24 de agosto de 2014

60 anos depois: Getúlio Vargas e o Brasil de hoje


A 60 anos daquele 24 de agosto
Cumprem-se seis décadas da morte de Getúlio Vargas com uma surpreendente vigência dos princípios que nortearam o movimento que ele liderou e que representou a virada mais importante da história
Por Emir Sade
"Chegando no Grupo Escolar, disseram que não havia aula: o Getúlio tinha morrido. Mas só quando ouvimos a carta-testamento pelo radio é que fomos nos dando conta que aquela morte tinha uma transcendência que não conseguimos apreender.

O tradicional anti-getulismo paulista nos mergulhava no clima opositor, em que até o PCB estava metido. Almino Afonso conta que foi ao Largo São Francisco para participar da manifestação que denunciava o Getúlio e, quando apareceu, a primeira fila era composta pelas madames da grande burguesia paulista. Ele se perguntou onde é que a esquerda da época tinha se metido!

Assim que souberam da noticia do suicídio do Getúlio, os trabalhadores do Rio saíram às ruas, atacando a sede dos jornais que – todos menos a Última Hora – estavam na onda opositora e golpista, inclusive o jornal do PCB, que não foi poupado pelos manifestantes.

Com aquele gesto Getúlio brecava o movimento golpista que tinha nascido em 1932, ganhado forma militar e doutrinária com a fundação da Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, adotando a Doutrina de Segurança Nacional. Eram os mesmos líderes e o mesmo movimento que Getúlio conseguiu adiar por 10 anos.

Aquela primeira década permitiu ao país manter sua recém-conquistada democracia, dar continuidade ao processo de industrialização e viver anos de grandes mobilizações sociais, avanços na organização popular – que, pela primeira vez, chegava ao campo – e fortalecer o campo popular no plano politico.

Mas não foi suficiente para impedir o golpe militar, apesar de ele ter sido impedido uma segunda vez, depois da renuncia de Jânio Quadros, em 1961, quando João Goulart conseguiu assumir a presidência, primeiro no parlamentarismo, depois recuperando todos os seus poderes presidenciais, mediante um plebiscito.

O golpe veio para ficar. Durante mais de duas décadas o Brasil viveu sob a mais feroz ditadura que havia conhecido, com o mando politico exercido diretamente pelas Forças Armadas. Consumava-se o projeto da Escola Superior de Guerra e sua Doutrina de Segurança Nacional, típica da era da guerra fria.

Mas, mesmo depois do retorno à democracia, o Estado getulista, com muitas transformações, demonstrava sua capacidade de sobrevivência. Não foi por outra causa que Fernando Henrique Cardoso, retomando o projeto interrompido de Fernando Collor, proclamou que ia “virar a página do getulismo no Brasil”, revelando como o neoliberalismo era incompatível com os princípios do Estado getulista: regulação estatal e promoção dos direitos sociais, entre outros. Foi uma década eminentemente anti-getulista a protagonizada pelos governos Collor-Itamar Franco-FHC.

Foi quase 50 anos depois da sua morte, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, que os princípios do getulismo demonstraram sua vigência. Lula resgatou a centralidade das politicas sociais e sua extensão para as camadas mais pobres da população; recuperou o caráter ativo e central do Estado; desenvolveu uma politica externa soberana. Cumprem-se os 60 anos da morte do Getúlio com uma surpreendente vigência dos princípios que nortearam o movimento que ele liderou, em 1930, e que representou a virada mais importante da história brasileira."

Fonte: Rede Brasil Atual

2 comentários:

Anônimo disse...

VARGAS SUICIDADO (1)

Em 24 de agosto de 1954, um tiro disparado contra o peito do presidente Getúlio Vargas tiraria sua vida e incendiaria o país.

Vargas havia se suicidado.

Sua CartaTestamento lançava sobre os adversários a culpa pelo lance fatídico e de espetacular dramaticidade.

"Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida" — dizia a Carta.

A mensagem foi lida em voz alta no Palácio do Catete e, depois, em todos os cantos do país. Publicada nos jornais e narrada pelo rádio, martelava a cabeça dos brasileiros com a acusação de que um crime havia sido cometido.

Vargas se colocava como vítima de um crime contra o País.

Um crime que jamais deveria ser esquecido. Por isso, na Carta, as palavras de quem se julgava "no caminho da eternidade", saindo da vida "para entrar na História”.

