Desde o fim do Jornal Metamúsica não escrevo uma longa resenha de algum disco.
Foram cinco anos escrevendo sobre o tema e quando parei foi de vez.
Quase quinze anos depois resolvi que era hora de matar as saudades e resenhar alguma coisa nova.
E aí surgiu a surpresa do novo álbum do Pink Floyd. Grande oportunidade!
Só que os dias iam se passando e nada de eu conseguir tempo para ouvir com calma faixa por faixa e ir registrando as impressões para depois criar o texto final.
Desisti mais uma vez. A sorte é que o amigo Thiago Kerzer escreveu uma excelente resenha no site TMDQA. Pedi autorização a ele e reproduzo aqui.
Thiago evoluiu como músico e cronista desde os tempos em que, bem jovem, aparecia lá em casa para pegar alguns discos e uns exemplares do Metamúsica. Faz tempo isso e acho que ele ultrapassou este velho comentarista. Que bom!
David Gilmour & Nick Mason, os remanescentes |
Ouvir o novo disco do grupo (20 anos depois do trabalho anterior) é uma emoção especial.
Para o antigos fãs chorarem.
Ali está o velho Pink Floyd velho de guerra que acompanho desde sempre, mas está também o som de uma banda marcada pelo tempo de estrada, pela idade e pela tristeza da perda de amigos. Não apenas perda pela morte do homenageado tecladista Richard Wright, mas a presença sempre constante do fundador - genial alucinado - que também já se foi, Syd Barret e do amigo que saiu da banda há décadas e que nunca mais foi tão amigo.
É um disco de relembrar partidas, perdas e finalizações. Despedidas.
Final da carreira do Pink Floyd e reconhecimento das limitações dos remanescentes.
Um álbum quase todo instrumental, calmo em sua maior parte, nostálgico, como mostrando que, apesar de eventualmente o rio da vida apresentar-se seco, ele sempre retorna (o eterno retorno?), nos levando para portos diferentes, em um navegar sem fim. The Endless River.
Resenha: Pink Floyd – The Endless River
Por Thiago Kerzer no Tenho Mais Discos Que Amigos
"O mundo mudou. Desde 1967, quando um grito lisérgico atingiu o meio musical em The Piper Of The Gates Of Dawn com os timbres coloridos de Syd Barrett, até 2014, um mundo sem Richard Wright e sem um devido adeus do Pink Floyd.
The Endless River é a forma mais poética de se dizer adeus. Uma banda que se dilacerou com o tempo, sofreu metamorfoses e moldou a estética visual e musical de várias gerações. O rio sem fim navegado pelo Pink Floyd é um suave adeus, uma brisa que passa etérea, quase como uma miragem sonora. Fazendo referências a basicamente toda a sua carreira de modo sutil, a banda prova que é ela mesma que está ali, mesmo sem a presença de um dos seus mais importantes compositores, Roger Waters, que deixou a banda depois do álbum The Final Cut de 1983.
Nomeado com o penúltimo verso da última música (“High Hopes“) do último álbum lançado até então (The Division Bell de 1994), The Endless River é um álbum inesperado, tendo em vista que depois do falecimento em 2008 de um dos principais membros da banda, o tecladista e pianista Richard Wright, não se esperava que mais nada inédito pudesse ser composto e lançado sob o nome da banda.
Baseado em seções de composição para o álbum anterior, o disco consta com as últimas composições de Wright para o Pink Floyd. A banda se utilizou de partes gravadas pelo tecladista, regravou outras (mantendo suas composições) e fez mais algumas canções. Nas palavras de Nick Mason, esse álbum é um tributo ao próprio Richard W.
Com lançamento programado para o dia 10 de novembro, o novo álbum traz, em sua versão comum, 18 músicas inéditas, em sua maioria, instrumentais.
“Things Left Unsaid” é a faixa que abre o disco. Todas as camadas de teclados e violões gravados com ebow remetem ao new age, até se tornar aos poucos em algo mais voltado para o post rock, quando as guitarras e alguns órgãos emergem.
“It’s What We Do” parece pedir que cantemos “Welcome to the Machine” sobre a sua melodia e timbres (música do álbum Wish You Were Here de 1975). Aqui o Pink Floyd se torna progressivo, transportando o ouvinte para a década de 1970 com os seus sintetizadores e seu clima.
“Ebb and Flow” é uma pequena passagem, uma faixa curta e atmosférica que pontua a primeira viagem do disco (já que as três faixas até aqui tocam ininterruptamente como se fosse apenas uma música).
