5 de agosto de 2012

"Admirável Mundo Novo", pós Huxley(?!) ou "Uma Digressão Sobre a Vida"

“O mundo de amanhã poderia não ser mais um mundo de projetistas, mas um mundo de programados” (Argan).
Recebi do amigo e xará Marcos Esquef um brilhante e-mail que me lembrou os velhos tempos em que escrevíamos cartas.
Na verdade é um artigo completo que trata da complexidade de nosso tempo. Assunto bem temperado pelos amplos conhecimentos profissionais do ilustre professor, escritor, designer, arquiteto, etc.
Gostei tanto que pedi permissão para publicar aqui no blog e decidi fazer isso na íntegra, da forma como recebi o texto. Leiam e entenderão.
Os vídeos inseridos ao final também foram indicados por ele.
Criei um contraponto ao inserir obras do grande (e polêmico) Jackson Pollock para ilustrar.
Bom domingo (que tem boas provas nas Olimpíadas e que tem também um belo sol de meio de estação)!

"Marquinhos,
Tudo Ok? Espero que sim.
Já faz algum tempo que não nos reunimos – a nossa antiga “banda” – para
refletirmos, dentre outros temas prazerosos – como a música, por exemplo –,
também sobre assuntos que julgamos relevantes em nossas vidas. Aqui estou,
meio acanhado, mas, presente.
Não é menos verdade que podemos perceber que nosso mundo já se apresenta tão
conturbado, polêmico e fragmentado, em que tudo, ou quase tudo, se tornou
fluido ou líquido (Zygmunt Bauman). Pode-se notar que, tal modo de produção de
vida afetou até as nossas relações pessoais, e, por conseguinte, transformando
também nosso modo de pensar e interagir com os objetos e sistemas em nosso
mundo. Nesse sentido, se podemos sentir o clássico aforismo em que “tudo que é
sólido se desmancha no ar” (sustentado por Marx – e que virou um clássico
ensaio do crítico literário e cientista político, Marshall Berman), onde
encontraremos aportes para melhor refletirmos sobre que papel estamos
prescrevendo para nós, enquanto seres que modificam de forma sensível, nosso
mundo circundante? Sob que condições nos apoiaremos para irmos em busca de
melhorar nossa relação com tudo o que nos rodeia?
Nossa relação com o mundo se tornou mercadológica demais. Nos relacionamos com
as pessoas como se fossem coisas. Há muito do aspecto utilitário em nossas
vidas. Marx já, há muito, ponderou sobre este aspecto. Se pensarmos que nosso
mundo está repleto de “objetos”, e que estes, têm uma poderosa dimensão
pedagógica, poderemos sustentar que somos “educados” por estes. Ou não?
Nossas vidas se tornaram cinemáticas demais. Tempo e espaço, curtíssimos.
Penso que, desse jeito, estamos perdendo nossa capacidade de parar para
refletir melhor; e, deixando de sermos projetistas (na melhor acepção da
palavra), nos tornando programados, diante de tanta pujança midiática. Nessa
perspectiva, um brilhante pensador italiano e historiador de arte – Giulio
Carlo Argan (considerado um dos maiores do século XX), afirma que a
programação, retira dos indivíduos seu poder de escolha; que é conferida ao
poder hegemônico. Ora, se focarmos assim, não seria um erro ponderarmos que
estamos inseridos num esquema de vida já projetada. “O mundo de amanhã poderia
não ser mais um mundo de projetistas, mas um mundo de programados” (Argan).
Este excerto é bastante preocupante.
Ainda sob as ponderações desse historiador de arte, não seria prudente pensar
o objeto dissociado do sujeito. Possivelmente, nessa esfera, os “nossos
objetos” tenham um papel preponderante em tal modo de produção. Ademais, no
cadinho de fundição da relação entre sujeitos e objetos, se faz presente um
ingrediente relevante, a saber: o Design.
Talvez esteja sendo radical demais, não sei... Encare como um humilde desabafo
diante de tantas aberrações...
Como me dedico a buscar entender a complexa relação do Design em nossas vidas,
peço licença para aqui expor algumas digressões acerca de seu poder de
transformação de uma dada sociedade. Vou tentar demonstrar como o processo de
Design poderia ser uma das alternativas de melhorarmos nossas relações
existenciais. Nesse sentido, penso que é cada vez mais importante levar alguns
aportes (para reflexão), sobre essa área profissional em que, independente de
sua pujante inserção midiática, ainda existe muita confusão sobre sua
utilização e função entre nós. É natural. Principalmente se compararmos com a
Engenharia ou a Arquitetura (atividades profissionais de longíssima data na
existência humana). O Design é muito jovem, especialmente aqui em nosso país.
Tenho sustentado em vários artigos ou palestras que o Design, sob uma visão
antropológica, pode ser reconhecido dessa maneira, se o integramos ao processo
de evolução humana, no sentido de que ele é um mediador da produção
existencial do homem. Ou seja, o homem em seu processo de humanização, sai em
busca de satisfazer necessidades próprias – que se materializam no e pelo
TRABALHO –, criando um mundo artificial (que não está posto a este pela
natureza) sob um fazer de viés criativo, ressalta-se.
Da mesma maneira, faz-se necessário recordar que o campo do Design Industrial,
por definição, nasceu da divisão social do trabalho, em meio às muitas
contradições da sociedade industrial (já nos idos anos da Revolução
Industrial); trazido pela necessidade de um tipo específico de atividade
profissional que pudesse adequar o desenvolvimento e a produção dos produtos
