18 de dezembro de 2012

A República tem três Poderes ou um só?

E a Constituição? Só quem tem condições de entendê-la é o STF?

'A toga fardada de Celso de Mello'
Luis Nassif:
"No futuro os historiadores reconhecerão 17 de dezembro de 2012 como o dia da vergonha do Supremo Tribunal Federal.
Cinco ministros irresponsáveis empalmaram a Constituição Federal, açambarcaram o poder dos constituintes de definir lei e abriram caminho para futuras ações ilegais. A assinatura final desse episódio vergonhoso é de Celso de Mello. "



STF: um sultão num país de eunucos?
"A Suprema Corte, como o próprio nome indica, existe para ser a instância máxima a dirimir as pendências constitucionais de uma Nação.
Sobretudo, foi concebida para erguer linhas de passagem que superem interpretações divergentes em torno da Carta Magna, evitando-se crises institucionais, antecipando-se a elas, ademais de calafetar hiatos decorrentes de elisões constituintes.
Assim entendido, o Supremo é a extensão permanente do poder constituinte que o originou.
Mas não acima de qualquer circunstância.
Sobretudo, não como um usurpador do equilíbrio de poderes no qual se assenta a estabilidade da democracia.
Esse, infelizmente, foi e tem sido o conceito autoritário e oportunista de suprema instância evocado pela coalizão conservadora que capturou o STF. Serve-se dele abertamente para impor uma revanche à esquerda que a derrotou sucessivamente nas urnas presidenciais desde 2002.
Como lembrou recentemente o professor Alfredo Bosi, a prerrogativa da instância suprema pressupõe a plena autonomia em relação ao dinheiro, à burocracia viciosa e à endogamia dos favores espúrios.
O monopólio da última palavra cobra das togas a necessária temperança nas decisões que revalidem esse apanágio.
O papel de reserva constitucional da sociedade –que não pode ser mobilizada a todo instante para escrutinar suas pendências; mas deveria sê-lo com maior frequência– está indissociavelmente atrelado à validação dessa equidistância acomodatícia que se renova a cada sentença.
Não se trata de uma terceirização absoluta da soberania popular.
A esta sim, cabe entre outras prerrogativas aquela suprema de se refundar enquanto sujeito histórico. E convocar uma nova assembleia constituinte, capaz de redordenar o pacto social, cuja istitucionalidade caberá a uma suprema instância preservar e aperfeiçoar.
O mandato das togas reafirma-se nesse exercício do discernimento histórico e jurídico, chamado a recosturar permanentemente a argamassa que ordena as fricções institucionais inerentes aos interesses conflitantes da sociedade.
Nada mais distante disso do que a soberba egocêntrica e o autoritarismo arestoso que marcariam os quatro meses e meio de julgamento da Ação Penal 470, concluído a caráter nesta 2ª feira.
Ilustrativo da escalada tangida a holofotes, o voto do ministro Celso de Mello não poupou a própria biografia jurídica na sofreguidão de atender ao script condenatório prevalecente.
A decisão de afrontar o poder Legislativo impondo-lhe uma genuflexão humilhante diante de cassações de mandatos soberanos, nivelou a Suprema Corte à exacerbação midiática que logrou fazer da Ação 470 o cavalo de Tróia da campanha eleitoral conservadora de 2014.

Perde toda a Nação quando uma Corte Suprema deixa de ser referência para ser referido.
Ao tomar partido, o STF tornou-se um foco irradiador de impasses; uma usina de sobressaltos constitucionais.
Trocou a equidistância das togas pelo turbante de um sultão e pretende fazer do país uma democracia de eunucos.
Ressente-se a sociedade brasileira, perigosamente, de uma Corte Suprema que ao contrário de conflagrar a democracia a pacifique, ao contrário de despretigia-la a engrandeça, ao contrário de tumultua-la a estabilize.
Cabe a quem de direito ocupar o vácuo com uma liderança de serenidade e desassombro, capaz de reconduzir a democracia e o desenvolvimento brasileiro aos trilhos pactuados nas urnas nos últimos 10 anos. Não se trata de um fecho exclamativo, mas de uma agenda de providências e de coragem a ser acionada. E logo."
Por Saul Leblon no Carta Maior

10 comentários:

Anônimo disse...

“A decisão do STF é contra a letra de qualquer livro de Direito Constitucional” – Pedro Serrano.

Fernando Motta disse...

Se um poder não pudesse intervir sobre outro, então o Congrssso (poder legislativo) não poderia determinar o afastamento de um presidente (poder executivo), como fizeram com o Collor; não se pode ter dois pesos e duas medidas, conforme a balança do PT deseja...

Marcos Oliveira disse...

