8 de dezembro de 2011

O olhar de um correspondente em Berlim - "Desnorteado"


Eu encontrei este artigo no site "Carta Maior" e achei muitíssimo interessante para as reflexões políticas, sociais, econômicas e tantas outras de nosso momento no Brasil (os "autosuficientes") e no mundo em crise permanente.

O autor - um correspondente da Carta Maior em Berlim - tenta tratar dos comentários, meio que desesperados, de um professor universitário após recente visita ao Brasil para debates acadêmicos, e a partir daí pede socorro ao Aurélio porque redescobre o verdadeiro significado da palavra: "desnorteado", muito boa a tirada, adorei! Vale a sua atenção e leitura.   

"Por um mundo desnorteado



O Aurélio terá de ser revisto. A palavra “desnorteado” adquiriu um novo sentido. Queria dizer “aquele que perdeu o rumo”. Agora pode também querer dizer “aquele que encontrou o rumo”. Como dizia minha avó, que nada tinha de desnorteada, “êta mundo velho sem porteira!”.

Flávio Aguiar


Um professor amigo meu, de importante universidade germânica, esteve recentemente no Brasil, onde compareceu a alguns encontros acadêmicos de sua área: ciências sociais, econômicas, Brasil, América Latina, por aí.

Voltou desnorteado. E desnorteado com a palavra “desnorteado”, entre outras coisas. Esse amigo é um professor progressista, algo mais velho que eu. Simpático às causas sociais do Brasil e da América Latina, para não falar de outras.

Mas qual era o problema? “A auto-suficiência dos brasileiros”, confessou-me ele. “Eles não querem mais saber de nós”. “Nós, europeus, viramos uma referência negativa”. “E eles se referem a um mundo desnorteado, positivamente, isto é, um mundo que perdeu o Norte como referência, como modelo”.

Ele estava assustado. “Picado”, eu diria. “Ferido”, para ser mais exato.

Reconheci o sentimento. Encontrei-o por aqui freqüentemente, ainda que sob outras formas, em outras oportunidades.

Outro dia, conversando com outro amigo, tivemos uma discussão (no bom sentido, sem brigas) veemente. Eu dizia que o caminho recessivo da Europa sob a batuta do Consenso de Bruxelas era inevitável e catastrófico. Ele contra-argumentava que não havia esse risco, que isso era invenção de políticos, que a economia européia e mundial ia muito bem, que as instituições estavam defasadas em relação a essa nova realidade.

Mas, eu insistia, a economia aqui vai submergir. Enquanto isso, disse eu, até o pequeno Uruguai está se saindo muito bem, capitalizando um bom momento das commodities... Foi a conta. “Esse é o problema”, disse ele. “O aumento do consumismo vai destruir o mundo. É necessário, em algum momento, parar de crescer”. “Sim, eu disse, o planeta tem limites. Mas como convencer os chineses, por exemplo, a não ter automóveis, se o modelo mundialmente vendido é esse? Como dizer aos africanos: sim, nós, do primeiro mundo, podemos ter aquecimento, gastar gás, petróleo, etc. e vocês que continuem a esfregar pedras para fazer fogo?” (Confesso que eu também exagerei um pouco)."
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