2 de novembro de 2009

Uma reflexão

Cheguei um pouco mais cedo da pequena viagem de feriado para poder ir ao cemitério fazer as devidas homenagens de recordação aos nossos, que já se foram. Aí me lembrei de um artigo da Martha Medeiros que diz que continuamos vivos enquanto existir alguém que se lembre de nós, depois de partirmos. Esse seria o período de existência (pelo menos nessa terra...). Aliás ontem ela nos brindou com outro ótimo artigo falando de... morte. Mas dessa vez com outra abordagem. O título é “A Morte Como Consolo”, onde ela diz: “tenho pensado na morte como recurso para desencanar dos problemas. Daqui a 40 anos eu não vou estar mais aqui. Então pra que me preocupar? Diante da morte, tudo é bobagem". O que me remete a um interessante livro chamado “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer” de Sogyal Rinpoche (Editora Palas Athena, 530 páginas). Nele vemos que lembrar que não somos imortais pode nos ajudar a viver melhor. Reproduzo aqui no Blog, logo abaixo, o artigo da Martha. Vale a pena ler ressaltando, no entanto, que trata-se de um texto destinado preferencialmente a quem tem mais de 40 anos. Se você tem menos que isso, vá direto ao último parágrafo.

A morte como consolo

“Assim como qualquer mortal, eu também esquento a cabeça com questões de difícil praticidade. Teorizar é moleza, mas como agir do mesmo modo que essas supermulheres que a gente vê nas revistas e jornais, sempre bem resolvidas? Você acha que eu sei? Sei nada.

Eu também me desgasto com assuntos mundanos, aqueles que nos atormentam dia e noite: sinto ciúmes, me constranjo ao negar convites, às vezes me acho severa demais com minhas filhas, às vezes severa de menos, não consigo ser tão solícita quanto gostaria, me sinto desatualizada em relação a tanta coisa, não sei direito a direção para a qual conduzir minha vida, enfim, coisinhas que nos roubam algumas horas preciosas de sono.

Como eu não faço terapia e não posso perder nem um minuto precioso de sono, já que normalmente durmo pouco, resolvi procurar um método pessoal para relativizar meus pequenos grilos cotidianos. E encontrei um que pode parecer macabro, mas está funcionando.

Quando estou muito preocupada com alguma coisa, penso: eu vou morrer.

Óbvio que vou morrer, todo mundo sabe que vai morrer um dia, mas a gente evita pensar nesse assunto desagradável. No entanto, tenho pensado na morte não como uma tragédia, mas como um recurso para desencanar dos problemas, e então a morte se torna, u-lá-lá, um paliativo: daqui a 40 anos, mais ou menos, eu não vou estar mais aqui. O que são 40 anos? Um flash. Todas as minhas preocupações desaparecerão. Nada do que eu sinto ou penso permanecerá, ao menos não para mim mesma — o que as pessoas lembrarem de mim será de responsabilidade delas.

Eu vou evaporar. Sumir. Escafeder-me.

Então pra que me preocupar com bobagem? Diante da morte, tudo é bobagem. Recapitulando os exemplos dados no segundo parágrafo: ciúmes? Ouvi bem: ciúmes? De quem, pra quê, se todos irão pra baixo da terra e ninguém sobreviverá pra cantar vitória? Aproveite os momentos que você tem hoje — hoje! — para desfrutar seus prazeres e não pense em perdas e ganhos, isso não existe, é pura ilusão.

Os filhos nos amam, mas fatalmente reclamarão de nós um dia, não importa o quão bacana fomos com eles. Ser 100% solícita é coisa pra Madre Teresa. Atualização pode ser importante para o trabalho, mas nem sempre para nosso bem-estar. E, finalmente, seja qual for a direção que você der à sua vida, o que importa é que ela seja satisfatória hoje (repito a palavra mágica: hoje!), porque daqui a pouco você e suas preocupações virarão poeira. Até Ivete Sangalo vai virar poeira.

Importantíssimo (me descuidei, deveria ter colocado esse último parágrafo lá no início, mas já que vou morrer, dane-se): se você tem menos de 40 anos, desconsidere todas as linhas desta crônica. Leve seu nascimento a sério. Antes dos 40, ninguém vai morrer. Essa é a ordem natural do pensamento humano. Pague seus impostos, preocupe-se com a direção que sua vida está tomando, morra de ciúmes, dê-se o direito de todas as cenas passionais e irracionais que incrementam seu script: não se entregue ao fatalismo. Honre o primeiro ato dessa encenação chamada vida. Porém, depois dos 40, apenas divirta-se e não perca tempo se preocupando com bobagens. Vai dar em nada.”

(por Martha Medeiros, Revista O Globo, pág. 32, 1º/nov/2009)

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