, para obter informações. Todos bebendo da mesma fonte.

Como chefe de reportagem de Economia do “Jornal da Tarde”, orientei os repórteres a buscarem outras fontes. Em pouco tempo descobrimos uma versão totalmente diferente daquela apregoada pela mídia. O caso era tocado por dois delegados do DOPS, um deles o futuro senador Romeu Tuma.

A imprensa inteira estava atrás do caixa dois da corretora, que revelaria o nome dos investidores que aplicaram no exterior. Um dia Tuma convocou os jornalistas para informar que o caixa dois havia sido descoberto em um pequeno sobrado do bairro do Ipiranga.

Corremos por fora. O repórter Celso Horta foi incumbido de conversar com as telefonistas da corretora. Com elas levantou a informação de que as ligações para clientes especiais tinha umas frases em código, para evitar grampos. E nenhum dos nomes apurados constava da lista do Tuma.

Outro repórter foi despachado para o sobrado do Ipiranga com fotos de Tieppo e Tuma.

Localizou testemunhas que afirmaram que ambos se encontraram várias vezes por ano, uma semana antes do anúncio oficial da descoberta do caixa dois. Com essas informações convidamos o advogado de Tieppo para uma entrevista no “JT”, onde, apertado por todos os lados, confirmou o acordo entre Tieppo e Tuma para jogar planos quentes na investigação.

O episódio me deu a certeza de que, a exemplo dos repórteres, delegados e promotores tendem a supervalorizar os casos dos quais se incumbem, obrigando a um cuidado redobrado na análise de suas informações.

No caso Escola Base, o delegado aparecia falando muito, expondo vastas certezas, e não apresentava fatos objetivos. Limitava-se a mencionar testemunho de meninos de quatro anos. Nas poucas vezes em que foi ouvido, o proprietário da escola revelava genuína indignação.

No terceiro ou quarto dia de cobertura, sugeri à chefia de reportagem da TV Bandeirantes que ousasse o caminho oposto: apostar na inocência dos proprietários da escola. Mas o clima, por demais candente, desestimulava qualquer movimento na direção contrária.

No dia seguinte foi anunciada a prisão de três casais da Escola Base. Naquele dia, decidi entrar no assunto. Fazia um comentário diário no “Jornal da Noite”, e avisei o editor que falaria sobre o caso.
Para minha surpresa, o editor me informou que o advogado dos acusados tinha entrado em contato com a repórter da Bandeirantes –a emissora menos radical na cobertura— e informado que dispunha de um laudo sobre o caso, segundo o qual havia dilatamento de um por um no ânus do menino. Significava que, se houve penetração, não foi de adulto; mas o mais provável é que tivesse sido uma assadura. Em vão o advogado tentava convencer os jornalistas a divulgar o laudo.

Naquela noite fiz um comentário no Jornal da Noite, posteriormente transcrito pelo jornalista Alex Ribeiro no livro “Escola Base – Os Abusos da Imprensa”: “Bom, hoje eu não vou falar de economia, vou falar de um assunto que me deixa doente. Toda a imprensa está há uma semana denunciando donos de escola que presumivelmente teriam cometido abuso sexual contra crianças de quatro anos. Toda a cobertura se funda
em opinião da polícia. Está havendo um massacre. Mais que isso, está havendo um linchamento. Se eles foram culpados, não é mais que merecido. E se não forem? Uma leitura exaustiva de todos os jornais mostra o seguinte: não há até agora nenhuma prova conclusiva de que a criança foi violentada por adulto
. Não há nenhuma prova conclusiva contra as pessoas que estão sendo acusadas. Tem-se apenas a opinião de policiais que ganharam notoriedade com denúncias e, se eventualmente de descobrir que as denúncias são falsas, vão ter muita dificuldade de admitir. Por isso, a melhor fonte não é a polícia, neste momento. A imprensa deve às pessoas que estão sendo massacradas, no mínimo, um direito de defesa, de procurar versões fora da polícia. Repito: é possível que as pessoas sejam culpadas. Mas é possível que sejam inocentes. E se forem inocentes?

