12 de maio de 2016

Social Engineering, Estratégias Semióticas, Hybrid Warfare e o Impeachement

Agora que o processo de impeachment é fato consumado nos cabe aqui, pelo menos, registrar para a história o que sabemos do que ocorreu. 
Futuras gerações poderão então constatar as novas estratégias de controle amplo, geral e irrestrito da opinião pública.
O texto abaixo é longo mas fica para a posteridade como um alerta para "se vacinarem" e, sabendo como funciona, manterem no seu próprio controle os seus corações e as suas mentes. Obviamente não falo para as classes sociais designadas como AAA.
Se a história até hoje tem sido escrita pelos "vencedores", temos agora a oportunidade, com a Internet, de mostrar ao futuro a outra versão dos fatos. Se ela será considerada a verdadeira não sabemos. Mas, também pelo menos, será um ponto de reflexão e análise para situações futuras que tendem a se repetir, com outras estratégias.
O que é chamado genericamente no exterior como "golpe frio" ou "golpe branco" (referência à cor e ao frio da neve), tem toda uma longa estratégia por trás, o que de fato sempre ocorreu. 
As formas é que vão se sofisticando, se adaptando aos novos tempos. 
Mas não modifica o resultado: a defesa dos interesses dos que sempre estiveram no topo da pirâmide do poder (econômico) nacional e internacional. Basta ver a história de cada um dos senadores que defenderam ontem o impeachement.
E que não são os mesmos interesses dos mais necessitados deste país. Isso sempre foi claro.
Em 2014, depois de anos de trabalho, um governo brasileiro - preocupado com os mais desvalidos da sociedade: a base da pirâmide - conseguiu finalmente retirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU (fato devidamente escamoteado pela imprensa nativa por ser ano de eleições, mas que foi considerado no exterior um dos maiores feitos sociais de um governo democrático em todos os tempos). A imensa dívida social do nosso país estava, pelo menos parcialmente, quitada.
Rezo para que daqui a algum tempo a ONU não nos comunique que voltamos a fazer parte dele.

P.S. para melhor compreensão do texto abaixo: 
- Semiótica: A semiótica é o estudo dos símbolos e da semiose, que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação. Vejam mais aqui.
- Guerra Híbrida: Confira seu significado e amplitude aqui.
- Social Engineering (como a citada Hybrid Warfare): Engenharia da formação da opinião pública. Vejam abaixo.
Marcos Oliveira.

"Bombas" Semióticas, ligações perigosas e as oportunidades perdidas
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira em Cinegnose
"Com o impeachment da presidenta Dilma aproxima-se o desfecho de uma campanha iniciada há dez anos com as denúncias do mensalão. Mas em 2013 teve uma virada que acelerou o processo: a nova estratégia semiótica de engenharia de opinião pública com a implementação no Brasil da “guerra virtual” e da “social engineering”. Naquele ano, a grande mídia brasileira levou algum tempo para fazer a ficha cair, acostumada que estava com velhas estratégias hipodérmicas dos tempos do IPES-IBAD nos anos 1960 - surgia no País a "primavera brasileira" com manifestações tomando as ruas. A multipolarização criada pelos BRICS forçou os EUA a implementar estratégias resultantes de uma longa tradição acadêmica de pesquisas sobre engenharia social naquele país: a Mass Communication Research de Lazarsfeld, Agenda Setting de McCombs e Shaw e as pesquisas em “ações não violentas” do cientista político Gene Sharp. Logo a grande mídia brasileira entrou em sintonia com a geopolítica dos EUA ao criar as “bombas semióticas” a partir da matéria-prima das manifestações que começaram por “apenas” 20 centavos.

O ônibus da Linha 1 do Festival Tomorrowland saiu lotado do Sambódromo de São Paulo levando jovens adeptos da música eletrônica para o evento na cidade de Itu. No meio de caminho, começou uma discussão entre os animados passageiros sobre o impeachment da presidenta Dilma e a legitimidade do vice Michel Temer: “Se pelo menos ele fizer alguma coisa para tirar o País do buraco, já vai estar valendo!”, disse alguém mais exaltado.

