Houve um tempo em que eu desejava ser jornalista.
Até me inscrevi em um vestibular mas acabei não fazendo.
Bem, eu publiquei um jornal (independente) especializado em música durante cinco anos. Era uma espécie de fanzine mas com formato profissional. Acho que foi o suficiente para atender a minha possível frustração. Além de adorar escrever sobre música, é claro.
Normalmente aqui no blog detonamos a mídia tendenciosa, feita por jornalistas, óbvio. Mas não são eles os vilões. São os que comandam a comunicação neste em muitos outros países.
Pois acabo de ler uma matéria interessante, surpreendente e preocupante sobre o exercício da profissão na atualidade.
Não posso afirmar até que ponto do que é dito se aplica às situações de cada um, mas lendo isso dou graças por não ter seguido por esse caminho.
A questão é: o que pode e deve ser feito em benefício dos profissionais?
Clima de horror nas redações
Por Luciano Martins Costa
"Tem grande repercussão nas redes sociais a reportagem publicada na segunda-feira (11/3) pelo Portal Imprensa (ver aqui)
sobre o aumento dos casos de depressão, infidelidade conjugal e uso
abusivo de drogas e álcool entre profissionais de jornalismo. O estudo
foi realizado pelo doutor em Psicologia José Roberto Heloani, da
Unicamp, cobrindo um período de dez anos.
Por Luciano Martins Costa
Segundo o pesquisador, na última década os jornalistas brasileiros se
tornaram mais sujeitos a pressão por causa de circunstâncias de
trabalho, tornando-se mais vulneráveis a assédio moral e sexual, além de
outras condições capazes de produzir desequilíbrio emocional e doenças
mentais. No período mais recente de seu estudo, Heloani trabalhou com
uma amostragem de 250 jornalistas, analisando aspectos de suas vidas
como saúde mental, identidade e subjetividade e resiliência a situações
estressantes. Ele encontrou um grande número de profissionais
trabalhando em estados de pré-exaustão ou exaustão na maioria das
redações.
A concentração da propriedade dos meios de comunicação, que torna
crucial a aceitação de um jornalista no restrito e concorrido mercado da
imprensa, o transforma em um indivíduo passivo diante de
circunstâncias indignas de trabalho. “No Brasil, há seis grandes grupos
de comunicação. Você precisa ter muita coragem para fazer uma denúncia
formal de assédio se quiser permanecer no mercado. A pessoa pode até
pensar em mudar de área, ir para assessoria ou área acadêmica, mas
nenhuma alternativa é fácil”, resume o pesquisador.
O uso de drogas aumentou cerca de 25% no período estudado, como uma das
consequências das condições opressivas de trabalho. Em função das
longas e extenuantes jornadas, muitos dos entrevistados também relatam
dificuldades de relacionamento, insegurança e medo de tomar decisões.
Essa realidade, confrontada com a imagem idealizada da profissão, produz
uma sensação geral de vulnerabilidade e frustração, que levam aos
casos de depressão."
Leiam (e ouçam) o restante no Observatório da Impressa
Um comentário:
Do assédio ao crime
Coautor do livro "Assédio moral no trabalho" (Ed. Cengage), com Maria Ester de Freitas e Margarida Silveira Barreto, Heloani tem grande experiência no estudo de processos de expropriação da dignidade no ambiente de trabalho.
Um de seus ensaios, publicado em 2004 (ver http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-56482004000100013), relata o processo em que, submetido a constante assédio moral e depreciação, o trabalhador acaba por emular a personalidade que lhe é atribuída, com a consequente redução de sua autoestima e de suas ambições profissionais e pessoais.
Essa foi a circunstância encontrada por ele no acompanhamento de três grupos diferentes de jornalistas, o primeiro formado em 2003 por profissionais atuando no eixo Rio-São Paulo.
Heloani considera que o fato de os profissionais de imprensa terem que enfrentar, progressivamente, mais desafios e complexidades, por exemplo, com a exigência de desenvolver habilidades multifocais, agrava a situação.
No primeiro grupo estudado, ele não encontrou tantos casos de estresse patológico grave, mas nos grupos acompanhados mais recentemente, sua pesquisa revelou a presença de profissionais debilitados, extenuados, muitos recorrendo a drogas lícitas e ilícitas para suportar o ritmo de trabalho.
Interessante observar que, tendo sido publicada na última segunda-feira, a pesquisa não despertou interesse nos grandes grupos de comunicação, justamente os lugares que concentram o problema.
Há vinte anos ou mais, essas empresas tinham comissões internas de qualidade no trabalho, com programas de prevenção que protegiam os jornalistas dos riscos mais comuns da profissão.
Com o fim da exigência do diploma específico para o exercício do jornalismo e o desmanche das atividades sindicais, as redações ficaram submetidas ao arbítrio de editores e diretores nem sempre habilitados para a gestão de pessoas.
Os casos de assédio se multiplicam mas não são relatados publicamente, porque as vítimas têm medo de perder o emprego e entrar numa lista negra dos grandes jornais.
O mais grave deles se transformou em escândalo com o assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo ex-diretor de redação do Estado de S. Paulo.
O episódio sangrento, que evoluiu do assédio ao homicídio, é minuciosamente investigado no livro "Pimenta Neves - uma reportagem" (ed. Scortecci), de autoria de Luiz Octávio Lima, lançado na semana passada em São Paulo.
O estudo de José Roberto Heloani mostra que esse crime covarde não ensinou nada às redações.
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