11 de setembro de 2013

Cadê o José Dirceu?

Reproduzimos a seguir artigo de Lincoln Secco que é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.
Foi publicado originalmente no site Viomundo do Luiz Carlos Azenha.
Achei o texto em um momento em que por coincidência estava pensando sobre isso.
A história de um vida inteira de coragem desafiando os "anos de chumbo" em nome dos trabalhadores e dos mais atingidos pelo regime de ultra-direita fez dele um símbolo que vai ser reconhecido no futuro, desde que a "história" não seja "criada" pelos que hoje os condenam por ter ajudado a levar o PT ao poder e por isso alimentam um ódio com força de destruição.
Onde está José Dirceu?
"Depois de oito anos de acusações hoje sabemos que o escândalo do mensalão foi tão somente a forma que a oposição encontrou para ocultar sua luta contra um governo contra o qual não tinha argumentos eleitoralmente viáveis. A oposição não podia ser contra o Prouni, as cotas, bolsa família, aumento do salário mínimo e outros programas sociais que garantiram a popularidade do Governo Lula. O discurso racista e elitista ficava para seus apoiadores mais exaltados nas redes sociais.

Isso teve um reflexo nas manifestações de junho. A esquerda autonomista levou às ruas com todo direito suas táticas contra os partidos. Mas, ao mesmo tempo, a massa órfã da direita viu naquilo a oportunidade para trazer a sua própria crítica aos políticos e aos partidos.

Esta crítica nada tem a ver com aquela outra dos autonomistas. É uma conjunção de dois fenômenos. Um é histórico: como mostrou Sergio Buarque de Holanda há uma desconfiança em nossa cultura aos contratos, à formalidade e às mediações políticas (partidos, sindicatos e organizações em geral); outro é conjuntural: as bases do PSDB, PPS e do DEM não se viram mais representadas por estes partidos, porque eles não podem dizer o que elas pensam. O racismo de alguns médicos cearenses, por exemplo, é indefensável e nenhum Aécio Neves, Roberto Freire ou José Serra diriam aquilo em público, só às portas fechadas.

É exatamente nessa conjuntura que a ação penal volta a ser julgada. Os motivos indevassáveis que levaram alguns ministros a votar contra a sua consciência ou ao menos contra os fatos não merecem mais discussão. O que importa é que a conjuntura se desfez, o sete de setembro da direita fracassou e o manifesto de 130 generais de pijama não foi lido pela presidenta, já que ela quase não usa internet. A direita continuará à espreita, tentando superpor seu arcaísmo à crítica moderna dos partidos que ela mesma acalentou outrora. Mas nós sabemos a quem a direita quis e quer atingir de fato.

Não sabemos se José Dirceu sofrerá a condenação por todos os crimes a ele imputados. Mas sabemos duas coisas. A primeira é que não há nos autos nenhuma prova contra ele; a segunda é que mesmo assim alguma condenação ele já sofreu e sofrerá.

Mas há algo por trás de sua condenação. Não se trata mais de José Dirceu. Surgiram nas ruas de junho movimentos confusos em que jovens mascarados não confiam mais na justiça, na representação política e na própria democracia. Segundo Sergio Domingues em seu blog “pílulas diárias”, nos últimos dez anos a polícia matou dez mil pessoas como o pedreiro Amarildo de Souza. Aliás, onde está Amarildo? No dia da pátria, polícia prendeu 160 manifestantes. Leis contra o “terror” e proibições inconstitucionais contra máscaras são propostas sem nenhum pejo. Não tenham dúvidas, elas não visam alguns mascarados.

Não há nenhuma relação direta entre a ação penal 470 e este fenômeno que pode caminhar para a direita ou para a esquerda. O que há é a certeza de que se o líder de um partido trabalhista pode ser retirado com tanta facilidade da vida pública há algo de muito errado em nossa “democracia”.

Como diria Gramsci, o velho já morreu, mas o novo ainda não nasceu. E entre eles surgem formas monstruosas que não sabemos decifrar.

José Dirceu teve seu papel na história do Brasil. Enfrentou a Ditadura Militar, ajudou a fundar o PT e, mesmo que eu discorde de sua visão política, não há como negar que foi ele quem conduziu o aggiornamento do partido rumo à vitória de 2002.

Em 2005 ele foi achincalhado pelos filhos da classe média ressentida com os pobres que apareceram nos restaurantes e aeroportos. Não por acaso foi nesses ambientes em que ele foi mais agredido. Naquele ano certamente encontraria muitos defensores no extremo leste de São Paulo (e eu vi muitos deles), mas não nos bairros ricos da cidade.

