20 de agosto de 2014

O twitter do Bonner contra os "robôs", "corruptos" e "blogueiros sujos" e o artigo do Luiz Carlos Azenha


Publicitário William Bonner, nosso Lou Dobbs, mostra que é bom de marketing
por Luiz Carlos Azenha

"Por um tempo Carlos Nascimento alimentou a ideia de que se tornaria âncora do Jornal Nacional. Na minha primeira passagem pela emissora, nos anos 80, acompanhei de perto a trajetória dele. Boa presença no vídeo, boa voz e, acima de tudo, experiência na rua. É conversando com as pessoas, no dia-a-dia, que nascem os bons entrevistadores. O mesmo aconteceu com Ana Paula Padrão, com quem só tive contato muito mais tarde, na TV Record. Foi correspondente, interagiu com entrevistados mundo afora.

Do casal 20 da Globo se dizia o seguinte, na minha segunda passagem pela Globo, no Rio de Janeiro, a partir de 1999: Fátima Bernardes tinha chacoalhado nas viaturas, amassado barro e subido morro. William Bonner, não. Tive pouco contato com ele. Ao analisar as reportagens que seriam exibidas no Jornal Nacional, aprovadas pessoalmente por ele, Bonner era preciosista, focava nos detalhes.

Havia um toque de masoquismo naquele ritual de espera diário na redação: o imperador diria sim ou não ao seu trabalho!

Escapava-lhe a contextualização. O foco no subsidiário — na gramática, por exemplo — permitia que não se discutisse o essencial.

Talvez seja um mecanismo de defesa. Na Globo o profissional tem autonomia até a página 2. A estrutura é altamente hierarquizada. Até as entradas ao vivo são aprovadas antecipadamente, ou pelo menos eram quando eu estava lá. A margem de manobra dos repórteres é reduzidíssima.

Só ascendem a cargos de chefia — o de Bonner é um deles — os que são de extrema confiança do patrão. Por comparação, em outras emissoras nas quais trabalhei as reclamações sempre foram posteriores: Manchete, SBT e Record. “Ah, o Azenha não deveria ter dito aquilo que disse”, um chefe eventualmente observa. Mas, no frigir dos ovos, quem manda mesmo é o dono. É o patrão — ou seus prepostos.

William Bonner tem a mesma alma matter que eu: a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Formou-se em Publicidade e Propaganda. Outros repórteres da Globo, como Alberto Gaspar e Ernesto Paglia, foram meus contemporâneos na faculdade de Jornalismo.

A ECA era uma boa escola, de professores e estudantes questionadores, que foi se voltando aos poucos para servir “ao mercado”. Acho uma perda. Escrever bem ou aparecer direito na TV a gente pode aprender aos poucos, nas ruas, ganhando experiência. Mas a formação em História, Filosofia, Lógica e Ciências Sociais, dentre outras disciplinas, essa não tem preço. É a alma do Jornalismo. É o espírito crítico.

No caso de Bonner, no entanto, a formação em Publicidade e Propaganda parece ter muita solidez.

Às críticas que recebeu nas últimas horas ele respondeu com uma mensagem de deixar qualquer marqueteiro encantado: no twitter, em uma só frase, juntou robôs (deve ter se inspirado na famosa reportagem de Veja, que ao ser pega em conluio jornalístico com o bicheiro Carlinhos Cachoeira atacou ‘aranhas, robôs e comunistas’), corruptos insatisfeitos e blogueiros sujos (adotando, aqui, designação formulada por um dos grandes amigos dos patrões da Globo, o candidato a senador José Serra).

Como bom marqueteiro, Bonner desqualificou as críticas que recebeu ligando-as a  gente previamente criminalizada pela mídia. Não debateu o mérito.

Abandonou o preciosismo que é sua marca, de forma oportunista.

Um preciosismo do qual ele se vale muitas vezes para julgar o trabalho de colegas.