É exatamente isso Fernando.
Quem controla o Judiciário?
Só existe controle interno via CNJ que costuma ser censurado pela própria justiça.
Ou alguém já falou na possibilidade de um impeachmeant de membro do STF?
Se positivo, como seria?
A reforma do judiciário se faz necessária e não apenas no âmbito do Processo do Código Penal mas também na possibilidade de um controle externo exercido por representantes da sociedade.

P.S.1: É bom lembrar que não sou advogado. Leigo no assunto, sou apenas um cidadão que tem o direito constitucional de opinar (desde que este direito não seja atropelado...).
P.S.2: O artigo do post não fui eu quem escreveu. Apenas reproduzi para haver uma reflexão sobre a Constituição, que é a nossa Carta Magna.

Abraço.

Fernando Motta disse...

O próprio CNJ deveria ter poderes para coibir excessos do STF. Só não acho que seja o caso: não estão apenas tirando mandato de condenados?
Há quantos anos o povo sente vergonha de ser representado por bandidos?
Pode ter havido alguma injustiça, mas já passava da hora de começarmos a mudar "isso tudo que está aí", fazer com que ninguém se sinta acima da lei por ser político. Com o tempo e exercitando a cidadania e a exigência da honestidade, vamos aprendendo. Mas pelo menos começamos!

Marcos Oliveira disse...

A discussão no caso específico do post é: obedecer ou não a Constituição.
O fato é que "resolvendo" um "problema" acaba-se criando um outro muito pior: a derrocada dos princípios básicos que norteiam a existência de um conglomerado de pessoas como nação e país. É essa a questão. Dependendo da leitura da decisão é que "vale tudo" ou "então vou ler as leis da minha forma" ou "não vou tolerar que a justiça seja o poder único do país".
Sem entrar no mérito de problemas que existem há 500 anos. Inclusive no judiciário. Que não tem controle externo, volto a afirmar.

Anônimo disse...

Mauro Santayana

A República, o STF e O Legislativo

Estamos necessitando, e com urgência, de refletir sobre os fundamentos do Estado Democrático. Mesmo nas monarquias, quando não absolutas, o poder emana do povo, e é exercido pelo parlamento que o representa. Cabe ao parlamento legislar e, nessa tarefa, estabelecer as prerrogativas e os limites dos outros dois poderes, o executivo e o judiciário. Todas as leis, que estabelecem as regras de convívio na sociedade e organizam e normatizam a ação do Poder Judiciário e do Executivo, têm que ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares, para que tenham a legitimidade, uma vez que representam a vontade popular.
Só o poder legislativo, conforme a obviedade de sua definição, outorga estatutos ao governo e, em alguns casos, reforma o próprio Estado, se for eleito como poder constituinte. O parlamento, ao receber do povo o poder legislativo, não pode delegá-lo a ninguém, nem mesmo a outras instituições do Estado.
Em nosso caso, em conseqüência das deformações impostas pelos acidentes históricos, o parlamento se viu enfraquecido e se submeteu ao poder executivo. Houve, durante o governo militar, momentos que engrandeceram o Congresso Nacional, entre eles a recusa de dar licença para que Márcio Moreira Alves fosse processado pelos militares. O AI-5, com todas as suas conseqüências, foi um momento de grandeza na história do parlamento nacional, como foi o do fechamento da primeira Assembléia Constituinte por Pedro I. Mas o parlamento não soube reagir quando Fernando Henrique mutilou a Constituição de 1988, no caso da reeleição e na supressão do artigo 170, que tratava da ordem econômica.
Os parlamentos, ao representar as sociedades humanas, e imperfeitas, não podem ser instituições exemplares. John Wilkes, o paladino da liberdade de imprensa - e cujo nome, um século mais tarde foi usado pelo pai do assassino de Lincoln para batizar o filho - era um dos homens mais feios e mais inteligentes da Inglaterra, foi membro da Câmara dos Comuns e prefeito de Londres. Libertário, e libertino, segundo seus opositores, publicou em seu jornal que o Rei George III era um marido enganado pela Rainha e deu o nome do amante. Mas ficou famoso sobretudo pelo debate com John Montagu, Lord Sandwich (o das Ilhas e do pão com carne). Montagu o insultou, dizendo-lhe que não sabia como Wilkes morreria, se nas galés ou de sífilis. Wilkes lhe respondeu, de bate-pronto: Isso depende, mylord, de que eu abrace os seus princípios morais ou sua mulher. A corrupção sempre existiu nas casas parlamentares. Jugurta, o rei da Numídia, se dirigiu ao Senado Romano, dizendo que Roma era uma cidade à venda, desde que houvesse alguém disposto a comprá-la.

Anônimo disse...

