Um dos livros que estou tentando ler ao mesmo tempo com outros dois |
É que temos que optar: ou tentamos ler a interminável fila de obras aguardando na estante ou dedicamos tempo a escrever sobre cada uma delas.
Enfim, sempre a falta de tempo.
No momento, por exemplo, estou terminando o clássico "Cem Anos de Solidão" (Gabriel Garcia Marquez) ao mesmo tempo que encaro o primeiro ("A Guerra dos Tronos") dos cinco livros (na verdade serão sete!) da saga "As Crônicas de Gelo e Fogo" (George R.R. Martin) e a biografia "Inside Out - A Verdadeira História do Pink Floyd" (de Nick Mason, baterista e um dos fundadores da banda).
Já viram que fica difícil, né?
Ontem uma leitora do blog pediu para comentar sobre o livro "A Culpa é das Estrelas" (Editora Intrínseca; já tem o filme também) de John Green. Eu comprei este livro para minha filha há alguns meses. Ela leu mas eu ainda nem folheei. Confesso que nem sabia do que a história tratava. Pensava ser apenas mas um dessas levezas de adolescência. Parece que não.
Como não li, não posso comentar.
A saída foi 'catar' na Internet alguma resenha a respeito, no sentido de atender à leitora. Descobri que é uma obra que aborda um tema de interesse geral, embora não tão agradável.
Vale a pena ler a análise do psicanalista Carlos São Paulo, publicada originalmente na Revista Psiquê, da Editora Escala, edição de outubro/2014.
A transcrição eu consegui no site Acesso Educar.
É preciso viver intensamente
Por Carlos São Paulo
Em A Culpa é das Estrelas, o autor John Green conta a história de Hazel Grace, uma adolescente portadora de doença terminal, que descobre e vivencia um grande amor, dentro do cenário da premente e precoce finitude de sua vida
"Não importa a imensidão do quanto dura uma estrela ou a vida de um homem. Importa, dentro dessa finitude, a beleza, o amor e o que precisa ser vivido dentro dos vários tamanhos de infinito de cada vida, quando bem vivida. A consciência do homem está sempre pronta para dividir uma mesma realidade em duas bandas com sentidos opostos.
Ficamos com a parte que nos interessa e desqualificamos a outra, como agem os adolescentes com seus sentimentos de onipotência e ideias de imortalidade. Isso os leva a uma aproximação da possibilidade de morte. Por isso, ser lembrado da morte é, também, tomar consciência da vida e zelar pela boa qualidade dela.
Para Tolstoi, todas as famílias felizes se parecem, e cada família infeliz é infeliz à maneira delas. Em A Culpa é das Estrelas, John Green narra a história de Hazel Grace, adolescente portadora de doença terminal. A condição de sua família ser infeliz a faz se sentir uma granada prestes a explodir. A mãe, que vivia em função de cuidar da moça, a levou para participar de um grupo de apoio composto por jovens, portadores de câncer, cujas vidas tinham uma sentença de morte indefinidamente protelada.
Lidar com a dor que precisa ser sentida e o desconforto do que não podemos controlar, nos deixa péssimos ouvintes da dor do outro. Quando uma pessoa que vai morrer é enganada, com uma mentira agradável, segundo o PhD em psicologia Jean-Yves le loup, surge nela uma confusão e aumenta a dificuldade em que ela já se encontra. Isso porque o corpo ―sabe que vai morrer. Ocultar essa verdade é violar o direito sagrado de um eu finito se adaptar a uma natureza infinita. Chegará o momento em que o corpo, em sua última hora, revelará uma verdade brutal àquele que está para se libertar dessa dimensão corporal de um eu.
A culpa é das estrelas é uma história que ensina a necessidade de se viver a vida independentemente da impotência diante do destino. Somos responsáveis por várias decisões na vida, mas não pelo destino. É escolha dos deuses. Abrir mão do controle e aceitar o incontrolável é o modo que temos para aceitar as várias mortes que se sucedem em cada ciclo de vida.
No grupo de apoio, hazel Grace conhece augustus Waters - o Gus. Juntos descobrem o amor e o sexo. Vivem esse amor ilimitado dentro da lembrança de suas ―sobrevidas‖ limitadas.
Ambos incluem, em suas leituras, o romance chamado Uma Aflição Imperial. Uma obra que acaba no meio de uma frase. Esse sentimento de incompletude domina o casal, que vive essa sensação na vida.
A adolescência é uma fase da vida em que o homem está incompleto. Esse casal jovem não vive a ilusão da cura. O que lhes importa é viver um grande amor. Nessa fase, como em todas as outras, nunca saberemos o quanto iremos viver. Gus não chegou a ser adulto, partiu. Hazel, no funeral, fez um discurso, cuja última
frase dizia: ―você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, eu sou muito grata por isso‖.
A ADOLESCÊNCIA É UMA FASE DA VIDA EM QUE O HOMEM ESTÁ INCOMPLETO. ESSE CASAL JOVEM NÃO VIVE A ILUSÃO DA CURA. O QUE LHES IMPORTA É VIVER UM GRANDE AMOR. NESSA FASE, COMO EM TODAS AS OUTRAS, NUNCA SABEREMOS O QUANTO IREMOS VIVER. GUS NÃO CHEGOU A SER ADULTO, PARTIU
O livro (que virou filme este ano) e seu autor |
Há várias mortes em nossos ciclos de vida. Na morte simbólica da adolescência, os pais precisam intervir para que seus filhos não se tornem um puer Aeternus. Nome que se dá a um complexo que faz o indivíduo continuar a adolescência e depender dos seus pais por muito mais tempo do que determina sua idade cronológica. É o ―filho eterno.
Em nossa cultura, o modo de ser jovem tem a morte literal engolida pela ideia ficcional da eterna adolescência. Modo inconsciente de perpetuar a juventude. Estão acostumados com os desenhos animados da infância. A bomba explode, mas não atrapalha o personagem. Logo ele se recupera e entra em ação. Dessa forma, os jovens não conseguem elaborar os perigos que a mídia lhes transmite no dia a dia: rachas, pacientes jovens com câncer, liberdade sexual, drogas, o menino que entrou na jaula do tigre etc. Até os profissionais de saúde são propensos a fazer o diagnóstico tardiamente, quando se trata de um paciente juvenil. Obras literárias como a de John Green têm um valioso papel de acordar o nosso público para
esse tema da morte literal e, assim, trazer mais valor para a vida.
Será a culpa das estrelas? de acordo com o psicólogo Viktor D. Salis, na astrologia arcaica, o retorno aos astros é o nosso caminho, que representa nossa evolução. Os astros são a manifestação dos deuses e, como viemos deles, a nossa personalidade teria essa influência. Faz sentido a frase: ―viestes das estrelas e para as estrelas voltarás, tradução livre de ―viestes do pó e ao pó voltarás.
Disse São Francisco: ―senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado... Resignação para aceitar o que não pode ser mudado... Sabedoria para distinguir uma coisa de outra.
Aprendemos no livro que alguns infinitos são maiores do que outros e que todo o mundo deveria poder viver um amor verdadeiro, não importando o quanto dure."
Sobre o autor: Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia.
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