1 de julho de 2013

Manuel Castells: Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas

"Maior especialista contemporâneo em movimentos sociais nascidos na internet, o sociólogo espanhol diz que a condução da crise no Brasil mostra que há esperanças de se reconectar instituições e cidadãos."

Reproduzimos entrevista que sociólogo espanhol (epa! 3 x 0!) Manuel Castells concedeu à revista Isto É.
Algumas frases interessantes:
- "Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas."
-  "Além disso, por causa da mobilização, a presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e educação"
- "Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas ela está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais".
 - "Esse é o verdadeiro significado do movimento brasileiro: ele mostra que ainda há esperança de se reconectar instituições e cidadãos, se houver boa vontade de ambos os lados."

"O sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos, estava no Brasil participando de uma série de conferências quando os protestos pela redução das tarifas de ônibus começaram, ainda tímidos, em São Paulo. Um dos maiores especialistas da atualidade em movimentos sociais na era da internet, nem ele podia imaginar que o País todo seria tomado por uma onda de passeatas que se transformaria na mais importante manifestação política da sociedade brasileira em 20 anos. “Se querem mudanças, não bastam somente as críticas na internet. É preciso tornar-se visível, desafiar a ordem estabelecida e forçar um diálogo”, afirma o sociólogo. Castells analisou outros movimentos semelhantes, como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos, os Indignados, na Espanha, e agora também acompanha a defesa da Praça Taksim, na Turquia. Com extenso e respeitado trabalho sobre o papel das novas tecnologias de informação e comunicação, o sociólogo diz que a grande força desses movimentos é a ausência de líderes e enxerga um esgotamento do modelo atual de representatividade. Autor de 23 livros, ele lança em breve “Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet” (Zahar Editora). Castells foi professor da Universiade de Berkeley, na Califórnia, por 24 anos. Atualmente, vive em Barcelona, na Espanha, de onde falou à ISTOÉ por e-mail, e é professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos."

Por Daniela Mendes

ISTOÉ - O sr. estava no Brasil quando ocorreram os primeiros protestos em São Paulo. Podia imaginar que eles tomariam essa proporção?

MANUEL CASTELLS - Ninguém podia. Mas o que eu imaginava, e pesquisei durante vários anos, é que a crise de legitimidade política e a capacidade de se comunicar através da internet e de dispositivos móveis levam à possibilidade de que surjam movimentos sociais espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. Porque razões para indignação existem em todos os lugares.

ISTOÉ - O Brasil reduziu muito a desigualdade social nos últimos anos e tem pleno emprego. Como explicar tamanho descontentamento?

MANUEL CASTELLS - A juventude em São Paulo foi explícita: “Não é só sobre centavos, é sobre os nossos direitos.” É um grito de “basta!” contra a corrupção, arrogância, e às vezes a brutalidade dos políticos e sua polícia.

ISTOÉ - Faz sentido continuar nas ruas se os problemas da saúde e da educação não podem ser resolvidos rapidamente, como o das passagens de ônibus?

MANUEL CASTELLS - Em primeiro lugar, o movimento quer transporte gratuito, pois afirma que o direito à mobilidade é um direito universal. Os problemas de transporte que tornam a vida nas cidades uma desgraça são consequência da especulação imobiliária, que constrói o município irracionalmente, e de planejamento local ruim, por causa da subserviência dos prefeitos e suas equipes aos interesses do mercado imobiliário, não dos cidadãos. Além disso, por causa da mobilização, a presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e educação. Como leva muito tempo para obter resultados, é hora de começar rapidamente.

ISTOÉ - A presidenta Dilma agiu corretamente ao falar na tevê à nação, convocar reuniões com governadores, prefeitos e manifestantes para propor um pacto?

MANUEL CASTELLS - Com certeza, ela é a primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas ela está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais. As declarações de José Serra (o ex-governador tucano criticou as iniciativas anunciadas pela presidenta) são típicas de falta de prestação de contas dos políticos e da incompreensão deles sobre o direito das pessoas de decidir. Os cargos políticos não são de propriedade de políticos. Eles são pagos pelos cidadãos que os elegem. E os cidadãos vão se lembrar de quem disse o quê nesta crise quando a eleição chegar.