O preciosismo que ele tanto ama e que, nas últimas horas, foi expresso de forma estatística na rede:



Ou, de Ricardo Amaral, no Conversa Afiada:

Dos 16 minutos cronometrados [da entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo], Dilma falou 10 minutos e meio; [o apresentador William] Bonner, 4 e meio, e Patrícia [Poeta, a apresentadora] quase 1 minuto. Dá 65% para ela e 35% para eles. Dilma pronunciou 1.383 palavras, contra 980 da dupla (766 só do Bonner), o que dá 60% x 40%. Isso é escore de debate, não de entrevista. A dupla encaixou 26 acusações ao governo e ao PT; algumas, com ponto de exclamação. Nos quatro blocos temáticos (corrupção, mensalão, saúde e economia) Bonner lançou no ar 13 pontos de interrogação, e Patrícia, dois. A presidenta foi interrompida 19 vezes. Tomou dedo na cara de Bonner e de Patrícia, que reclamou de uma resposta com um soquinho na mesa. Isso não é comportamento de jornalista. Na entrevista com Aécio Neves – que muitos acharam “dura”, embora tenha sido apenas previsível – a dupla fez quatro interrupções e cinco reiterações de perguntas.

Ou, da Márcia Cunha, no Facebook, reproduzindo a Mídia Ninja:

O tom inquisidor de William Bonner na entrevista com Dilma no Jornal Nacional de hoje mostrou, em alguns minutos, como a imprensa brasileira atua há séculos para criar e manipular suas verdades. Na primeira pergunta, com mais de um minuto de duração, o âncora usou sete vezes a frase “Escandalo de Corrupção”. É pela repetição, aquela mesma usada pelo publicitário do nazismo Joseph Goebbels, que se funda a percepção da realidade.

Quando eu, Azenha, era um repórter já maduro na TV, tive o prazer de conviver, na excelente redação do Globo Repórter — acreditem, a Globo tem excelentes profissionais, de altíssimo nível, que só não nomino para não colocá-los sob risco de demissão — com Ana Helena Gomes.

Uma editora de primeira categoria, uma documentarista sensível, ao mesmo tempo doce e ácida, como acredito que devam ser os jornalistas.

Numa viagem ao Nordeste, para gravar um Globo Repórter sobre poligamia, ela me chamou de lado e observou, usando mais ou menos as seguintes palavras: “Azenha, você está muito afoito. Está apertando demais o entrevistado. Querendo arrancar dele tudo na primeira pergunta. Colocado na defensiva, ele não vai revelar nada. Tem de ‘tourear’ o entrevistado. Fazer com que ele se sinta seguro ao seu lado. Uma boa entrevista é quando você envolve o entrevistado de tal forma que ele acabe se entregando”.

Sábias palavras. Obrigado, Ana Helena, pela sabedoria!

Nunca mais fui o mesmo. Obviamente, levei anos para aprender as lições básicas da entrevista, aprendendo cotidianamente com observações de colegas como Jotair Assad, Alexandre Alencar e Vanda Viveiros de Castro. Tentei absorver todas as críticas, mas nunca cheguei lá.

Admiro quem sabe fazê-lo quase que naturalmente, por um dom de nascença: os ex-globais Carlos Dornelles e Arnaldo Duran, por exemplo, ou o Gérson de Souza e o Caco Barcellos.

Os quatro são de tal forma envolventes que, depois de 15 minutos de conversa, você é capaz de comprar o carro usado deles por uma fortuna.

Nós, telejornalistas, somos tratados como repórteres de segunda classe pelo pessoal que trabalha em jornal e revista, que não precisa se preocupar com a captação de imagens e tem a garantia de anonimato para coletar informações. Nosso desafio, o dos telejornalistas, é conseguir arrancar alguma coisa do entrevistado com a presença intimidadora de uma grande equipe, de luzes e microfones.

É tarefa árdua, delicada, ainda mais quando exige que o entrevistador não apareça mais que o entrevistado. Pelo menos eu não confundo jornalismo agressivo com jornalismo agressor.

Barbara Walters, a grande entrevistadora da TV dos Estados Unidos, nunca, jamais, perdeu a linha. Era dura com uma leveza admirável. Tinha o dom.

Porém, em tempos mais recentes, com o desafio da internet, nosso meio mudou.

As emissoras querem telejornalistas que sejam, eles mesmos, personagens. Que sejam mais importantes que a própria notícia.

Nos Estados Unidos, isso não é novidade. Lou Dobbs, da CNN norte-americana, foi um dos primeiros âncoras a abraçar uma causa. Quando eu morava em Nova York, ouvia as diatribes diárias dele contra “the illegal alliens”, os alienígenas ilegais. Era como se todos os problemas sociais dos Estados Unidos fossem causados pela entrada de imigrantes mexicanos ou dominicanos. Justamente no momento em que o presidente direitista Ronald Reagan, este sim, destruia sindicatos, salários e direitos sociais. Com apoio da CNN.

