29 de junho de 2009

Veja o que pensa o Muniz Sodré sobre a desregulamentação da profissão de jornalista pelo STF



DIPLOMA DESNECESSÁRIO

Um fim prenunciado
Por Muniz Sodré

Houve quem ficasse ofendido com a comparação, feita pelo ministro Gilmar Mendes, do jornalista ao chefe de cozinha. Em princípio, não há motivo para zanga. No geral, além de ganhar melhor do que o comum dos jornalistas, chefe de cozinha é profissão em alta, com requintes que só se obtêm com mais anos de prática do que o tempo médio de um curso universitário. Depois, "cozinha" é como na velha gíria das redações se designavam as funções de retaguarda (copydesk, editorias etc) na produção do jornal. Nessa cozinha, costumava-se também ganhar mais do que na reportagem.
Muito provavelmente não é flor desse campo semântico a metáfora do ministro Mendes. Parece-nos mais o resultado de uma noção imprecisa do que se faz na mídia e na cozinha dos restaurantes. O melindre deve-se na certa à suspeita de que a metáfora seja índice do milenar desprezo do trabalho intelectual pelo manual. Há razões para isto: num país em que a tradição escravagista permanece em tantos corações e mentes, a cozinha é conotada como lugar de servos ou subalternos.
De fato, não podemos honestamente afirmar, apenas suspeitar, sobre o que ia na alma dos preclaros ministros que acabaram com a obrigatoriedade do diploma de jornalista. Um deles mencionou a falta de "verdade científica" no jornalismo. Para algumas pessoas, inclusive professores universitários, foi um toque de pós-modernidade – a desregulamentação das corporações anda de mãos dadas com o capitalismo cognitivo, este que transforma o conhecimento em principal força produtiva. Ao que sabemos, isto caracteriza os países do Norte, exportadores de tecnologia. Assim, cabe perguntar aos entusiastas a que região do Hemisfério Sul já chegou esse capitalismo, uma vez que aquilo que ainda parece vigorar é o capitalismo coercitivo, o mesmo que, aumentando a produção de alimentos, aumenta simultaneamente a fome no mundo: mais de 1 bilhão de famélicos é a conta oficial neste 2009.

Salve-se-quem-puder

Cabe também perguntar aos apressados teóricos desse capitalismo se, por coerência, aceitariam a desregulamentação do estatuto que lhes garante estabilidade como professores de universidade pública. Ou, então, auscultar os preclaros juízes sobre se, respeitando esse espírito do tempo, concordariam com o fim da vitaliciedade de sua função, senão com a sua eleição por parte da comunidade. A internet seria aí de grande valia.


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