ISTOÉ - Como comparar o movimento brasileiro com os que ocorreram no resto do mundo?

MANUEL CASTELLS - Houve milhões de pessoas protestando dessa forma durante semanas e meses em países de todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de mil cidades foram ocupadas entre setembro de 2011 e março de 2012. A diferença no Brasil é que uma presidenta democrática como Dilma Rousseff e um punhado de políticos verdadeiramente democráticos, como Marina Silva, estão aceitando o direito dos cidadãos de se expressar fora dos canais burocráticos controlados. Esse é o verdadeiro significado do movimento brasileiro: ele mostra que ainda há esperança de se reconectar instituições e cidadãos, se houver boa vontade de ambos os lados.

ISTOÉ - O que é determinante para o sucesso desses movimentos convocados pela internet?

MANUEL CASTELLS - Que as demandas ressoem para um grande número de pessoas, que não haja políticos envolvidos e que não haja líderes manipulando. Pessoas que se sentem fortes apoiam umas às outras como redes de indivíduos, não como massas que seguem qualquer bandeira. Cada um é seu próprio movimento. A brutalidade policial também ajuda a espalhar o movimento através de imagens na internet difundidas por telefones celulares.

ISTOÉ - Por que tantos protestos acabam em saques e depredações? Como evitar que marginais se aproveitem do movimento?

MANUEL CASTELLS - Há violência e vandalismo na sociedade. É impossível preveni-los, embora os movimentos em toda parte tentem controlá-los porque eles sabem que a violência é a força mais destrutiva de um movimento social. Às vezes, em alguns países, provocadores apoiados pela polícia criam a violência para deslegitimar o movimento.

ISTOÉ - Como a polícia deve agir?

MANUEL CASTELLS - Intervir de forma seletiva, com cuidado, profissionalmente, apenas contra os provocadores e os grupos violentos. Nunca, nunca disparar armas letais, e se conter para não bater indiscriminadamente em manifestantes pacíficos. A polícia é uma das razões pelas quais as pessoas protestam.

ISTOÉ - A ausência de líderes enfraquece o movimento?

MANUEL CASTELLS - Pelo contrário, este é o vigor do movimento. Todo mundo é o seu próprio líder.

ISTOÉ - Mas isso não inviabiliza a negociação com a elite política?

MANUEL CASTELLS - Não, a prova disso é que a presidenta Dilma Rousseff se reuniu com alguns representantes do movimento.

ISTOÉ - Qual é a grande força e a grande fraqueza desses movimentos?

MANUEL CASTELLS - A grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos, é uma celebração da liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza são a estupidez e a arrogância da classe política que é insensível às demandas autônomas de cidadãos.

ISTOÉ - No Brasil, partidos políticos foram banidos das manifestações e há quem enxergue nisso o perigo de um golpe. Faz sentido essa preocupação?

MANUEL CASTELLS - Não há perigo de um golpe de Estado. Os corruptos e antidemocráticos já estão no poder: eles são a classe política.

ISTOÉ - Como resolver a crise de representatividade da classe política?

MANUEL CASTELLS - Com reforma política, com uma Assembleia Constituinte e um referendo. A presidenta Dilma Rousseff está absolutamente certa, mas, nesse sentido, ela será destruída por sua própria base.

ISTOÉ - Essas manifestações articuladas através das redes sociais demandam uma nova forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado? Qual?

MANUEL CASTELLS - Sim, esta é a nova forma de participação política emergente em toda parte. Analisei este mundo em meu livro mais recente.

ISTOÉ - O que há em comum entre os movimentos sociais contemporâneos?

MANUEL CASTELLS - Redes na internet, presença no espaço urbano, ausência de liderança, autonomia, ausência de temor, além de abrangência de toda a sociedade e não apenas um grupo. Em grande parte os movimentos são liderados pela juventude e estão à procura de uma nova democracia.

ISTOÉ - O movimento Occupy, nos EUA, foi derrotado pela chegada do inverno. Que legado deixou?