Os imigrantes eram, portanto, alvo fácil, a “escória”, da mesma forma que hoje a direita brasileira elegeu “os corruptos” como nosso grande mal, desde que não sejam corruptos privados, como os irmãos Marinho, multados em 600 milhões de reais pela sonegação de impostos na compra dos direitos de TV nas Copas de 2002 e 2006.

Para assumir seu papel de herói da causa, nos Estados Unidos, Dobbs mascarava a realidade. Não contava toda a história.

Assim como Bonner não fala na multa da Globo, Dobbs escondia o contexto:

1. Com o acordo comercial fechado com os Estados Unidos, o NAFTA, o milho norte-americano e outros produtos agrícolas começaram a invadir o mercado mexicano, destruindo a agricultura local e acelerando a imigração;

2. Os imigrantes ilegais cumpriam, nos Estados Unidos, o papel de calibrar para baixo o salário dos trabalhadores em geral, especialmente os do campo.

Dobbs cumpriu direitinho o papel que o dono da CNN esperava dele, o de atrair telespectadores de extrema-direita, preocupados com o fato de que os brancos logo deixariam de ser maioria nos Estados Unidos, ameaçados pela demografia.

No Brasil, o compromisso de Bonner é o de “render” credibilidade ao jornalismo de seus patrões. É uma espécie de ‘caçador de marajás’ da própria casa.

Como escrevi anteriormente, Bonner faz isso para mascarar a verdade factual de que a Globo apoiou a ditadura militar, interferiu e interfere no processo eleitoral, atribui a si própria o papel de ‘árbitro’ da política brasileira — apesar de ter conspirado contra a democracia — e exerce um monopólio midiático praticamente desconhecido em qualquer parte do mundo.

Gente do Executivo, do Judiciário e do Legislativo brasileiros já se deu conta de que não poderá viver eternamente sob a ameaça do assassinato de caráter jornalístico praticado pelos Marinho.

Bonner é um biombo dos patrões para evitar que se faça com eles o que uma das mais sólidas democracias liberais do mundo, a do Reino Unido, fez com o magnata Rupert Murdoch. Com apoio da rainha “chavista” Elizabeth, foram colocados limites claros à atuação da mídia eletrônica, com direito dado ao telespectador de abrir investigações através de formulários na internet e previsão de penalidades inclusive para conteúdo desequilibrado.

No plano profissional, se estamos tratando exclusivamente de técnicas de entrevista, Bonner não deveria se preocupar com o fato de que se formou em Publicidade e Propaganda, não em Jornalismo na ECA.

Não devemos ser preconceituosos quanto a diplomas.

Talvez fosse o caso de Bonner revisitar os arquivos da própria Globo, para consultar todas aquelas entrevistas que fez como repórter de rua. A partir disso, de forma humilde, o imperador talvez reconhecesse que é possível melhorar. Ou será que ele nunca fez uma única e mísera reportagem de rua?"

Fonte: Viomundo

2 comentários:

Anônimo disse...

O Entrevistador

Bonner, com a série de entrevistas com os candidatos à presidência, talvez não faça ideia do risco que corre.

Sua agressividade deu a elas — às entrevistas — uma dimensão muito acima do que você poderia imaginar em sabatinas na Globo.

Justiça seja feita: a agressividade esteve sempre presente. Não foi seletiva. O que foi diferente foi a reação dos entrevistados.

Aécio, por ser o primeiro da fila, foi claramente surpreendido, e pagou o preço disso com respostas titubeantes e evasivas.

Dilma já sabia o que a esperava, e se preparou para a pancadaria.

Bonner, em suma, virou notícia.

Numa empresa familiar, isto pode ser fatal.

A regra de ouro em empresas familiares é a seguinte: não brilhe mais que seu patrão, ou você está frito.

Em meus dias de editor da Exame, era comum darmos capas com executivos que estavam fazendo grandes transformações em empresas familiares.

Dias, semanas depois, vinha a notícia: o dono demitiu nossa capa.

Ciúme.

Na Globo, isso é ainda mais acentuado.

Não basta à família Marinho ter total controle sobre o que é dito ou não dito no Jornal Nacional.