Até hoje, o suicídio traz uma certeza incontestável. Ele representou, se não a única, pelo menos a mais poderosa arma de Vargas contra aqueles que o haviam cercado e queriam sua cabeça.

O presidente tomou a decisão de puxar o gatilho assim que recebeu sinais claros de que seria derrubado.

As Forças Armadas estavam completamente amotinadas. A Força Aérea, a mais agressiva contra Vargas, finalmente convencera o Exército a depor o presidente. Os ministros militares já haviam assumido o papel de carcereiros contra o chefe de Estado.

Com o suicídio, a oposição teve que esconder-se para não apanhar do povo nas ruas.

A morte de Vargas seria decisiva para projetar o trabalhismo, o PTB e a liderança de João Goulart.

O golpismo teria que aguardar mais uma década para uma nova tentativa — dessa vez, exitosa.

Tratado como criminoso, Vargas temia ser preso

Mesmo os melhores biógrafos de Vargas prestam pouca atenção para um aspecto fundamental desse suicídio.

Existe uma grande distância entre uma pretensão — derrotar os adversários — e a atitude de cometer o suicídio.

Vargas já havia sido deposto quase uma década antes, em 1945. Certamente, também em 1945 ele gostaria de derrotar seus adversários, mas nem por isso tirou a própria vida naquele momento.

A diferença entre os dois episódios é dada pelo contexto histórico da crise de 1954, diante da qual Vargas vislumbrou um desfecho ainda mais dramático que a deposição e mais tétrico que a morte.

Vargas temia que o tratamento que recebia — de criminoso, de chefe de uma quadrilha, de responsável por um mar de lama — o levasse ao constrangimento do julgamento e mesmo à prisão, assim como ao encarceramento de alguns de seus familiares, como o irmão, Lutero Vargas, acusado — de modo infundado — de ser o mandante do atentado na Rua Toneleros, no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1954.

Anônimo disse...

VARGAS SUICIDADO (2)

Como se sabe, membros da guarda pessoal, sem o conhecimento do presidente, arquitetaram eliminar o arquirrival de Vargas, Carlos Lacerda — "O Corvo", a metralhadora giratória que desferia os golpes mais raivosos contra o governo.

Tentar assassinar Lacerda era, certamente, uma atitude primária, uma solução criminosa desprovida de qualquer tino político — algo que nunca combinaria com a astúcia de Vargas.

O atentado foi frustrado. Lacerda saiu vivo da Rua Toneleros. O pistoleiro acabou matando um major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz.

O tiro no pé de Lacerda acabaria por atingir o peito de Vargas.

Lacerda tornou-se vítima e símbolo maior da oposição ao governo.

A Aeronáutica sentiu-se agredida diretamente e mobilizou-se para vingar a morte do major a todo custo. Em pouco tempo, os nomes dos membros da guarda pessoal, ligados ao atentado, apareceram.

Algo soa familiar?

A opinião pública foi atiçada contra Vargas por uma imprensa que o incriminava com uma simples suspeita: algo como a tentativa de assassinar Lacerda não poderia ter sido feito sem o conhecimento prévio e absoluto do presidente.

Ele deveria ser, sem sombra de dúvida, o chefe de quadrilha, o cabeça do bando de corruptos que estava levando a República a afundar em um mar de lama.

Afinal, tudo o que acontece no Palácio é do conhecimento, da responsabilidade e da má fé do presidente da República.

Algo soa familiar?

Para derrubar um presidente, basta uma forte suspeita, uma firme disposição da oposição em fabricar acusações e um enredo incriminatório vendido como notícia.

O afastamento de Vargas era defendido pela UDN como uma medida de caráter "jurídico", nas palavras do udenista Afonso Arinos.

Vargas sabia que, ao contrário de 1945, não sairia do Palácio do Catete para um novo exílio em São Borja. A fúria contra si e seus familiares pretendia ir mais longe, para trancafiá-los por tempo suficiente para que não pudessem retornar ao poder.

O estigma que nele vestiriam seria o mais pesado possível, de preferência para que sua atividade política fosse sempre associada a práticas criminosas.

De novo, algo soa familiar?

Se não se pode vencê-lo, prenda-o.

O suicídio absolveu o presidente de todas as acusações.

Vargas morreu em 24 de agosto de 1954. O golpismo de seus adversários, não.

Antonio Lassance, cientista político.