Há algumas semanas postei um conto do escritor cubano Fabio Hernandez.
Algumas pessoas gostaram e pediram para repetir a dose (mesmo que homeopaticamente).
Ocorre que não podemos aqui ficar copiando e colando textos de uma única pessoa, afinal ele tem seu próprio blog que nós já havíamos recomendado, bem como seu livro "Confissões de um homem sincero".
No entanto, atendendo aos pedidos e mudando o foco, selecionei três textos dele. São espécies de crônicas ou artigos e não contos.
Se quiserem mais, não deixem de clicar no link!
O amor é ingrato como o rei que matou o homem que o salvara da morte
"Meu tio Fabio, um homem sábio do interior, um dia me entregou um livro do Plutarco. Confesso que tremi diante da idéia de enfrentar, na inexpugnável solidão da leitura, as páginas com certeza brilhantes mas inevitavelmente árduas do grego. Mas, prático que é, e conhecedor das limitações de seu sobrinho como leitor, tio Fabio me avisou que desejava que eu lesse somente um trecho marcado numa determinada página.
Ali se contava a história de um soldado que salvara a vida de um rei numa batalha. Um sábio imediatamente aconselhou o soldado a fugir. O soldado preferiu ficar, na esperança de ser recompensado pelo rei que salvara. Acabou morto. E logo. Quando terminei de ler essa história, imediatamente me lembrei de outro trecho de livro que tio Fabio me passara. Platão – tio Fábio sempre bebeu na sabedoria grega – contava que Sócrates disse mais ou menos o seguinte aos homens que o condenaram a tomar cicuta: que bem fiz eu a vocês para que me tratem assim?
As duas histórias tratam do mesmo tema: a ingratidão. E francamente: não sei por que iniciei minha coluna com a dupla história grega de ingratidão humana. Ou melhor. Sei sim. É que eu queria fazer uma conexão entre aqueles episódios e a vida amorosa. O fato cruel e inescapável é o seguinte: o amor é ingrato. O amor tem uma série de virtude: ele ilumina, ele embeleza a vida, ele torna divertido um congestionamento. Mas ele é ingrato como o rei que matou o soldado que o salvara e os atenienses que fizeram Sócrates beber cicuta.
Um amigo meu, Roni, outro dia veio desabafar comigo. Ele acabara de romper com a namorada, uma loira de fazer bispo chutar o poste, e ela além de gritar-lhe insultos arrebentou a pontapés a porta de seu carro. Roni é essencialmente um ingênuo do amor, um otimista das relações sentimentais. Ela sinceramente achava que, por fatos como ter arrumado um bom emprego para a namorada e num período de depressão ter-lhe até financiado um terapeuta de 120 reais a hora, receberia de volta alguma gratidão, e não uma porta de carro arrebentada a golpes de salto alto.
Tive vontade de apresentar Roni a tio Fabio e pedir a ele (meu tio) que falasse um pouco a meu amigo sobre a gratidão humana. Tive vontade de falar um pouco do soldado e de Sócrates, do rei assassino e da cicuta. Mas apenas balancei a cabeça numa muda expressão de solidariedade a meu amigo ferido na alma e no carro. Roni, refleti, passará a vida inteira atrás de uma ilusão, de uma fantasia tão irreal quanto a espada de Arthur: a gratidão amorosa. O que você possa ter feito de bom a alguém numa relação amorosa não conta no final. O que vale são apenas os crimes, geralmente imaginários, que você cometeu. Não conheço caso de amor que termine com uma declaração sincera de agradecimento pelos serviços prestados.
Roni me contou, em sua estupefação tola, que até em relação ao sexo ouviu palavras que quase o reduzem a um eunuco da corte de Ramsés. “E ela vivia me agradecendo por tê-la ensinado a ter orgasmo com penetração”, me repetia ele. “No final me disse que eu não tinha nenhuma imaginação quanto a sexo. Que eu era um idiota sexual.” O meu ponto é o seguinte: faça sempre tudo que puder por sua namorada, mulher, amante. Tudo. Agrade-a de todas as maneiras possíveis. Flores, beijos, bom sexo, atenção. Dê tudo. Mas jamais cometa o erro fatal do soldado. Não faça nada esperando gratidão. O amor é ingrato como o rei que matou o homem que o salvara da morte."
Publicado no DCM
"Veja se você, mulher leitora, se enquadra no ideal masculino de perfeição feminina.
A Perfeita — abreviemos — faz as seguintes coisas.
1) Prefere ouvir a falar. Entende que, se a natureza lhe deu uma boca e dois ouvidos, não foi à toa.
2) Gosta mais de ação do que de discussões sobre o relacionamento. Até porque, se o relacionamento está ruim, é provavelmente por falta de ação.
3) Não recusa sexo mesmo que esteja de verdade com dor de cabeça. Recusas femininas matam qualquer relacionamento.
4) Está sempre bonita e cheirosa para o amado.
5) Não fuça o gmail, o Facebook e o Twitter dele. Jamais. É invasão de privacidade.
6) Faz coro quando seu amado canta, mesmo que seja desafinada. Linda McCartney fazia isso para o marido, e o manteve a seu lado até a morte.
7) Não disputa a razão com seu homem. Não tenta parecer melhor ou mais inteligente que ele, mesmo que seja. Nestes casos, delicadamente finge ser mais tola do que na verdade é.
8 ) Respeita o cansaço do guerreiro quando ele prefere simplesmente dormir a praticar sexo. Caso esteja muito excitada, pode sempre usar as próprias mãos, pelas quais não paga nada.
9) Entende que as preliminares devem ser satisfatórias para ambas as partes, e não só para ela.
10) Não olha para homem nenhum lascivamente, mas compreende que em certas situações o amado não cometerá pecado se — discretamente — admirar uma mulher atraente que entre no bar ou no restaurante. Porque na verdade toda a raça feminirá estará sendo homenageada naquele olhar clínico e fugaz, incluída a própria mulher amada.
Existem outros pontos. Mas eles tornariam a mulher mais que perfeita, o que é desnecessário. Basta se aplicar no decálogo acima."
Publicado em Confissões de um homem sincero
O decálogo do homem fino
"Você é um homem fino?
Moralmente, quero dizer.
É fácil testar. Veja como você se enquadra nos dez tópicos abaixo. Tirei-os de um homem de letras da Inglaterra do século XVIII, Lorde Chesterfield. São parte das recomendações que, em cartas, ele fazia a seu filho.
1) Acima de tudo, evite falar de si mesmo.
2) É melhor recusar um favor com classe do que garanti-lo vergonhosamente.
3) Olhos e ouvidos abertos, e boca quase sempre fechada.
4) Piadas ruins e risada alta fazem você parecer um bufão.
5) Nunca pareça mais sábio e mais inteligente do que as pessoas que estão a ser redor.
6) Não admire nada exageradamente.
7) Faça apenas uma coisa por vez.
8 ) A paciência é o único meio de fazer que as coisas ruins não piorem.
9) Seja sério, mas não enfadanho.
10) Fale com frequência, mas jamais longamente."
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