28 de agosto de 2013

Ainda os Médicos Cubanos

Quando vi a foto que reproduzo abaixo fiquei tão envergonhado que nem toquei no assunto.
Depois, a bem da verdade, achei que poderia ser uma armação.
Parece que não era mesmo. Infelizmente.
Hoje saiu uma reposta do médico cubano vaiado.
Reproduzimos a seguir.


Médico cubano dá lição de dignidade a colegas brasileiros

Os brasileiros deveriam fazer como a gente, ir nos lugares mais pobres

"O médico cubano Juan Delgado [de camisa amarela, na foto acima, conforme saiu na capa da Folha de S. Paulo], que foi vaiado e chamado de “escravo” por médicos do Ceará, deu uma lição de dignidade ao responder às ofensas dirigidas a ele durante o protesto da categoria. Em entrevista à Folha de São Paulo, Delgado se mostrou surpreso com as atitudes dos colegas brasileiros e disse que não entendeu o motivo da hostilidade, já que está no país para ser “escravo da saúde e dos pacientes doentes, pelo tempo que for necessário”. Os ataques ao médico cubano e a outros profissionais estrangeiros aconteceram na segunda-feira, após o primeiro treinamento do programa Mais Médicos. Juan foi estampado numa foto com duas mulheres de jaleco branco, aparentando boas condições financeiras, que o vaiavam.

“Vamos ocupar lugares onde eles não vão”, disse Delgado, em referência ao manifesto dos médicos cearenses. O médico cubano ficou impressionado com a reação dos colegas de profissão e ressaltou que os estrangeiros que chegaram ao Brasil “não vão tirar os postos de trabalho dos brasileiros”. Delgado se candidatou ao Mais Médico por vontade própria e já atuou no Haiti. Durante a entrevista, ele deu um caminho mais civilizado para os médicos brasileiros evitarem a contratação de outros estrangeiros. “Eles [médicos brasileiros] deveriam fazer o mesmo que nós, ir aos lugares mais pobres prestar assistência”, opinou. Para ele, o comportamento ofensivo não está partindo de toda a classe, mas apenas de alguns que rejeitam os cubanos.

Delgado comentou sobre as dificuldades que os médicos cubanos podem encontrar nas áreas mais remotas do país. “O trabalho vai ser difícil, porque vamos a lugares onde nunca esteve um médico e a população vai precisar muito de nossa ajuda”, disse Delgado, completando que é possível oferecer uma assistência eficiente à população, mesmo em condições de infraestrutura precária.

Nesta terça-feira (27), o Ministério da Saúde e outras entidades da classe médica no Ceará pediram desculpas aos médicos cubanos ofendidos e classificaram como “intolerância, racismo e xenofobia” a atitude dos médicos do Simec. O presidente do sindicato, José Maria Pontes, alegou que as vaias não foram dirigidas aos profissionais cubanos, mas aos gestores do curso e a expressão “escravos” não teve um sentido pejorativo. A presidente Dilma Rousseff também comentou o incidente, com a frase “Eu achei bom os aplausos”.

Jornalista é criticada por comentários preconceituosos

A jornalista potiguar, Michelline Borges, provocou revolta nas redes sociais ao se referir de forma racista e preconceituosa aos médicos cubanos que chegaram ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos. “Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica”, comentou a jornalista no seu perfil no Facebook. Na mesma postagem, Michelline questiona o profissionalismo dos médicos, comentando que “Médico, geralmente, tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência”, diz ela. No final do texto, a jornalista deseja sorte ao povo brasileiro. Após ser acusada de racismo por milhares que usuários das redes sociais, que criticaram o tom preconceituoso que a jornalista tratou o assunto, Michelline apagou o seu perfil no Facebook, mas antes a postagem foi compartilhada por mais de mil pessoas.

Nesta quarta-feira (28), milhares de usuários das redes sociais estão promovendo manifestos em favor dos médicos cubanos e comentando os últimos protestos. Pelo perfil #bemvindomedicoscubanos, no Twitter, a população está deixando a sua opinião, pedindo desculpas aos médicos estrangeiros pelo comportamento dos médicos brasileiros no Ceará e elogiando o programa Mais Médicos."
Fontes:
Jornal do Brasil
Viomundo

2 comentários:

Anônimo disse...

