Provavelmente tomando como base as badernas com destruição do patrimônio público e privado dos últimos meses em diversas cidades brasileiras, realizados em sua maioria por jovens mascarados, Boff faz uma análise da importância da figura do pai como exemplo de vida para os filhos e filhas e como indutor de limites e preparação para a vida adulta.
Mudanças na configuração familiar e pessoal das últimas décadas podem ser um dos responsáveis por jovens sem limites e totalmente despreparados para enfrentar a vida em sociedade, seja em casa, como também na escola e posteriormente no trabalho.
A regeneração da figura do pai e a violência na sociedade
"É
notória a crise da figura do pai na sociedade contemporânea. Por função
parental, ele é o principal criador do limite para os filhos e filhas.
Seu eclipse provocou um crescimento de violência entre os jovens nas
escolas e na sociedade, que é exatamente a não consideração dos limites.
O
enfraquecimento da figura do pai, desestabilizou a família. Os
divórcios aumentaram de tal forma que surgiu uma verdadeira sociedade de
famílias de divorciados. Não ocorreu apenas o eclipse do pai mas também
a morte social do pai.
A ausência do pai é, por todos os títulos, inaceitável.
Ela desestrutura os filhos/filhas, tira o rumo da vida, debilita a
vontade de assumir um projeto e ganhar autonomamente a própria vida.
Faz-se urgente um re-engendramento, sobre outras bases, da figura do pai. Para isso antes de mais nada é de fundamental importância, fazer a distinção entre os modelos de pai e o princípio antropológico do pai. Esta distinção,
descurada em tantos debates, até científicos, nos ajuda a evitar
mal-entendidos e a resgatar o valor inalienável e permanente da figura
do pai.
A tradição psicanalítica deixou claro que o pai é
responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade
mãe-filho/filha e a introdução do filho/filha num outro continente, o
transpessoal, dos irmãos/irmãs, dos avós, dos parentes e de outros da
sociedade.
Na ordem transpessoal
e social, vige a ordem, a disciplina, o direito, o dever, a autoridade e
os limites que devem valer entre um grupo e outro. Aqui as pessoas
trabalham, se conflituam e realizam projetos de vida Em razão disso, os
filhos/filhas devem mostrar segurança, ter coragem e disposição de fazer
sacrifícios, seja para superar dificuldades, seja para alcançar algum
objetivo.
Ora,
o pai é o arquétipo e a personificação simbólica destas atitudes. É a
ponte para o mundo transpessoal e social. A criança ou o jovem ao entrar
nesse novo mundo, devem poder orientar-se por alguém. Se lhes faltar
essa referência, se sentem inseguros, perdidos e sem capacidade de
iniciativa.
É neste momento que se instaura um processo de fundamental importância para a jovem psiqué com
consequências para toda vida: o reconhecimento da autoridade e a
aceitação do limite que se adquire através da figura do pai.
A
criança vem da experiência da mãe, do aconchego, da satisfação dos seus
desejos, do calor da intimidade onde tudo é seguro, numa espécie de
paraíso original. Agora, tem que aprender algo de novo: que este novo
mundo não prolonga simplesmente a mãe; nele, há conflitos e limites. É o
pai que introduz a criança no reconhecimento desta dimensão. Com sua
vida e exemplo, o pai surge como portador de autoridade, capaz de impor
limites e de estabelecer deveres.
É
singularidade do pai ensinar ao filho/filha o significado destes
limites e o valor da autoridade, sem os quais eles não ingressam na
sociedade sem traumas. Nesta fase, o filho/filha se
destacam da mãe, até não querendo mais lhe obedecer e se aproximam do
pai: pede para ser amado por ele e esperam dele orientações para a vida. É tarefa do pai explicar ajudar a superar a tensão com a mãe e recuperar a harmonia com ela.
Operar esta verdadeira pedagogia é desconfortável. Mas se o pai concreto não a assumir está prejudicando pesadamente seu filho/filha, talvez de forma permanente.
O
que ocorre quando o pai está ausente na família ou há uma família
apenas materna? Os filhos parecem mutilados, pois se mostram inseguros e
se sentem incapazes de definir um projeto de vida. Têm enorme
dificuldade de aceitar o princípio de autoridade e a existência de
limites.
Uma
coisa é este princípio antropológico do pai, uma estrutura permanente,
fundamental no processo de individuação de cada pessoa. Esta função
personalizadora não está condenada a desaparecer. Ela continua e
continuará a ser internalizada pelos filhos e filhas, pela vida afora,
como uma matriz na formação sadia da personalidade. Eles a reclamam.
Outra
coisa são os modelos histórico-sociais que dão corpo ao princípio
antropológico do pai. Eles são sempre cambiantes, diversos nos tempos
históricos e nas diferentes culturas. Eles passam.
Uma coisa, por exemplo, é
a forma do pai patriarcal do mundo rural com fortes traços machistas.
Outra coisa ainda é o pai da cultura urbana e burguesa que se comporta
mais como amigo que como pai e aí se dispensa de impor limites.
Todo
este processo não é linear. É tenso e objetivamente difícil mas
imprescindível. O pai e a mãe devem se coordenar, cada um na sua missão
singular, para agirem corretamente. Devem saber que pode haver avanços e
retrocessos; estes pertencem à condição humana concreta e são normais.
Importa
também reconhecer que, por todas as partes, surgem figuras concretas de
pais que com sucesso enfrentam as crises, vivem com dignidade,
trabalham, cumprem seus deveres, mostram responsabilidade e determinação
e desta forma cumprem a função arquetípica e simbólica para com os
filhos/filhas. É uma função indispensável para que eles amadureçam e
ingressem na vida sem traumas até que se façam eles mesmos pais e mães de si mesmos. É a maturidade."
Fonte: leonardoboff.wordpress.com
Um comentário:
Leonardo Boff,como sempre,muito inteligente em seus artigos! o que nos remete a uma pura e por vezes cruel realidade!!
Postar um comentário