Em sua coluna de domingo, Élio Gaspari, ao analisar o conflito latente entre o STF e a Câmara dos Deputados, sobre a atribuição de cassar mandatos, lembrou que, nos Estados Unidos, a Justiça não cassa mandatos, e citou o caso de Jay Kim que, condenado, em 1998, a dois meses de prisão domiciliar por ter aceitado dinheiro de caixa-dois, ia, de tornozeleira eletrônica, a todas as sessões da Casa dos Representantes.
Preso, duas vezes, por corrupção, John Michael Curley, foi eleito, primeiro para vereador em Boston e, depois, para a Casa dos Representantes (deputado federal). Manteve seu prestígio político junto aos eleitores mais pobres, muitos deles de origem irlandesa, e foi eleito quatro vezes prefeito de Boston, a partir de 1914. E no exercício do mandato de prefeito, em 1947, esteve preso e disputou a reeleição, perdendo-a, e foi perdoado por Truman, em 1950.
Essa tradição vem de longe. Em 1797, o representante Mattew Lyon (o cavalheiro da foto), um radical, cuspiu na face de seu oponente Roger Griswold, que respondeu com bengaladas. Lyon se valeu de uma tenaz de lareira, e o duelo ficou famoso na história do parlamento. Os federalistas tentaram cassar o mandato de Lyon, sem êxito, mas processado por sedição, ele foi preso e condenado a uma multa, de 1000 dólares, elevadíssima para a época. E, embora estivesse na prisão, foi reeleito para a Casa dos Representantes. Reelegeu-se durante mandatos seguidos. Quarenta anos depois de ter sido preso, foi reabilitado e recebeu, de volta, e com juros, a multa a que fora condenado.
Nenhuma comunidade humana, das instituições religiosas aos partidos políticos e às corporações profissionais e aos tribunais, é composta de anjos. Isso não significa que a corrupção deva ser tolerada. É nesse, e em outros embates, que se faz a História.

Com todo o respeito pela Justiça, o Supremo não pode decretar a perda de mandatos parlamentares, e o apelo ao sistema norte-americano foi precipitado, de acordo com os fatos históricos.

Luiz Felipe Muniz disse...

Vale ainda destacar em favor da opinião do Cardozo, que a decisão se deu vitoriosa pelo voto de apenas 5 ministros contra 4 deles, não houve nem mesmo unanimidade na questão!

Ao mesmo tempo, há fatos de sobra que apontam uma condução, no mínimo, esdrúxula deste dito "Mensalão" e certamente não serão bem tratados nem bem digeridos pelos comentários de um blog como o nosso, no desejo de vermos melhor esclarecidos os tiros e assaltos contra a nossa Constituição.

Mas Fernando, nem mesmo o espírito de Natal e proximidade das festas de Fim de Ano foram capazes de inibir e sensibilizar o coração perdido daquele jovem americano que se suicidou após o massacre que promoveu numa pequena cidade americana, admirada por artista e escritores por conta da tranquilidade e paz aparentes...quiçá lá pelas bandas de Brasília, nesta aparente "caça" à corrupção, após os magníficos 10 anos de Governo da Esquerda!!

Quero apenas lhe dizer, caro Fernando, as aparências quase sempre enganam mais do que as evidências, particularmente para nós dos ares tropicais...e no campo da política brasileira, política não partidária, diga-se de passagem, mas a política que aqui se pratica fartamente desde o Brasil colônia, odiosamente entre classes sociais, aquela largamente e desavergonhadamente assumida pelos descendentes mais diretos dos senhores de engenho e endossada pela mídia de massa, e tb mas recentemente pela suprema corte...ahh, Fernando, essa sim é a prática brasileira mais perversa, tal qual a perversão que agora domina o povo americano com a violência sem limites em cada mente e sem soluções possíveis a longo prazo!!

O caminho a ser trilhado pelo Brasil que todos almejamos, ou quase todos, passa sim por uma Justiça eficiente, apta e ligeira, porém, não há mais como aceitarmos enganos, nem mais podemos assistir mudos quaisquer dos Poderes da República se rogarem investidos para além dos limites da DEMOCRACIA: Poder do Povo; temos uma Carta Maior a ser seguida, honrada e protegida, por todos indistintamente!! Não queremos heróis e nem precisamos de armas de fogo – como a América do Norte - para por ordem ou em ordem o nosso querido Brasil!!

Anônimo disse...

Magnifico, Marcos e Luiz Felipe!

Junior disse...

Ontem foi o último capítulo desta novela que passava antes da novela das nove. O final já estava determinado pela imprensa cabia apenas preencher os capítulos que ficaram cheios de buracos. Capítulos do direito brasileiro a serem esquecidos.