Los medicos cubanos tienen que aprender unas cosas basicas de la medicina brasilena: “eso es una virose”, “Con o sin recibo?”

Rodrigo Viana disse...

No começo senti raiva. Depois, tristeza. Ao fim, procurei explicações. O cerco aos médicos cubanos, com xingamentos e manifestações racistas, é chocante à primeira vista. Mas quem conhece nossa história de “elevador de serviço”, de “quarto de empregada”, de coronelismo e revoluções sempre inconclusas, quem conhece essa história nem deveria se espantar.

O fato é que a reação desmedida de certos médicos e de gente que pensa falar em nome da “Medicina brasileira” transformou-se numa derrota acachapante para o pensamento conservador. O conservadorismo de branco (e de brancos?) foi derrotado nesse debate.

É como o “bolsa esmola” – vocês se lembram? Durante dois mandatos de Lula, um setor barulhento (e até numeroso) da classe média travou um não debate: em vez de criticar eventuais falhas no Bolsa Família, tentou desqualificar a política de transfererência de renda, definida como “esmola”. Ouvi isso ao longo de anos, em festas de família, em bares e restaurantes… E no fim aconteceu o que? O Bolsa-Família impôs sua vitória. Os tucanos chegaram a 2010 propondo que na campanha eleitoral o partido defendesse o Bolsa-Família. Falar em “bolsa esmola” seria suicídio eleitoral. O conservadorismo recolheu-se às manifestações privadas de ódio e recalque.

Uma parte da sociedade brasileira sentiu-se ameaçada pela mudança – feita dentro da ordem, sob hegemonia inclusive de política econômica liberal, especialmente no primeiro governo Lula. Mas mesmo assim, um setor significativo da sociedade brasileira partiu para a desqualificação. Bolsa Família era “bolsa esmola”. Prouni era “prêmio para gente despreparada”. Quotas raciais eram “incentivo pra gente vagabunda”.

Esse mesmo setor agora estrebucha, se debate de forma constrangedora – contra os médicos. E o ódio maior é contra os cubanos…

Uma pobre alma chegou a dizer no twitter (ou facebook, sei lá) que os médicos cubanos não eram confiáveis porque tinham aparência de “empregadas domésticas”. De uma só tacada, tentou ofender os cubanos e as empregadas que cuidam das casas de quem pode pagar. Mas conseguiu apenas explicitar que tipo de pensamento tenta barrar a chegada dos médicos às comunidades mais pobres do Brasil.

Esse tipo de comentário, ou de ataque (esclarecedora também a foto das patricinhas de branco pensando ofender um médico negro cubano), cumpre papel didático. É o passado que não quer passar. É o sul derrotado na guerra de Secessão. É o Partido Republicano recusando-se a aceitar que Roosevelt tinha razão no New Deal. É o Lacerda contra a Petrobras. É o Ali Kamel da Globo contra as quotas. Essa gente fala para o passado. Um discurso derrotado.

Reparem que nas redes sociais apareceu muita gente moderada, que tem críticas ou dúvidas em relação ao Mais Médicos, mas que se sente constrangida com o discurso de ódio, com as cenas de racismo e de preconceito. E por isso passou a apoiar o programa.

O conservadorismo de branco (e de brancos?) ainda vai estrebuchar. Vai ao STF, ao TCU. Vai tentar de tudo. Mas ainda que consiga atrasar o programa de Médicos do governo federal, já perdeu o debate. Lá na frente, terá que botar o rabo entre as pernas.

Por fim, vale dizer que muita gente aqui nos blogs e nas redes sociais costumava cobrar o PT e os governos de Lula e Dilma pela falta de “politização” do debate. O Ministro Alexandre Padilha topou fazer a politização – no bom sentido. Comprou a briga de uma forma inteligente: não com discurso ou com promessas, mas com um programa concreto e palpável. O povão do interior e das periferias vai aos poucos entender quem é de direita no Brasil…

E do jeito que vai, essa direita vai levar tempo pra se recompor e voltar ao poder. Pelo voto, com esse tipo de reação infantil e atrasada, essa direita seguirá no gueto. Um gueto grande até, de 30% do eleitorado. Mas seguirá prisioneira do discurso do ódio. Um discurso derrotado pelos fatos e pela história.