3 de dezembro de 2009

Villa-Lobos (2)

Por conta da data que registrava os 50 anos da morte de Villa-Lobos postei uma nota e adicionei dois videos contendo pequena amostra de sua obra. Esse post pode ser conferido clicando-se aqui.
Ontem li um excelente artigo escrito pelo professor, historiador e ecologista Arthur Soffiati sobre o mesmo Villa-Lobos e que foi publicado no jornal Folha da Manhã. Entrei em contato com o professor solicitando autorização para reproduzir aqui no Blog tão boa matéria, no que fui atendido. Assim, aqui está um presente para os frequentadores desse espaço. Nossos agradecimentos ao professor Soffiati.

Por que Villa-Lobos?
Arthur Soffiati
Faz pouco, Heitor Villa-Lobos completou 50 anos de morte. As homenagens a ele foram mais intensas e expressivas que por ocasião dos 120 do seu nascimento, em 2007. Não gosto de homenagear ninguém que amo no dia se sua morte, mas no de seu nascimento. Contudo, como escrevo sobre Villa de vez em quando, considerem este artigo mais um deles.
Todo ser vivo morre. Não choro a morte de Villa-Lobos nem de Lévi-Strauss. Eles se foram, mas suas obras ficaram entre nós. No caso do Villa, noto que as novas gerações desconhecem-no cada vez mais. Quando apresento alguma composição dele em público, parece que não a compreendem e não a sentem, como minha geração compreendia e sentia. Certo que ele sempre sofreu críticas severas ao lado de elogios exagerados. Mário de Andrade e seus seguidores não gostavam de sua obra desigual e descuidada. Certa vez, Guilherme de Figueiredo o atacou com veemênci a, esperando o apoio de Mário. Este o repreendeu dizendo que, apesar das falhas do compositor, ele contava com obras-primas.
Em 1998, Augusto de Campos, reunindo artigos no livro Música de Invenção (São Paulo: Perspectiva), considerou Villa-Lobos um compositor fácil, prolixo e popularesco ante os compositores de vanguarda. Assim como se deve dar um desconto aos irmãos Campos por seu entusiasmo exagerado pelos vanguardistas, deve-se dar um desconto pelas falhas de Villa-Lobos. A vanguarda esgotou a melodia, um elemento fundamental para aproximar o público leigo da música erudita e, assim, também se esgotou. Este o principal argumento do crítico de música Alex Ross em seu livro, também repleto de falhas, O Resto é Ruído – Escutando o Século XX (São Paulo: Companhia das Letras). Tanto assim que o minimalismo pode ser considerado uma reação melódica ao experimentalismo extremo.
Aos meus ouvidos, Villa-Lobos será sempre um grande compositor pelas seguintes qualidades:
Autodidatismo. O compositor carioca não passou em nenhuma escola tradicional. Ele aprendeu música com o pai, na rua, nos subúrbios, tocando nos cinemas e viajando pelo Brasil. Embora contemporâneo, ele é um neorromântico a contrastar com os neoclássicos seus contemporâneos. Villa não tem o mínimo escrúpulo em se apropriar de influências e de inventar um folclore para o Brasil, desde que sua marca registrada estivesse fortemente impressa em suas composições.
Experimentalismo. Villa-Lobos também não se deteve diante de qualquer limite. Ele usava todos os recursos sonoros necessários para alcançar os efeitos desejados. Tratava-se de um bárbaro ou de um selvagem compositor. Uma orquestra imita um trem de forma muito mais fiel que Arthur Honneger em Pacific 231. Para imitar pintos piando, ele não hesita em usar violinos. Nenhum instrumento de percussão era considerado plebeu para o autor das Bachianas. Aliás, todo instrumento merecia dele grande consideração.
Prolificidade. Villa-Lobos compensava sua falta de autocrítica com uma produção prolífica. Suas composições não eram registradas num instrumento para depois serem transcritas para orquestra. Ele compunha diretament e para orquestra, se fosse o caso, e o que saísse ficava. E isto no meio da balbúrdia da família, em meio a ruídos. O que vibrava no seu ouvido interno não era perturbado pelo seu ouvido externo, até mesmo porque o interno abafava o externo. Villa era um gênio, esta a verdade. Nele, a quantidade gera qualidade.
Diversidade. Villa-Lobos freqüentou todos os gêneros. Compôs para instrumentos solo, para conjuntos de câmera, para orquestra e para coral. Compôs óperas, sinfonias, concertos, poemas sinfônicos, missas, peças instrumentais avulsas etc.
Originalidade. Villa-Lobos é inimitável. Claro que nenhum compositor deseja copiar outro, mas, no caso de Villa, mesmo que quisesse, seria impossível. Sua orquestra não se parece com a de ninguém. Ele vive no mundo do som. Não há silêncio em sua música. E, principalmente, não há hesitação da parte dele. Se alguem deseja comprovar a falta de dúvida, que ouça a pequena peça Ciranda das sete notas, para fagote e orquestra de câmera. Villa encontra soluções para suas frases musicais onde elas parecem não existir. Neste ponto, ele tem muito de Bach, que tanto admirava.
Talento. Mesmo as peças mais tolas nos tocam a sensibilidade. Quem ouve Invocação em defesa da pátria, para orquestra, coro e soprano, acha a composição demagógica e apelativa, mas só depois de chorar comovido com ela.
Para mim, por estas razões e outras mais, eis por que vale a pena ouvir Villa-Lobos.

Publicado originalmente no Jornal Folha da Manhã em 29/11/2009.

2 comentários:

Cláudio P. disse...

Muito boa a análise do articulista que esclarece para os leitores as diversas facetas da processo criativo do grande Villa-Lobos.

Anônimo disse...

Excelente texto sobre o compositor brasileiro.