23 de setembro de 2013

Sobre José Dirceu (e por tabela todo o julgamento do "mensalão"): "Há uma questão de consciência que deveria se sobrepor(...)"

Por que só agora Ives Gandra disse que Dirceu foi condenado sem provas?
Por Paulo Nogueira em 23/09
"Data vênia, eu gostaria de saber por que só agora, tanto tempo depois, o jurista Ives Gandra disse publicamente que Zé Dirceu foi condenado sem provas.

A afirmação de Gandra foi o ponto alto de uma entrevista que ele concedeu à jornalista Mônica Bérgamo, da Folha. A entrevista é um dos assuntos mais discutidos neste final de semana na internet.

Gandra teve todas as oportunidades possíveis para dar sua opinião – influente, vistas suas credenciais de jurista e, mais ainda, sua conhecida falta de simpatia pelo PT.

Poderia ser num artigo, poderia ser numa entrevista – chances não faltaram.

Por que agora e não antes? Lembremos: no final do ano, Dirceu estava com as malas prontas para ir para a cadeia. Se as coisas seguissem o rumo que parecia que seria tomado, a declaração de Gandra seria um insulto a mais a Dirceu, dada a sua extemporaneidade.

Minha impressão é que Gandra, de alguma forma, sabia que as portas da mídia sempre tão abertas se fechariam para ele caso defendesse Dirceu e acusasse o STF de má conduta.

Se ele pensou isso, estava mais que certo. A mídia tradicional – excetuada, aqui e ali, a Folha – só dá espaço a quem escreve o que os donos querem que seja dito.

Gandra seria posto na geladeira, como provavelmente acontecerá agora. Ou alguém imagina que a Veja vá dar Amarelas com ele para expor seus pontos, entre os quais, aliás, figura um elogio tórrido à “coragem” de Lewandowski em ficar sozinho contra a manada? Alguém concebe Gandra em qualquer programa de entrevistas da Globonews ou da CBN?

Gandra provavelmente não quis se opor à, bem, à manada comandada pela mídia.

Mas.

Mas há uma questão de consciência que deveria se sobrepor. Foi o que fez Celso de Mello ao acolher – sob massacrante pressão da mídia e de pares como Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes – os chamados embargos infringentes.

É possível que, de alguma forma, Celso de Mello tenha inspirado Gandra.

Por isso, ainda que esta seja uma hipótese, seguem aqui os aplausos ao decano do STF.

Clap, clap, clap.

De pé."

Fonte: Diário do Centro do Mundo

Um comentário:

Anônimo disse...

Do blog do Roberto Moraes:

Parece que Ives Gandra reproduz agora o medo das elites

Da entrevista do jurista Ives Gandra concedida à jornalista e colunista Monica Bergamo, da Folha de São Paulo, se pode tirar diversas interpretações. Porém, nenhuma delas é maior do que o medo que parece vir das elites as quais o jurista sempre serviu com caros pareceres. Interessante que ela só tenha sido emitida agora, no intuito de fechar uma porta por onde novos "fatos" não devem passar sob determinados "domínios".

Na íntegra a entrevista pode ser lida aqui. Abaixo um trecho inicial que serve como argumento para esta nota:

"Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato. Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela -e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo” [a dúvida favorece o réu].

O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade. Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar]."

http://www.robertomoraes.com.br/