29 de abril de 2014

Análise do julgamento do "Mensalão", segundo Lula e Paulo Nogueira

Quem desmoralizou o STF foi o próprio STF
Por Paulo Nogueira no Diário do Centro do Mundo em 29/04/2014

"Você pode discordar da porcentagem utilizada por Lula para definir o que foi o julgamento do Mensalão.

Lula falou em 80% de critérios políticos e 20% de critérios jurídicos.

O que não dá, a não ser que você seja um fanático antipetista, um caçador de petralhas, é discordar de que os juízes se pautaram muito mais pela política do que pela justiça em si.

O julgamento foi político do início ao fim. Você começa pelo empenho em juntar quarenta réus com um único propósito. Fornecer à mídia – visceralmente envolvida na politização do julgamento – a oportunidade de usar a expressão “Ali Babá e os quarenta ladrões”.

Outras coisas foram igualmente absurdas. Por que, em situações juridicamente semelhantes, Eduardo Azeredo do PSDB percorreu o caminho jurídico normal e os réus do Mensalão foram direto ao Supremo, sem chance, portanto, de outras instâncias?

E depois, como classificar a Teoria do Domínio do Fato, que dispensou provas para condenar?

E a dosimetria, pela qual, numa matemática jurídica abstrusa, condenados tiveram penas maiores do que o assassino serial da Noruega?

Num gesto cínico bizarro, o ministro Marco Aurélio de Mello disse que o STF é “apartidário” para rebater as afirmações de Lula.

Quem acredita nisso acredita em tudo, como disse Wellington. Um simples olhar para Gilmar Mendes – que até a jornalista Eliane Cantanhede num perfil classificou como tucano demais destroi o “apartidarismo”.

O STF se desmoralizou não porque Lula falou nos 80%, mas pelo comportamento de seus juízes.

Ou eles estavam zelando por sua honra e prestígio ao posar festivos ao lado de jornalistas “apartidários” como Merval Pereira e Reinaldo Azevedo, como se entre mídia e justiça não houvesse um problema de conflito de interesses?

E quando emergiram as condições em que Fux conquistou seu lugar no STF com o famoso “mato no peito” depois de uma louca cavalgada na qual se ajoelhou perante Dirceu?

A completa falta de neutralidade do STF se estenderia para além do julgamento. Como classificar a perseguição de Joaquim Barbosa a Dirceu e a Genoino?

E a tentativa de negar o direito aos chamados recursos infringentes fingindo que a Constiuição não previa isso? Apartidarismo?

Um argumento falacioso que se usa a favor do STF é o seguinte: mas foi o PT quem tinha indicado a maioria dos juízes.

Ora, então indicou mal, a começar por Barbosa, nomeado por Lula. Eles foram antipetistas estridentes a despeito de terem sido nomeados pelo PT.

Seria horrível se agissem como petistas, é claro. Mas foi igualmente horrível terem se comportado como antipetistas.

O que a sociedade queria, ali, era uma coisa chamada neutralidade, uma palavra muito usada hoje por conta do Marco Civil da internet.

Outro argumento desonesto é o que estica os dedos acusatórios para Lewandowski. Ora, Lewandowski não emplacou uma. Foi voto vencido sempre que se contrapôs à manada.

Entre os juízes da primeira leva, foi o único que se salvou, e isto provavelmente vai ficar claro quando a posteridade estudar o Mensalão.

Se pareceu petista foi porque o ar estava viciadamente antipetista. Era como no passado da ditadura: num ambiente tão anticomunista, todo mundo era comunista.

O STF é hoje um arremedo de corte suprema, mas por culpa sua, e apenas sua.

O Mensalão deixou claro, ao jogar luzes sobre o STF, que uma reforma na Justiça é urgente para que o Brasil possa avançar."

Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Um comentário:

JMA disse...

