26 de agosto de 2012

O sarau, as gerações e as crônicas


Na semana passada comentei que havia selecionado dois textos do Mario Prata.
Segue agora o segundo.
Mas quase desisto de colocar. É que, navegando pelo blog, descobri que já havia postado o mesmo artigo aqui no ano de 2010.
Mas aconteceu um fato que me fez mudar de ideia.
Nesse sábado, no início da noite, eu e Dácia paramos em um Café para tomar um chocolate. Chocolate?! A rinite me atacou e estou no antialérgico. Dácia foi solidária.
Mas muita gente estava bem acompanhada, de cerveja e vinho.
É que coincidentemente estava acontecendo ali um Sarau à moda antiga: música e poesia, com microfone aberto para quem quisesse participar.
A maioria era de jovens mas havia também "jovens" de 40, 50, 60 anos.
Uma saudável mistura de gerações.
Ambiente agradável que me fez relembrar bons tempos e também da crônica do Mario.
A questão da idade, das gerações, das mudanças são temas recorrentes aqui.
E tentativas de se fazer crônicas também.
Pois segue então o texto que escrevi na época como preâmbulo para o humor do Prata.
Acrescentei a música dos Beatles que não constava do post original como homenagem ao cronista. Leiam a última frase...
Segundo o nosso amigo Aurélio um dos significados de crônica é o seguinte: "texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou ideias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana".
Eventualmente tento fazer algo parecido aqui no Blog. 
Acho que o segredo de uma boa crônica é a observação dos detalhes e opinar sobre esses detalhes de uma forma inusitada, que torne agradável a leitura e ao mesmo tempo remeta o leitor para os próprios acontecimentos de seu cotidiano.
Um dos melhores do Brasil na atualidade é o Luis Fernando Verissimo. Outro que eu gosto muito é o jornalista e escritor paulista Mario Prata.
É dele a deliciosa crônica que reproduzimos a seguir, publicada originalmente no jornal "O Estado de São Paulo" por volta do ano 2000. Chama-se "Cinquentões". Leiam e verifiquem se concordam com a visão cheia de bom humor desse grande observador.
A foto que escolhi para ilustrar esse post é de Marlon Brando junto com Maria Schneider na histórica atuação de ambos no avançadíssimo (para a época, 1972) "Last Tango In Paris".
Cinquentões
"– Não, não se fazem mais velhos como antigamente.
– É verdade. Não se fazem.
– Veja você. Você está com 54. Lembra quando você era jovem, 54 era um velhinho, não era?
– Avô, avô...
– Então. E as mulheres de 54?
– Bisavós, bisavós...
– Não exagera. Avós, também. Aliás, mulher de 40 já tava velhinha. Todas de preto. Iam à igreja. A mãe da gente tinha 40, né? Era uma santa, né? Imagina se fazia os que as de 40 fazem hoje...
– Onde é que você quer chegar?
– É que a nossa geração mudou tudo. Mudou até a velhice. A gente é de uma turma que rompeu com tudo. Esse negócio de Beatles, Rolling Stone, pílula, tropicalismo, isso fez mudar tudo.
– Prossiga.
– É que a gente mudou os velhos que a gente ia ser. Veja a sua roupa. Você está vestido igual a um cara de 20, 30 anos. Você não está de terno e gravata como os cinqüentões de antigamente.
– Você está é justificando a nossa velhice.
– Que velhice, cara! Você hoje faz tudo que um cara de 20 faz.
– Mais ou menos, mais ou menos.
– A nível comportamental...
– A nível, cara?
– Desculpa, mas comportalmente falando, ficou tudo igual. O cara de hoje, com 50, não se comporta mais como um cara de 50 dos anos 50. Nivelou, entendeu?
– Explica melhor.
– As meninas também. As nossas amigas de 40, por exemplo.
– Melhor não citar nomes.
– É que hoje elas fazem coisas que a gente não poderia imaginar que a mãe da gente fizesse com a idade delas. Estão todas aí, inteiraças. Liberadas, está entendendo? Mandando ver. E nós também. Fora que tem o Viagra que – dizem, dizem – vai segurar mais pra frente.
– Você já usou?
– O quê?
– Viagra.
– O que é isso cara? Ouvi falar, ouvi falar. Mesmo porque não se conhece ninguém no mundo que assuma que já tomou. Parece que existe um acordo lá entre eles. Ninguém conta. É de lei. Mas não desvia o assunto. Eu não estou falando no desempenho sexual. Estou falando de cabeça. Nivelou tudo. E, pra sorte nossa, nivelou por baixo. Veja a roupa do seu filho. Igual à sua. Antigamente um cara de 23 se vestia completamente diferente de um cara de 53. Ou você alguma vez viu o seu pai de tênis? (nem de pênis) Acho que até para jogar tênis ele devia jogar de sapato.
– Se a gente então não está velho, vai ficar velho quando?
– Pois é aí que eu quero chegar. Não existe mais a velhice. Nos anos 60 a gente fez tanta zorra que, sem querer, garantimos o nosso futuro sem velhice. Pode escrever aí. Não existe mais velhice.
– Ficamos imortais?
– Quase. Antigamente o sujeito começava a morrer mais cedo. Ficava uns 10, 15 anos morrendo. Agora não, ela vai ficar até os 80, 90. Daí ele fica doente e morre logo. Acabou a agonia. Pensa bem: a gente está com 50. Temos mais uns 30 pela frente. Firmes. É isso, cara: não existe mais a velhice. E fomos nós que detonamos com ela.
– Mas tem o cabelo branco, as rugas, a barriguinha...
– Detalhes, cara, detalhes. O cabelo branco, a ruga e a barriguinha hoje em dia são encarados como charme. Mesmo porque os cabelos não ficam mais tão brancos como nos nossos pais. E as rugas também. Os velhos estão cada vez com menos rugas. E pra barriguinha estão aí as academias. Tem as fórmulas.
– E isso vale também para as mulheres, né?
– Principalmente. Eu estava falando nas nossas amigas de 40. Pega as de 50. Tudo com corpinho de 30. Cabeça de 20. Tão até melhores do que nós, cara.
– Peraí, a sua namorada não tem nem 30.
– E isso me preocupa. Tem cabeça de 50. De 50 das antigas. O que serve para a nossa geração, não serve para a nova geração. Resumindo: não existe velhice para a nossa geração. A gente batalhou isso. Agora essa nova geração que vem aí vai envelhecer. Se ela quiser continuar a ser como a gente, vai acabar sendo igual aos nossos pais, como diria o grande Belchior.
– Eu não estou entendendo aonde é que você quer chegar.
– Quero chegar nos 90. Me passa o uísque. Me passa o fumo. Me passa o Viagra. Me passa a saudade que eu tenho dos meus 20 anos. Me passa a vida a limpo. E mete os Beatles aí na radiovitrola. Help, please. "

Um comentário:

GL disse...

Marquinho, acho que vc deve estar falando do sarau do Sonatta Café.Esse sábado não pude ir. Acontece uma vez por mês e eu já tinha lembrado de vc. Muito boa opção para um vesperal de sábado.
Abraço.