Na manhã seguinte, aumentei o tom das críticas no programa da rádio Bandeirantes, no qual participava ao lado de Salmoão Esper e José Paulo de Andrade. Naquele dia, escrevi a coluna na “Folha” sobre o episódio, que saiu publicada no dia posterior. Foi a primeira manifestação denunciando os erros de cobertura.
O massacre do japonês da Aclimação se dava no mesmo momento em que um banqueiro de atividade polêmica se firmava na mídia, particularmente nas colunas sociais, como o novo grande mecenas da cidade. Sua incensação serviu de contraponto ao massacre da Escola Base.

8/04/1994 O japonês da Aclimação e o Mecenas

O japonês da Aclimação vai ajudar a brava sociedade brasileira a purgar seus erros e permissividades. Desconfiou-se que em sua escolinha donos, professores e pais de aluno praticavam abusos sexuais contra pequenos alunos de 4 anos de idade. Um roteiro paraMarques de Sade nenhum botar defeito.

Não há nenhuma prova conclusiva para as acusações. Não há sequer laudos que comprovem definitivamente a prática de abusos sexuais. Um exame comprovou dilatamento de um por um no ânus de uma das crianças. Pode ser vestígio de penetração, seguramente não por parte de um adulto. Pode ser fruto de uma assadura. Depois disso, há apenas informações arrancadas de crianças de 4 anos por pais desesperados.

Há o quadro já conhecido de policiais que se deslumbram com episódios que podem lhe render popularidade, e de cobertura jornalística burocrática que se vale exclusivamente da versão oficial.

Mas pode haver algo de maior impacto, para policiais e jornalistas, do que a suposição de crianças de 4 anos—que poderiam ser filhos dos próprios leitores—sendo utilizadas em sessões de filmes pornográficos?

Não há nenhuma foto, nenhum filme que comprove a versão, mas o que importa? Como tem-se 50% de possibilidade do japonês da Aclimação ser culpado, está-se cometendo apenas 50% de injustiça.

E toca-se a linchar o japonês e os pais de outros alunos de 4 anos, valendo-se dessa grande prerrogativa de sentir-se fortalecido na companhia da unanimidade, para melhor poder exercitar o supremo gozo de participar de um linchamento, sem riscos e sem remorsos—uma espécie de realidade virtual da Disneyworld com vidas alheias, em que se vive a sensação de perigo, sem correr riscos.

Pouco importa se o resultado final dessa investigação vier eventualmente a comprovar a inocência dos acusados. Se errar, terão o álibi de estar errando em ampla companhia.
 
Lei e ética
O combate à corrupção não se faz em cima de leis, mas de princípios éticos desenvolvidos pela sociedade como um todo. O primeiro círculo a coibir pr ticas erradas é a família. O segundo, o círculo social. Se houver conivência com desvios, não há aparato legal que resolva.

Em São Paulo, um banqueiro foi acusado de integrar o esquema PC Farias junto a fundos de pensão e ao sistema Telebrás. Um grande empresário carioca, homem de vida pública conhecida, e de boa reputação, acusou-o frontalmente de ter exigido propinas para liberar uma licitação. Outro empresário, do setor de telecomunicações, acusou-o de tê-lo procurado em nome do próprio PC Farias.

Nenhuma medida foi tomada pelo Ministério Público Federal para apurar os fatos. Fosse apenas um empresário paulista, o banqueiro provavelmente teria sua vida investigada. Mas é também genro de um senador da República.

A brava elite paulista transformou-o em seu mecenas particular, sem se preocupar sequer em cobrar-lhe explicações cabais para as acusações. Ele é personagem ativo das colunas sociais, sua casa é freqüentada por personalidades conhecidas da vida intelectual e empresarial, suas festas elogiadíssimas, assim como suas virtudes de enólogo. Tem dinheiro e é grande amante das artes. Um grande praça, sem dúvida.

Não se assuma a presunção da culpa. Pode ser que seja inocente. Pode ser que seja culpado. O fato é que em nenhum momento as suspeitas provocaram sequer o constrangimento, que é o sinal mais tênue de existência de princípios éticos regendo relações sociais.

Mas pouco importa. O poderoso japonês da Aclimação (o da Escola Base) está aí mesmo, para mostrar que com a sociedade brasileira não se brinca."

Um comentário:

Anônimo disse...

UM RETRATO DE COMO TRABALHA A IMPRENSA NESSES CASOS SENSACIONALISTAS. TERRÍVEL.