2 de abril de 2014

João Vicente Goulart: Washington estava disposta a dividir o Brasil para garantir o golpe



por Luiz Carlos Azenha
"Cinquenta anos depois do golpe de 1964, ainda há muitas vozes a ouvir, documentos a obter e avaliar e tramas a desenrolar.
Da direita midiática podemos esperar, sempre, muita fumaça. Por que? Porque ela, que se diz encarregada de informar a sociedade brasileira pairando nas nuvens da neutralidade, participou tanto da conspiração quanto do golpe — ou financiando, ou dando voz àqueles que derrubaram um presidente constitucional.
João Vicente Goulart, o filho do líder deposto, é hoje um homem de 57 anos de idade. Tinha, portanto, apenas 7 quando tudo aconteceu. Porém, talvez ninguém no Brasil tenha se preocupado tanto em entender a trama quanto ele, em nome da memória do pai.
Hoje João Vicente está convicto de que o pai poderia sair candidato nas eleições de 1965 e tinha forças políticas para fazê-lo. Ia enfrentar dois candidatos muito fortes, especialmente o ex-presidente Juscelino Kubistchek, mas também o direitista Carlos Lacerda.  Enquanto este foi golpista desde sempre, JK pairou sobre o muro, da mesma forma que Eduardo Frei fez no Chile antes do pinochetazo que matou Salvador Allende. Tudo por oportunismo político.
Porém, pesquisas da época demonstram que tanto Jango quanto sua política econômica quanto as reformas de base propostas por ele tinham alguma sustentação popular.
A direita brasileira, quando fala de 64, também costuma descartar a importância do apoio dado pelos Estados Unidos, alegando que afinal os norte-americanos nem precisaram intervir militarmente. O fato, porém, é que os golpistas só agiram como agiram por terem plena consciência de que contariam com o eventual apoio dos Estados Unidos.
Agora sabe-se que desde 1962 o presidente John Kennedy perguntava ao embaixador dos Estados Unidos no Rio, Lincoln Gordon, sobre possíveis ações contra Goulart. Fez isso, inclusive, em conversa gravada na Casa Branca.
Quem conhece a política dos Estados Unidos tanto quanto conheço, com 20 anos de experiência jornalística por lá, sabe que o grande fantasma de qualquer líder norte-americano, de qualquer partido, é ser visto como “fraco” em política externa.
George Bush, o pai, sofria do chamado “wimp factor” até autorizar a invasão do Panamá, mas nem isso nem a primeira guerra contra o Iraque foram suficientes para garantir a ele um segundo mandato — por causa do estado da economia, perdeu de Bill Clinton.
Harry Truman “perdeu” a China durante seu segundo mandato, mas não tinha nada a provar a ninguém àquela altura: tinha jogado bombas atômicas no Japão sob a alegação de que com isso o fim da Segunda Guerra, no Pacífico, seria acelerada.
Porém, justamente por ter “perdido” a China, não titubeou um segundo sequer na Coreia: despachou tropas norte-americanas para a Península sob a cobertura de uma força internacional da ONU.
A pressão sobre John Kennedy, quando este assumiu a Casa Branca, era enorme. Os generais queriam escalar a guerra no Vietnã — o que o substituto dele, Lyndon Johnson, faria –, mas Kennedy relutou. O fato de que não autorizou cobertura aérea dos Estados Unidos à má sucedida invasão da baía dos Porcos, em Cuba, custou a Kennedy ódio entre alguns falcões do Pentágono.
Perder o Brasil, para Kennedy, seria o mesmo que perder a China. Só que o Brasil ficava no que os norte-americanos viam como seu quintal.
É preciso olhar desta perpectiva para entender o engajamento dos Estados Unidos no golpe de 64, de forma aberta e encoberta.
É preciso entender que a cadeia de comando da Casa Branca sobre o Pentágono, indiscutível em público, é tênue nos bastidores. Oliver Stone, em seu documentário Untold History of the United States, chega a dizer que Kennedy sugeriu que corria o risco de tomar um golpe. Acabou assassinado.
Ninguém sabe exatamente o que aprontou Vernon Walters quando era adido militar da embaixada dos Estados Unidos no Rio, no mesmo período.
Walters era homem de inteligência. Foi o contato dos militares dos Estados Unidos com Castello Branco quando este serviu à Força Expedicionária Brasileira na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, sob comando do exército norte-americano.
Estive com Walters em Bonn, então capital da Alemanha Ocidental, quando ele era embaixador dos Estados Unidos no país. Gravamos sobre a FEB. O então diplomata fez muitos elogios a Castelo e contou causos sobre nossos pracinhas, que chegaram despreparados para o inverno europeu. Walters emprestou a eles os agasalhos usados pelos gringos.
Porém, quando tentei conversar sobre o golpe de 64, Walters calou-se. Falou generalidades. É óbvio que nunca admitiu que foi ele, Walters, quem intermediou a benção dos Estados Unidos a Castelo, “confiável” aos olhos de Washington.
Estou certo de que o nome de Walters se esconde nos documentos sobre o golpe já divulgados nos Estados Unidos (alguns dados são encobertos por tinta preta, por motivos de segurança).
É lógico que enquanto Gordon, o embaixador, cuidava do trânsito entre os civis, publicamente, Walters trabalhava os bastidores, em segredo.
Dinheiro sempre foi uma arma poderosa e é certo que, se um dos dois trabalhou pelo trânsito de dólares, foi o homem da espionagem.
Se alguma dúvida havia sobre a mudança do alinhamento internacional do Brasil depois do golpe, ela foi desfeita em 1965. O país de Jânio Quadros, que havia condecorado Che Guevara, ou de João Goulart, que visitara a China, mandou soldados brasileiros para apoiar os fuzileiros navais dos Estados Unidos que invadiram a República Dominicana. Foi para combater a reforma agrária e a nacionalização de empresas estrangeiras!
Do ponto-de-vista de Washington, valeu ou não a pena ter investido no golpe?"