É preciso que todo mundo saiba disso.

O jornalista Evandro de Andrade, que dirigiu o Globo e o telejornalismo da empresa, sabia perfeitamente disso.

Em sua biografia sobre Roberto Marinho, Bial conta que Evandro conseguiu o cargo de editor do Globo depois de garantir ao patrão que era “papista”.

Isso queria dizer o seguinte: o Papa Roberto mandou, está mandado. Não se discute.

Evandro jamais apareceu, porque o papismo não admite dupla autoridade. Por isso chegou aonde chegou. E por isso só saiu da Globo morto, num caixão.

No Estadão, nos anos 1990, Augusto Nunes desafiou a regra das empresas familiares. Tinha assumido fazia pouco tempo o jornal, e topou ser capa da revista Veja São Paulo. Aparecia como uma espécie de salvador dos Mesquitas. Aquela capa foi seu epitáfio no Estadão. Dias depois, estava fora.

O telejornalismo da Globo nunca teve um âncora exatamente por esse motivo. Um âncora se destaca, ganha notoriedade, autonomia, e pode falar coisas que os Marinhos não querem que sejam ditas.

Bonner é uma extensão modernizada de Cid Moreira. Dá a impressão de ter mais conteúdo, mas no fundo o que faz é ler.

E é assim que ele sempre foi visto, dentro e fora da Globo: um leitor de notícias que escrevem para ele.

Esta série inusual de entrevistas muda a forma como Bonner é visto fora da Globo.

Ele ganhou estatura. Parece ter uma influência que ninguém jamais enxergou nele.

É certo que nenhuma pergunta que ele fez e fará aos candidatos escapou do crivo e da aprovação dos Marinhos, nos bastidores.

Mas isso o mundo exterior ignora. E de repente Bonner parece, para a voz rouca das ruas, ter o tamanho de um Shaquille O´Neal.

Isso atrairá a ele, internamente, doses copiosas de raiva e inveja.

Começa no seu chefe, mas vira um problema mesmo quando chega ao acionista.

O maior risco, para Bonner, será acreditar que pode voar. Não pode. Só poderia se a emissora fosse sua.

Ou se a Globo não fosse, como é, um papado, como entendeu tão bem Evandro de Andrade.

Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo

Saul Leblon no Carta Maior disse...

A isenção parece não representar mais um valor passível sequer de ser simulado pelo maior oligopólio midiático, que se arroga o papel de um poder moderador.

á alguma coisa de profundamente errado com a liberdade de expressão num país quando, a cada escrutínio eleitoral, a maior preocupação de uma parte da opinião pública e dos partidos, do início ao fim da campanha, não é propriamente com o debate de ideias, mas com o impacto da ‘emboscada midiática’.

Não se duvida de que ela virá.

Apenas se especula como e com que intensidade a maior emissora de televisão do país — seus satélites e assemelhados — agirá na tentativa de raptar o discernimento do eleitor, sobrepondo-lhe denúncias, recortes e interditos da exclusiva conveniência dos interesses que vocaliza.

Carta Maior já disse algo parecido na eleição de 2012, na de 2010 e na de 2006; outros veículos e blogs fizeram o mesmo, assim também como muitos advertiram em 2002 e 1989...

Infelizmente, depois da ‘entrevista’ a que foi submetida a Presidenta Dilma no Jornal Nacional, nesta 2ª feira, não há motivo para não reiterar a mesma assertiva na forma e no conteúdo.

A novidade é a radicalização observada, inversamente proporcional à capacidade conservadora de oferecer um projeto alternativo à sociedade que não se magnetize em torno da palavra arrocho.

Hoje isso é mais ostensivo do que em 2010.

Abre-se assim uma etapa de viva transparência; um embate bruto em que a mídia dominante não consegue dissimular as consequências daquilo que a define.

Tampouco parece ter pejo em descartar uma isenção — a rigor nunca praticada — mas da qual sempre se avocou em guardiã, para sonegar pertinência à democratização estrutural dos meios de comunicação.

A isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado por quem se arroga o papel de um poder moderador acima da sociedade.

Caricaturas de um oligopólio que não pretende debater, nem informar, mas apenas veicular a agenda conservadora, Willian Bonner e Patrícia Poeta deram inestimável contribuição a esse enredo nesta 2ª feira.

Saul Leblon
No Carta Maior