oriundos dessa, com o progresso tecnológico que ora se implantara. Assim,
pode-se salientar que o Design configura-se dentre as atividades projetivas em
dar existência concreta, ou melhor, de materializar em forma de objetos e
processos, ideias abstratas e subjetivas. Ele é para a sociedade industrial um
lócus privilegiado para a geração de artefatos. Podemos ponderar, também, que
é, atualmente, um relevante fator que medeia o desenvolvimento de grande parte
da totalidade dos objetos que convivem conosco em nosso dia a dia.
Sobre o trabalho oriundo dos profissionais dessa área em tela – os denominados
designers – se partirmos de uma concepção humanista em geral, podemos afirmar
que todos os homens possuem, ontologicamente, sensibilidade para exercê-lo,
independentemente de uma formação técnica especial. Há vários indícios na
historiografia humana que demonstra que o homem ao produzir uma paisagem
artificial o faz de modo inventivo e criador. Fato que, sob minha ótica, lhe
confere algumas das características essenciais do trabalho exercido pelos
designers.
Tal percepção baseia-se no modelo de trabalho humano mediante o qual a
natureza é transformada, tornando-se adaptável, agradável e útil à vida do
indivíduo e do seu grupo social. O que nos conduz a apontar que a esfera
produtiva/conceptiva do Design se encontra mediada, tanto por um aspecto
tecnológico, quanto por um caráter teleológico artístico. E é nesse cadinho
produtivo, amalgamado sob essas duas esferas, que ele visa atender às
necessidades do homem, concebendo e produzindo objetos e sistemas, não somente
por um vetor funcional, mas, ao mesmo tempo, sob uma diretriz também estética
que busca atingir seus sentidos. Contudo, grosso modo, também é pertinente
levar em consideração que a  práxis humana traz consigo a contradição do
caráter fenomênico alienado do trabalho. Ou seja, mediante uma prática
utilitária na qual o homem se relaciona num sistema em que as “coisas” já
estão prontas – um “sistema de aparelhos” – pelo qual a humanidade se
configura com um objeto de manipulação, conforme já salientou de forma
brilhante Karel Kosik (um militante e filósofo marxista de origem tcheca – uma
de suas notáveis obras escritas foi: Dialética do Concreto).
Isso posto, cumpre reafirmar que a essência do Desenho Industrial é a sua
tendência de problematização para o relacionamento artefato/usuário; ao encontro da mais
apropriada interface entre ambos. Um profissional de Design, em meio ao
projeto de objetos, opera simultaneamente com categorias de valor utilitário e
de fruição, como também, da mesma maneira, com as socioeconômicas e culurais;
observa o planejamento adequado à materialização dos produtos, especificando e
detalhando os dados necessários à sua produção. Ademais, ressalto que o
processo formativo dos designers deve se aproximar, de maneira muito íntima,
para uma metodologia que se sensibilize com as necessidades materiais da
maioria da população.
Caro amigo, pedindo desculpas por me alongar demais, exponho mais uma vez uma
reflexão do historiador Giulio Carlo Argan, em que ele sustenta o Design “como
processo da existência finalística não apenas da sociedade, mas de toda a
realidade”. E que também é ele “que promove uma coisa ao grau de objeto e coloca o objeto
como perfectível, ou seja, participante do finalismo da existência humana”.
Feitas essas observações, preocupado sempre com nossa cidade, com nosso agir
no mundo, e buscando levar em minha esfera de ação, críticas, reflexões e
incentivos a novas ideias (criativas) para que possamos mudar a nossa forma de
vê-la e interagir, conforme lhe prometi certa vez, trago uma experiência que
expõe mudança de hábitos para nós, enquanto seres interagindo com nosso
entorno, exponho uma campanha promovida pela Wolkswagem alemã, intitulada “The
Fun Theory”, materializada sob forma de premiações para ideias que promovam
mudanças (para melhor, é claro), nos indivíduos em seus hábitos existenciais,
através da diversão. Acho que nossa classe política poderia se inspirar em tal
ideia para, quem sabe, também incentivar nossos profissionais a dedicarem seus
talentos criativos em benefício de nossa cidade.
Há muitos premiados. Vou apenas trazer alguns poucos, através de links para
assistir na Web. Um deles se refere a fazer com que as pessoas deixem de usar
escadas rolantes e passem a usar uma escada “comum”. É muito interessante,
poética e linda a forma com que os designers resolveram tal desafio. Um outro,
traz uma lixeira urbana alterada de maneira também interessante e criativa,
mudando hábitos, em que mais e mais pessoas joguem seu lixo produzido em seu
interior. Uma das ideias busca premiar motoristas que controlam o limite de
velocidade, de uma maneira bem diferente, não punido como é comum. Outro,
mostra uma máquina para jogar garrafas, em que mais e mais pessoas reciclam
vidros não mais utilizáveis, de maneira que se sintam jogando em uma máquina
de fliperama a fim de ganhar pontos. É claro que, todos, possuem objetivos de
trazerem mudanças de hábitos comportamentais de forma sempre lúdica. Há outros
também muito legais, que prefiro expor apenas os links. Se puder, visite o site.
Desculpe-me por me alongar muito.
Grande Abraço.
Marcos Esquef"





Um comentário:

Marcos disse...

P.S.: Final do tênis masculino agora entre Federer e Murray!