Esse é o clima de opinião resultante do bombardeio sistemático e diário de bombas semióticas pela grande mídia nos últimos três anos, desde a “primavera brasileira” de 2013 – a série de manifestações de rua que tão inesperadamente como surgiram, também desapareceram.

Uma estranha percepção de “buraco” em que o País estaria metido expressada por aquele jovem,  apesar de todos naquele ônibus estarem rumando para um evento da cena eletrônica mundial onde uma latinha de Skol Beat ou uma garrafinha de água custavam dez reais, unindo tanto jovens da elite sócio-econômica como remediados egressos da chamada Classe C e os chamados “cibermanos” – jovens de regiões urbanas periféricas fãs da música eletrônica.

Em plena explosão das manifestações nas ruas em 2013 e a  extensiva cobertura midiática, esse blog Cinegnose iniciou a série de análises do que chamamos de “bombas semióticas”, procurando mapeá-las e, através de uma engenharia reversa, entender o mecanismo de funcionamento e as ondas de choque na opinião pública em cada detonação – sobre a série clique aqui.

Naquela oportunidade percebemos um elemento novo entrando em cena: uma nova estratégia semiótica, bem diferente das anteriores fundamentadas em longas “suítes” jornalísticas como “caos aéreo”, “mensalão”, “gripe suína”, “o escândalo do dossiê”, o “escândalo dos aloprados” etc. Estratégia hipodérmica de simples repetição onde articulistas, âncoras de telejornais, editorialistas e colunistas martelavam a pauta tentando formar a opinião pública.

Das estratégias hipodérmicas dos anos 1960 às bombas semiótica do século XXI

"Bombas semióticas" versus "estratégia hipodérmica"

Essa estratégia era ainda tributária das velhas táticas comportamentais (repetir até convencer) do antigo IPES-IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto para Ação Democrática) onde de 1962 a 1964 desestabilizou o governo João Goulart através de massiva propaganda no cinema, TV e mídia impressa além da ação direta por meio de rede suprapartidária que barrava qualquer projeto do governo no Congresso. Mobilizou a opinião pública para torna-la receptiva ao Golpe Militar que viria mais tarde.

Se a estratégia semiótica hipodérmica funcionou nos anos 1960 (épocas mais “duras” dentro da polarização da Guerra Fria), agora no século XXI já apresentava sinais de que o prazo de validade tinha terminado – principalmente num contexto de multipolarização com o surgimento dos BRICS e globalização econômica.

De nada adiantava a repetição diária de sucessivos escândalos e crises nos governos petistas nas primeiras páginas dos jornais diários e escaladas de telejornais: Lula não só foi reeleito como fez seu sucessor que ainda seria reeleito, para desespero dos “aquários” das redações da grande imprensa.

A “primavera brasileira” de 2013 iniciou uma nova estratégia semiótica tão diferente e sofisticada que muitos formadores de opinião da grande imprensa levaram algum tempo para fazer a ficha cair – por exemplo, Arnaldo Jabor vociferava na TV Globo que as manifestações nas ruas eram “uma grande ignorância política misturado com rancor sem rumo”.

Foi o início de uma nova estratégia semiótica sofisticada demais para ter sido planejada pela grande mídia brasileira: a engenharia de opinião pública ou, como alguns analistas definem, a chamada “Guerra Híbrida” – Hybrid Warfare.

Embora diferentes “primaveras” estivessem pipocando pelo planeta (árabe, egípcia, ucraniana etc.), a vetusta mídia brasileira ainda acreditava que tudo era por causa dos 20 centavos de aumento nas tarifas de ônibus. Houve um gap de alguns dias, mas logo a grande mídia nacional entrou em consonância com a nova tática planejada bem longe daqui e que não é assim tão nova.