2 comentários:

Anônimo disse...

O esforço da velha mídia para justificar o apoio à ditadura

Por Lúcio Centeno, especial para Escrevinhador

Justificar o injustificável. Esse é o esforço que parte da grande mídia tem feito ao nos aproximarmos do cinquentenário do Golpe civil-militar no Brasil. Aproveitando o marco dos 50 anos, o oligopólio das comunicações, ainda que envergonhadamente esboça uma tentativa de acerto de contas histórico com o povo brasileiro.

No entanto, cabe ressaltar que cada conglomerado da mídia nacional tem adotado uma tática distinta, para responder a mesma questão: como uma empresa de comunicação, que arrota aos quatro ventos o valor da democracia, justifica o apoio incontestável à uma ditadura em seu próprio país?

O Globo se antecipou aos demais e deu a largada de forma muito astuciosa. Um dia após o Levante Popular da Juventude denunciar o império midiático, jogando merda em suas sedes em vários estados, o jornal lançou um editorial reconhecendo o apoio do jornal ao Golpe, e classificando essa postura como um erro.

A tática do Globo foi a da delação premiada, assumiu a culpa de forma antecipada e delatou seus concorrentes: “O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns.” A confissão de culpa e a denúncia dos demais órgãos como cúmplices da ditadura, foi a estratégia encontrada para a atenuação do seu crime.

Ao realizar essa jogada, a Globo não tinha muito a perder. Depois de ser alvo preferencial nas manifestações de Junho (A Verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura!), o reconhecimento público do apoio editorial ao golpe não poderia lhe render maiores prejuízos. No entanto, esse movimento colocou as demais empresas de comunicação numa situação constrangedora. Como não se pronunciar após isso?