Escrever palavras justas sobre Dirceu pode não ser fácil (e já foi pior uns anos atrás). Mas é muito mais difícil ser José Dirceu. Nos seus anos primaveris, ele demonstrou a coragem física e intelectual que caracterizou muitos outros de sua geração. Hoje, abandonado por alguns “republicanos” de esquerda e de direita, seu direito clama no deserto. Mas Dirceu deve saber que ali não se colhem rosas, somente cardos."

2 comentários:

Ladislau Dowbor disse...

Este negócio do Supremo Tribunal Federal simplesmente não passa no filtro do bom senso. Se houvesse alguma prova concreta de mensalão, não seriam necessárias milhares de páginas nem tantos anos. Um documento bastaria.


Se fosse justo, não estariam recorrendo a argumentos tão tortos do “deveria saber”, como denuncia Bandeira de Mello. Se fosse honesto, não trataria de maneira tão desigual o processo de Minas Gerais e o atual. Se fosse de bom senso jurídico, seria um julgamento técnico, discreto e direto, e não um teatro nacional, novela de batalha do bem contra o mal.

Se fosse decente, não montariam todo este espetáculo para coincidir com a campanha eleitoral de 2012, culminando numa sexta-feira, véspera da eleição. O que, aliás, pelos resultados, nem deu certo. Se fosse imparcial, como se imagina que a Justiça deveria ser pelo menos um pouco, não seria o processo tão claramente politizado contra o Partido dos Trabalhadores.

Se fossem tão corruptos, um Genoíno ou um José Dirceu, pelo menos teriam enriquecido um pouquinho. Sequer são acusados disso, não faria sentido. E se o dinheiro foi efetivamente aplicado nas campanhas publicitárias, como está provado com notas fiscais e como todo mundo viu na TV, como pode ter financiado o dito mensalão? Sobraria o “bônus de volume”, uma merreca, que faltou provar que seria dinheiro público.

Na falta de crime, ou de provas, sobrou ódio ideológico. A grande justificativa final de tanta falta de justiça foi repetida por Miguel Reale no Roda Viva: estavam comprando os deputados para votar as leis que queriam, portanto estavam deturpando a política, apropriando-se do poder.

Bem, primeiro, estavam eleitos. Segundo, a própria lógica revela santa simplicidade, ou santa hipocrisia. A moeda de troca com os parlamentares não é nenhum mensalão, mas os cerca de 15 bilhões de reais (só em 2007) que são as emendas parlamentares, com as correspondentes “rachadinhas”, legalmente instituídas, generalizadas a partir de 1993 com os “anões do orçamento”. São 25 emendas por parlamentar.

O que fica claro para mim é que o que a direita não conseguiu ganhar no voto, tenta ganhar nesta aliança estranha de uma mídia comercial desqualificada com um segmento do poder judiciário. E esta mídia, agitando para um povo que anseia por ética, de que finalmente “pegamos os corruptos”, é realmente abaixo da crítica, e não quer ver a corrupção real.

Quando gritam “pega ladrão”, eu prudentemente, com muita coisa vista, e tendo estudado suficiente direito, começo dando uma boa olhada em quem está gritando. Justiça não é teatro.

* Ladislau Dowbor é professor titular no departamento de pós-graduação da PUC/SP e da Universidade Metodista de São Paulo, e consultor para agências das Nações Unidas, governos e municípios.

Anônimo disse...

Nota sobre reportagem do Globo de hoje
11 set 2013 / Blog do Zé

Por Zé Dirceu

Escrevo em repúdio à manchete de hoje do jornal O Globo, que me acusa de desafiar o STF. A conclusão exposta pelo jornal em sua primeira página se baseia em entrevista que concedi à TV da Fundação Perseu Abramo. Qualquer um que tenha assistido à entrevista, ainda disponível na internet, sabe que em nenhum momento desafiei o Supremo. A interpretação adotada pelo Globo e sua opção por alçá-la à manchete traem a intenção de interferir no andamento da ação penal 470.

O que fiz na entrevista foi apenas reafirmar meu direito à revisão criminal, procedimento garantido pela Constituição e pelas leis penais. E também meu direito de recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, de cuja convenção o Brasil é signatário por aprovação do Congresso Nacional, estando submetido a ela não apenas nosso governo, mas também o poder Judiciário.

As Organizações Globo não têm legitimidade para me acusar de afronta à Justiça. Elas, sim, têm em sua história passagem notável de afronta ao STF, ao apoiar o golpe militar, a ditadura e o AI-5, que usurpou os poderes constitucionais do Supremo, eliminou as garantias individuais, o habeas corpus, a liberdade de expressão e organização. Eu estava do outro lado da trincheira, defendendo a democracia.