Alguns dos pais americanos da Social Engineering e das Hybrid Warfares

Ligações Perigosas

Aqui começam evidências de ligações perigosas entre as origens das diversas “primaveras” nacionais pelo mundo e o know how norte-americano iniciado a partir das pesquisas acadêmicas como a Mass Communication Research de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 na Universidade de Stanford e as pesquisas em Agenda Setting de Donald Shaw e Max McCombs (Universidades de Virgínia e Texas) até chegar à aplicação política direta:

(a) A Social Engineering: coordenação de front groups (ONGs), spin doctors (técnicos de comunicação a serviço de partidos e lobbies) e paid experts (profissionais de diversas áreas que se tornam informações de pauta privilegiados para a grande imprensa) – articulados e sempre disponíveis para fornecer informações de primeira mão para a mídia - veja abaixo o fluxograma de uma ação de engenharia de opinião pública;

Fonte: HOWARD, Martin. "We Know What
You Want". Disinformation Books, 2005

(b) Ação Direta: táticas de promoção de “ação não violenta” (mobilização através de blogs, redes sociais, música, arte, táticas de não-colaboração, ocupações etc.) em conflitos ao redor do mundo a partir de pesquisas do cientista político Gene Sharp (Universidade do Estado de Ohio e Instituto Albert Einstein) financiadas pela Fundação Ford. Cursos baseados em suas técnicas ocorrem atualmente eu Universidades como Yale e na Embaixada dos EUA. O próprio juiz Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato, participou em 2007 de um curso no Departamento de Estado nos EUA de formação de Novas Lideranças;

(c) Black blocs (estranhos personagens que tão inesperadamente como apareceram também sumiram): na “primavera brasileira” foram financiados por ONGs ligadas a "causas ambientais" (sobre isso clique aqui) que costumavam depredar lugares escolhidos a dedo como, por exemplo, no episódio de uma concessionária da Caltabiano de veículos de luxo em São Paulo: revenda controlada pelo grupo americano McLarty cujo chefe, Thomas McLarty, foi Chefe da Casa Civil do Presidente Clinton. Ou então depredavam os clássicos estabelecimentos de grandes marcas (MacDonald’s, bancos etc.) para renderem fotos e vídeos impactantes para a grande mídia brasileira. Quer dizer, depois que a ficha já tinha caído nos “aquários” das redações e perceberam a intencionalidade por trás de todas essas ações “espontâneas”.

Os "estranhos" Black Blocs que surgiram do nada e desapareceram em seguida
A única semelhança com a estratégia de intervenção semiótica do IPES-IBAD nos anos 1960 foi o apoio logístico norte-americano (know how + apoio financeiro). Agora nesse século a criação de revoluções (ou “primaveras”) graças às táticas de social engineering não opera mais com o estardalhaço da massificação, mas agora com viralização através de bombas cirúrgicas e pontuais: as bombas semióticas.

Enquanto na massificação temos um emissor que repete informações para milhões de receptores, na viralização todos são ao mesmo tempo emissores e receptores quando repercutem as ondas de choque das explosões das bombas semióticas.

Oportunidades perdidas

Essas bombas não visam persuasão ou convencimento político partidário e/ou ideológico (ao contrário dos anos 1960 dominado pela doutrinação ideológica anti-comunista), mas através da sedução e percepção produzir um “clima de opinião” – a irresistível sensação de que estamos todos num “buraco” tal como o animado grupo que ia para o Tomorrowland percebia a realidade brasileira. As bombas semióticas são verdadeiras bombas cognitivas.

Mas a sequência das bombas semióticas detonadas pela grande mídia (cuja matéria-prima estavam nas manifestações) poderia ter se transformado em guerrilha semiótica – ataques e contra-ataques. Acabou se convertendo em massacre onde só um lado disparava e o outro (Governo Federal e PT) apenas tilintava como as bolinhas metálicas de um fliperama num “efeito pinball”, reagindo timidamente com notas para a imprensa.

A armação e detonação das bombas mostrou seu lado frágil com acidentes como os episódios “tem alemão no campus” (clique aqui) e “o falso candidato do Enem” (clique aqui) onde a ansiedade de repórteres em cumprir a pauta pré-fixada pelos “aquários” das redações criaram situações engraçadas.