Joaquim Barbosa falou uma verdade

Enviado por Miguel do Rosário on 29/04/2014

Finalmente Joaquim Barbosa falou uma verdade. De fato, Lula não entende nada de Judiciário. A prova disso é que nomeou Joaquim Barbosa, um homem notoriamente despreparado, em todos os sentidos para exercer o cargo que ocupa hoje.

A declaração de Lula, de que o julgamento do mensalão foi 80% político e apenas 20% jurídico, e que “não houve mensalão”, mobilizou os golpistas de sempre. Primeiro veio o Marco Aurélio Mello, aquele mesmo que até hoje acha que a ditadura foi “um mal necesssário“.

Depois veio Gilmar Mendes, o melhor amigo de Daniel Dantas, o banqueiro que MP e STF blindaram desde o início das investigações sobre o mensalão.

Ayres Brito, presidente do Supremo durante a maior parte do julgamento da AP 470, jogou no lixo a sua reputação em troca de uns afagos da Globo. É dele a declaração de que a Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos (Visanet) é uma empresa do setor público porque tem “brasileira” no nome… Eu capturei esse vídeo e fiz um post em homenagem a ele.

Brito ganhou um prêmio por sua participação na farsa. É hoje presidente do instituto Innovare, uma iniciativa da Globo para manietar o Judiciário.

A opinião de Lula sobre o julgamento do mensalão não merece nenhum repúdio. Merece aplausos, isso sim, pois é partilhada por inúmeros juristas e cientistas políticos, de variadas correntes ideológicas. Ou Barbosa já esqueceu que o uso da Teoria do Domínio do Fato para condenar Dirceu foi duramente criticada até mesmo pelo mais direitista de todos os juristas brasileiros, o indefectível Ives Gandra?

Por quanto tempo a mídia esconderá que existem críticas sérias à Ação Penal 470, e que estas críticas deveriam ser apresentadas ao grande público?

As declarações de Lula caíram como bomba sobre a mídia, porque qualquer crítica ao julgamento do mensalão é uma ameaça à sua credibilidade, visto que todos sabem o papel que ela desempenhou nesse processo.

É preciso deixar claro, todavia, que decisões judiciais devem ser cumpridas, mas isso não significa que não devem ser debatidas, questionadas ou criticadas. Pretender que uma decisão judicial seja um édito real numa monarquia absoluta, aí sim, é negar o espírito democrático.

Lula tem o direito de criticar o quanto quiser uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso é democracia. A literatura e a cinematografia jurídicas estão repletas de casos de erros judiciais. Há dezenas de filmes e livros, baseados em fatos reais ou ficcionais, sobre erros judiciais, motivados ou por erros involuntários, ou por mau caratismo e incompetência de juízes, advogados e promotores.

O próprio Joaquim Barbosa não criticou acerbamente a decisão do plenário do STF de inocentar os réus da Ação Penal 470 do crime de quadrilha? Aí sim, houve uma ultrapassagem dos limites, porque Barbosa tentou desqualificar seus próprios pares. E ainda lançou um ridículo e golpista “alerta à nação”.

Quando o STF toma decisões contrárias aos interesses da mídia, a imprensa amanhece repleta de críticas ao STF. Aconteceu quando o plenário aceitou os infringentes, e aconteceu quando inocentou os réus do crime de quadrilha. Editoriais e colunas teceram duras críticas à decisão do STF. Só eles podem criticar o STF? Só se pode criticar o STF quando isso interessa à mídia? Quando não interessa, é um sacrilégio, um crime contra democracia?

Lula pode não entender de judiciário, mas entende de política. Se ele decidiu atacar a Ação Penal 470 é porque entendeu que o momento é adequado e que existe uma massa crítica insatisfeita e revoltada com o resultado do julgamento. Modestamente, nós, da blogosfera, contribuímos para o crescimento desta massa crítica. Segundo uma fonte do próprio PT, cerca de 15% dos eleitores de Dilma Rousseff passaram a ver o julgamento do mensalão como político e midiático. Até pouco tempo, esse índice deveria ser de menos de 5%.

O jogo já começou a virar?

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