18 de fevereiro de 2014

Mano Cae e The Globe


Quem gosta de MPB (aquela legítima, de alto nível), costuma acompanhar suas estrelas desde fins dos anos 1960. De Milton a Chico, passando por Caetano, Gil, Ivan Lins, João Gilberto, Tom Jobim (até quando era vivo, claro), etc. A foto aqui em cima é histórica.
Além da música, alguns deles ou muitos deles, se envolveram (ou foram obrigados a se envolver) com politica, por causa da Ditadura de Direita (leia-se Comando Americano), da perseguição que tiveram.
Talvez as letras do Chico Buarque nos anos 1970 tenham sido as mais reveladoras do que estava acontecendo.
Não foram  poucos os que - da mesma forma que muitos ativistas de movimentos clandestinos de resistência - tiveram que sair fora do país para escapar de uma possível prisão ou até mesmo "desaparecimento".
Me lembro que Gil e Caetano, entre outros, foram para Londres. Chico foi para a Itália.
Mas isso, se não é coisa do passado por continuar tudo muito vivo na mente e na preocupação de muitos, hoje a realidade desses artistas pode ser muito diferente.
Nem poderia ser de outra forma. A maioria se já fez ou se aproxima dos 70 anos e sua história de vida, se ainda não foi totalmente escrita, já tem muitos volumes interessantes a serem lidos ao longo do tempo que virá.
Gilberto Gil foi ministro de Lula, Chico participou das campanhas de Lula e Dilma, Ivan Lins deu interessantes declarações a respeito de um operário chegar ao poder e de como isso incomodava a muitos do alto da pirâmide, etc.
Caetano aparentemente virou um intelectual de Direita, isso quando consigo entender o que ele está querendo dizer e qual é afinal a sua posição. Só sei que foi contratado pelo Globo, aquele mesmo que fez uma espécie de "mea culpa" por apoiar a ditadura que quase desapareceu com ele e seus amigos.
Mudou o Caetano ou o Globo?
Para falar a verdade há muito tempo parei de ler os dois, mas através de alguns blogs soube que Caetano se voltou contra o jornal pela abordagem que fez, aparentemente detonando o deputado do PSOL com relação aos últimos acontecimentos. Caetano gosta do Freixo e  achou que pisaram no calo dele. Dele Caetano.
Foi nesse panorama que li um excelente artigo escrito pelo Fernando Brito, do blog Tijolaço, sobre o tema e resolvi reproduzir aqui na íntegra. Garanto que vale a pena ler. Gostem ou não de Caetano. Gostem ou não de MPB. Mas é mais delicioso ainda para quem gosta de ambos.

A Caetano, sobre O Globo: é tua a Queixa
Por Fernando Brito em 17/02/2014
"Eu não comentei o artigo de Caetano, ontem, queixoso de como O Globo tratava o Deputado Marcelo Freixo, do PSOL.

“Descobrir”, agora, que O Globo acusa sem provas, cria ondas linchatórias, pressupõe a culpa quando o culpado lhe desagrada, francamente, é um tanto tardio vindo de quem, como Caetano, foi brutalizado pela ditadura à qual O Globo serviu.

Nem vou comentar o editorial “neutro” do jornal, hoje, onde diz que fez a apuração dos fatos, agora, embora não a tenha querido fazer enquanto os blocs serviam de desgaste ao Governo a quem faz oposição.

Como os blocs, Caetano e Freixo serviram, não servem mais.

Como alguns leitores têm dito que ando meio irritadiço – às vezes é verdade, porque não sou um observador “neutro” da política, tenho lado e causa e não os escondo – vou me servir da poesia e deixar  que o genial e amado poeta Caetano Veloso faça, ele mesmo, a sua Queixa:

“Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza”

Pois é, Caetano, tem essa. O diabo não compra só um pedacinho da alma, leva o lote.

De repente, você achou feio tudo o que não era espelho e descobriu nos que sempre estiveram ao lado do passado e da opressão o canal da liberdade?

A esquerda que você e o Freixo renegaram nunca achou que vocês fossem os “culpados”.

"Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza"

Mas você não viu ou não quis ver o que havia nisso.

E isso é terrível num poeta.

Como cantou, tão lindo, o Chico, os poetas, como os cegos podem ver  na escuridão.

Estava escuro, é verdade, mas dava para ver onde o caminho ia dar. O pobre Santiago Andrade foi a pedra no meio do caminho, que doeu em todo mundo, mas  fez parar a loucura que é transformar a democracia que custou tanto a você e a mim – e que não se apaga de nossas retinas tão fatigadas  - num cenário de pedradas, máscaras e agressões.

Os “novos democratas” da mídia e das elites que sustentaram a brutalidade e hoje posam de “pós-modernos”, desprezando estes velhos brontossauros do nacionalismo, usaram a sua imagem – aquela que você achou linda, libertária, jovem – o quanto ela foi útil. Inútil agora, o Freixo vira bandido, para levar nas costas o peso da condenação por tudo do quanto se serviram.

"Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou"

Pois é, Caê, a vida é real e de viés e vê só que cilada o amor te armou, fez virar ao contrário teu verso “onde queres bandido eu sou o herói”.

Revolução não é um pano preto sobre o rosto. Não finda por ferir com a mão essa delicadeza, a coisa mais querida, a glória da vida.

Lembra do Herivelto Martins, que você cantou, tão lindamente? "Atiraste uma pedra/no peito de quem/só lhe fez tanto bem/e quebraste um telhado/perdeste um abrigo/feriste um amigo)/conseguiste magoar/quem das mágoas te livrou/e atiraste uma pedra/com as mãos que esta boca/tantas vezes beijou".

Não reclama, Caetano, mas age.

E não é aplaudindo, é cobrando, pedindo, exigindo, do jeito que só os poetas sabem fazer, e que eles, homens duros da direita, detestam.

Porque o sonho tem hora que não pode ser apenas sonhado, mas feito. Com pó, pedrisco, farpa, cansaço, erro, até dor. E a gente precisa de poesia para não se afundar sem olhar o céu enquanto lavra o chão.

Volte pra cá, Caetano, porque a gente já não pode nem quer ir embora , não quer dar mais o fora.

Dona Canô, que te mandou pro mundo, era sabida.

“Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos que nunca se esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm.”

Termina a música do Herivelto, Caetano, por favor.

Não turve a água desta corrente por onde o povo brasileiro avança, essa água que um dia, por estranha ironia, tua sede matou."

Fonte: Tijolaço

4 comentários:

Luiz Felipe Muniz disse...

O Caetano precisava disso faz tempo!

Mas não tenho qq esperança de que mude a rota da opção já dita e lastreada mundo afora...menino de estórias ricas...ainda assim os egos do entorno não permitirão ao poeta vir à tona e retomar os rumos da prosa!

Luiz Felipe Muniz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Junior disse...

Definitivamente não tenho mais saco para ler Caetano. Virou um mala. E nem falo isso ideologicamente.
E suas músicas só do início da carreira até a metade da década de 1970.

Marcos Oliveira disse...

Concordo com ambos.