Fossem bem aproveitadas, poderiam facilmente ser exploradas em táticas de “trolagem” para desmoralizar a grande imprensa tal como fizeram manifestantes em Lisboa para furar o bloqueio midiático a favor das medidas austeras da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia): um grupo simulou estar se manifestando a favor da Troika, atraindo a atenção de ávidos repórteres loucos para reforçar suas pautas pré-definidas. Diante de câmeras ao vivo gritaram “Que se lixe a Troika!” diante de confusos jornalistas.

Hoje, o clima de opinião de “buraco”, se não legitima, certamente tornam “críveis” ou “fatos consumados” o golpe do impeachment e o seletivo combate à corrupção da Operação Lava Jato, assim como a histeria anti-comunista embalou o Golpe Militar de 1964 e o clima de opinião da “última bala na agulha” legitimou o confisco da poupança pelo Plano Collor em 1990 para conter a hiperinflação.

Mas o que mais surpreende em toda essa história é como a nova estratégia semiótica geopolítica norte-americana (Guerra Híbrida + Social Engineering) pegou um governo supostamente de esquerda totalmente rendido. Principalmente porque muitos dos seus membros militaram sob a repressão da ditadura militar e conhecem muito bem até onde chegam as estratégias geopolíticas dos EUA.

Talvez o episódio narrado por Roberto Requião (PMDB-PR) explique muita coisa. No primeiro mandato de Lula, Requião foi ao encontro do presidente e relatou o que tinha feito no Paraná: acabou com a verba publicitária e investiu tudo na TV Educativa do Estado. Lula teria se animado com a ideia e passou a bola para José Dirceu, na época ministro da Casa Civil. “Mas Requião, o Governo já tem TV”, interrompeu Dirceu. “Mas que TV, Zé?”, retrucou Requião. Ao que o então ministro respondeu: “A Globo, Requião”.

Parece que ingenuamente Dirceu acreditava que a mídia nativa fosse na contra-mão da geopolítica internacional dos EUA de florescer “primaveras” nos países membros dos BRICS."

5 comentários:

Joana D'Angelis disse...

Excelente e esclarecedor texto Marcos.
A grande massa está acostumada a ver só um lado da questão pois isso lhes é imposto. Infelizmente, por causa disso, tem servido de massa de manobra, inocentes úteis. Condenados estão os mais pobres a sanha neoliberal. Mais acumulação de riqueza, menos distribuição de renda, como vem sendo feito ao longo da maior parte da história do nosso amado Brasil.

Anônimo disse...

Putin sabe de toda essa trama e não deixa os EUA tomarem de assalto o seu país.

mchrysostomo disse...

Excelente texto, meu amigo! Muito esclarecedor!

Unknown disse...

Sempre haverá uma forma de manobra sobre a massa e eu, que de uma certa forma me envergonhava do golpe de 64 agora assisto impotente nos dias atuais a repetição de um ato que jamais imaginei vivenciar.Apesar de termos evoluído em tantas coisas continuamos manipulados e manipuláveis.Me causa perplexidade a realidade que somos obrigados a engolir hoje.Me causa um desconforto imenso ver que os métodos de golpe evoluíram mas que meu o povo continua a espera de um milagre.

Marcos Oliveira disse...

Joana, Márcia e Lu: a repetição do golpe, desta vez não militar, mas disfarçado de legalidade, nos deixa abismados mesmo. Estamos sentindo na pele a forma como os "governantes do mundo" estão agindo atualmente para manter o seu status de império, com o conluio do topo da pirâmide brasileira, aqueles mesmos de sempre. Como disse Lu, o mais difícil é a nossa impotência, por mais que tentemos participar de alguma forma da conscientização da opinião pública. Mas não tem jeito. É a velha luta de classes. Pior são aqueles mais pobres que são utilizados como "inocentes úteis".

Quanto a Putin, Anônimo, só mais recentemente tenho entendido bem a posição dele de resistência aos EUA e OTAN.