“Sum” é introduzida por sintetizadores ritmados e desagua em um tema que nos remete ao A Momentary Lapse Of Reason (disco de 1987 onde Wright participa como contratado, já que havia deixado a banda antes de gravar The Final Cut). Aqui a banda soa space rock e as sonoridaes nos conduzem à “Skins“, uma música repleta de viradas de baterias e dissonâncias guitarrísticas. A lembrança das viradas de Nick Mason no vídeo “Live At Pompeii” de 1972 em “Careful With That Axe, Eugene” é imediata.
“Unsung” é mais um momento post-rock do álbum, apenas texturas de guitarra e sintetizadores que nos conduzem para “Anisina“, uma das músicas mais emocionantes de todas elas. Aqui a sequência de acordes tocadas no piano nos remete diretamente a Wright. Gilmour duela em sua slide guitar com o saxofone em meio a vozes de um coral e ninguém precisa de letras para entender o que está sendo dito aqui.
“The Lost Art Of Conversation” é uma música baseada no piano. Um trabalho que une a simplicidade e a beleza e que nos conduz a “On Noodle Street“, onde uma bateria marcada acompanha os improvisos de Gilmour. Mais uma faixa que acaba se tornando um híbrido de rock progressivo e post-rock.
“Night Light” nos transporta para 1994 e nos joga dentro do The Division Bell e tudo o que podemos esperar dessas texturas é que emerja a próxima música, algo como “Keep Talking” do álbum supracitado. E somos surpreendidos por “Allows-Y (1)“. A sensação é realmente uma mistura de The Division Bell com The Wall por conta das levadas de guitarra e bateria.
Imagino o que deveria estar passando na mente deles quando fizeram “Autumn ´68“. Um instrumental de órgão sintetizado temperado com guitarras… uma emocionante introdução para “Allons-Y (2)” onde The Wall, A Momentary Lapse Of Reason e The Division Bell gritam juntos.
“Talkin´Hawkin” é uma faixa extremamente bela. Já esperamos pela “voz” do físico inglês Stephen Hawking declamando frases em meio a solos de guitarra e eis que surge, em meio a um coral o grito de “The Great Gig In The Sky” (do Dark Side Of The Moon de 1973). E a última frase da música, dita por Hawking, é a mesma que fecha a música “Keep Talking” da qual participou em 1994: all we need to do is make sure we keep talking.
“Calling” é uma faixa de várias camadas de sintetizadores, cordas e guitarras banhadas em reverb e no clássico som Fuzz de Gilmour. A música segue como uma trilha sonora até um crescendo que marca a entrada de “Eyes To Pearls“, uma faixa guiada pela stratocaster de Gilmour. Um dedilhado se confunde a tremolos e texturas sonoras. Aqui o Pink Floyd parece realmente uma trilha sonora, uma história musical.
“Surfacing” inicia e você começa a cantarolar sobre o instrumental a letra de “Poles Apart“. Uma clara referência que, assim como em outras partes do álbum, deixa claro que The Endless River é uma reconstituição antes do adeus em um delay com repetição infinita que sempre estará aqui em nosso mundo.
E então nos encontramos com “Louder Than Words” que começa com os mesmos sinos que abrem a fantástica “High Hopes” no The Division Bell.
A única letra do álbum foi escrita pela esposa de David Gilmour, Polly Samson. A música mostra que a voz de Gilmour ainda se mantém ótima com seu timbre inalterado. Há porém uma carga emotiva muito menor nessa música do que em “High Hopes” (a suposta primeira despedida do Pink Floyd). Para quem esperava por algo ímpar, essa pode ser a música que vai soar um pouco abaixo das expectativas. O solo de Gilmour no entanto faz valer a canção e fecha o álbum como uma linda despedida.
Encarar The Endless River como um disco de música pop seria um erro grosseiro, no entanto, é comum esperar da banda, por conta dos seus dois discos anteriores de estúdio, um formato nesse sentido. O último álbum do Pink Floyd foge dos modelos comuns estabelecidos pela música pop (introdução – verso – refrão – verso – refrão – solo – refrão) e resgata a sonoridade do rock progressivo onde a música produzida era coberta por uma luz da música erudita. Somado a esse fato, a banda soa também dentro de um rótulo que talvez tenha ajudado a cunhar: o post-rock.
Totalmente “não indicado” a quem quer ouvir “apenas” Rock And Roll, totalmente indicado para quem quer colocar os fones de ouvido e se perder nos sons."
3 comentários:
Ótimo o vídeo, suas palavras e a resenha do Thiago, Marcos.
É verdade, o novo e último do Floyd leva às lágrimas esses corações cansados e nostálgicos.
Abração a todos o Floydianos!
Faço minha as palavras do Jefferson e o apelo para que um dia retorne com o inesquecível Metamúsica. Já tens um ótimo colaborador: o Thiago!
Valeu pelos comentários, Jefferson e Júnior. Quem sabe um dia o Metamúsica volte. Aí o Thiago nem seria colaborador, teria de ser co-editor!
Abraços musicais!
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