12 de outubro de 2013

Literatura: trecho de conto de Alice Munro, ganhadora do Nobel 2013


Somente um dúzia de mulheres havia ganho o Prêmio Nobel de Literatura. A escritora canadense Alice Munro é a 13ª. Ela acha esse pequeno número uma lástima.

Um fato recente sobre ela, ainda pouco lida por essas bandas: "Aos 82 anos, a autora anunciou recentemente em entrevista ao jornal "The New York Times" que decidiu parar de escrever para poder se dedicar à família e ter uma rotina "normal". Após uma operação no coração e um tratamento de câncer, em 2009, ela disse que "pareceu natural fazer aquilo que outras pessoas de 80 anos de idade fazem". E acrescentou, com bom humor. "Só preciso que alguém me conte o que é que eles fazem"."

A seguir reproduzimos pequeno trecho do conto-título do seu livro "O Amor de uma Boa Mulher", editado no Brasil pela Companhia das Letras.

O amor de uma boa mulher
(...) Havia um brilho azul-claro na água que não era um reflexo do céu. Um carro inteiro estava dentro do rio, as rodas dianteiras e o capô enfiados na lama do fundo enquanto a curva do porta-malas quase despontava acima da superfície. Naquele tempo, azul-claro era uma cor pouco comum nos carros, e seu formato bojudo também era raro. Souberam imediatamente: o carrinho inglês, o Austin, sem dúvida o único daquela marca em todo o condado. Pertencia ao sr. Willens, o optometrista. Ele parecia uma caricatura quando o dirigia porque era baixo e gorducho, com ombros maciços e cabeça grande. Dava sempre a impressão de estar prensado dentro do pequeno carro, como se vestisse roupas
prestes a estourar de tão apertadas.
O carro tinha um painel no teto que o sr. Willens abria em dias mais quentes. Estava aberto agora. Não podiam ver muito bem o que havia dentro. A cor do carro tornava nítida sua forma, mas a água não era realmente muito clara e obscurecia o que não fosse mais brilhante. Os garotos se acocoraram na margem e depois se deitaram de barriga para baixo, esticando as cabeças como tartarugas para enxergar melhor. Algo escuro e peludo, parecido com uma grande cauda de um animal, se projetava para fora do buraco no teto e oscilava preguiçosamente na água. Viram logo que se tratava de um braço, coberto pela manga do paletó feito com um tecido pesado e lanoso. Aparentemente, um corpo dentro do carro — tinha de ser o sr. Willens — havia ficado numa posição estranha. A força da água — pois até mesmo no açude do moinho havia uma correnteza naquela época do ano — devia
tê-lo erguido do assento e jogado de um lado para o outro, de modo que um ombro apontava para o teto do carro e um braço estava livre. A cabeça devia ter sido empurrada contra a porta e a janela do motorista. Uma das rodas dianteiras penetrara mais profundamente que a outra no leito do rio, dando ao carro uma inclinação lateral além daquela ao longo do eixo. Na verdade, o vidro devia estar abaixado e a cabeça arremessada para fora de modo a que o corpo se encontrasse naquela posição. Mas isso eles não podiam ver. (...)
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