MANUEL CASTELLS - Deixou novos valores, uma nova consciência para a maioria dos americanos.

ISTOÉ - Os Indignados espanhóis conseguiram alguma vitória?

MANUEL CASTELLS - Muitas vitórias, especialmente em matéria de direito de hipoteca e despejos de habitação e uma nova compreensão completa da democracia na maioria da população.

ISTOÉ - Que paralelos o sr. vê entre o movimento turco e o brasileiro?

MANUEL CASTELLS - São muito similares. São igualmente poderosos, mas a Turquia tem um primeiro-ministro fundamentalista islâmico semifascista e o Brasil, uma presidenta verdadeiramente democrática. Isso faz toda a diferença.

ISTOÉ - Acredita que essa onda de protestos se espalhará para outros países da América Latina?

MANUEL CASTELLS - Há um movimento estudantil forte no Chile, e embriões surgindo na Colômbia, no México e no Uruguai.

ISTOÉ - Países que controlam a internet, como a China, estão livres dessas manifestações?

MANUEL CASTELLS - Não, isso é um erro da imprensa ocidental. Há muitas manifestações na China, também organizadas na internet, como a da cidade de Guangzhou (no sul do país), em janeiro passado, pela liberdade de imprensa (o editorial de um jornal foi censurado e isso motivou as primeiras manifestações pela liberdade de expressão na China em décadas. Pelo menos 12 pessoas foram detidas, acusadas de subversão).

ISTOÉ - Como o sr. vê o futuro?

MANUEL CASTELLS - Eu não gosto de falar sobre o futuro, mas acredito que ele será mais brilhante agora porque as sociedades estão despertando através desses movimentos sociais em rede.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parte da entrevista do Lula à Revista Valor:

“Dilma é a minha candidata”, diz Lula

(…)

Lula: A primeira coisa que eu acho é que toda vez que um povo se manifesta é sempre muito importante. Acho que democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa. As reivindicações que o povo está fazendo, de melhoria de transporte, de saúde, de educação isso é próprio do processo de crescimento que o Brasil vem enfrentando. Se você analisar que em dez anos mais do que dobrou o número de universitários no Brasil e de alunos nas escolas técnicas, e que houve a evolução social de uma camada da sociedade, essas pessoas cada vez mais querem mais. É assim. Quando aconteceu a greve dos metalúrgicos em 1978 as pessoas se perguntavam por que os trabalhadores fizeram greve. Eu dizia: porque eles tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando o bife deles! Começaram a brigar para não perder o bife! Na medida em que as pessoas tiveram uma evolução social, é normal que elas queiram mais coisa. De vez em quando as pessoas reclamam que os aeroportos estão cheios. É lógico que tem que estar cheio! Em 2007 você tinha 48 milhoes de passageiros voando de avião. Hoje você tem 101 milhões de passageiros. Obviamente que vai ter gente brigando. Você não tem [briga de passageiros] de ônibus, porque a quantidade de passageiros que andavam de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que as pessoas vão evoluindo vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que se as pessoas questionam custo da Copa as pessoas que organizaram, que contrataram tem que mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate com a sociedade. E é fazendo o debate que você separa o joio do trigo. Quem quer realmente debater, está interessado em fazer coisa séria e aquilo que é justo. Nesse aspecto Dilma tem tido um comportamento importante. De entender o movimento, tentar dialogar com o movimento e construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer preocupação com o exercício da democracia é muito ruim.

(…)

Valor: Mas não preocupa o abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos percentuais desde o inicio do mês?
Lula: Veja, querida, não me preocupa. Se tem um cidadão que já subiu e desceu em pesquisa fui eu. Em 1989 teve um dia no mês de junho que eu queria desistir de ser candidato porque eu tinha caído tanto que ia sair devendo para o Ibope (risos). Então eu cheguei a pensar em desistir porque não tem como eu pagar voto. Só tenho o meu. E depois com tantos figurões disputando a eleição fui eu que fui para o segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidata à Presidência da República. Portanto ela será a minha candidata.

Valor: O senhor volta em 2014?
Lula: Não