O Grupo RBS, através do jornal Zero Hora, diante desta sinuca, utilizou também uma tática bastante sofisticada. Em sua edição do dia 30 de Março, publicou um caderno especial, cujo eixo central é destacar o apoio civil ao Golpe Militar. Deste modo dedica cada página para um determinado segmento da sociedade civil, que deu sustentação política a ruptura da ordem democrática. Cita o papel de parcelas da intelectualidade, da Igreja, de empresários, políticos, setores estudantis eis que ao final do Caderno surge o papel da imprensa.

O raciocínio que a RBS tenta imprimir aos seus leitores é em certo sentido parecido com o que O Globo fez: Nós apoiamos, mas não o fizemos sozinhos. O diferencial é que o discurso do periódico gaúcho tenta “sociologizar” o apoio ao Golpe, ou seja, busca encontrar as condições sociais e políticas que levaram parcelas da sociedade, incluindo a imprensa, a se engajar contra a ordem democrática.

Curiosamente este apelo à complexidade da realidade, se dá neste caso em que ela é ré. Para todos os demais casos, é conveniente para a grande imprensa explicar a realidade com fórmulas simples (Manifestantes = Vândalos; Venezuela = Ditadura; estatal = ineficiente; mercado = eficiente; democratização da mídia = censura), pois assim é mais fácil produzir sentenças políticas.

No texto, ZH afirma que “praticamente todos os grandes jornais” revisaram sua posição após dezembro de 1968 – leia-se edição do AI-5 – quando o regime endureceu ainda mais. É falso, sobretudo, falso no que diz respeito ao diário da família Sirotsky. Alguém duvida?

Durante o ano de 68 o jornal publicou diversas capas divulgando apoios ao AI-5. No ano seguinte, ZH engajou-se na promoção do general Médici, o mais tirânico dos governantes ditatoriais. Em outubro de 1969, outro editorial sob o título “Nova Etapa” adianta que “o Terceiro Governo da Revolução não vem com planos demagógicos mas para dar sequência natural ao movimento de 64 institucionalizando-o definitivamente (…)”

Anônimo disse...

A Folha de S. Paulo, no editorial de página inteira publicado também no dia 30 de março, monta uma argumentação semelhante a de ZH, mas é ainda mais explícita no seu objetivo de sustentar uma explicação relativista sobre o que levou a Folha a se engajar em favor do Golpe: ”Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais”. Ou seja, a responsabilidade não é inteiramente do jornal, mas das “condições bem mais adversas”.

Além de buscar a absolvição no relativismo histórico (“Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”, sim os nazistas também partiram dessa premissa), a Folha recorreu a outros recursos argumentativos: “Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país.”

O editorial atribui em certa medida aos militantes de esquerda a “precipitação do regime”. Ou seja, às vítimas do regime, aqueles que lutaram contra a Ditadura, são em certa medida responsáveis por sua própria tragédia, e mais, pelo enrijecimento do regime. Para a Folha propor reformas de interesse popular dentro da ordem constitucional é forçar “os limites da legalidade”. Se isso é forçar “os limites da legalidade”, como classificaríamos o empréstimo ao aparelho repressivo de carros de distribuição do jornal Folha da Tarde, do próprio grupo Folha, para emboscar militantes políticos?

Por fim, temos o editorial do Estado de S. Paulo, que excetuando algumas frases e o tempo verbal, poderia ser extraído de alguma edição de 64. Nem o cinquentenário do Golpe, ou o distanciamento histórico permitiram ao Estadão assumir o erro do apoio editorial aos militares. Preferiu dar destaque para a “ameaça comunista”.

Como é difícil lidar com uma verdade dura. O oligopólio da comunicação brasileira tentou omiti-la, negá-la, as vezes justificá-la, as vezes flexibilizá-la, mas nós sabemos que a Verdade é dura, a imprensa apoiou a Ditadura!

http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/o-esforco-da-velha-midia-para-justificar-o-apoio-ao-golpe.html