30 de janeiro de 2012

Carta ao amigo Luiz Felipe Muniz

Caro amigo,
Parabéns pela dupla oportunidade: apoiar a filha no que se refere a evolução dos estudos no exterior e usufruir de uma boa temporada em uma cidade tão bela.
Tenho visto as fotos que tens postado direto de Madri, Espanha. Um verdadeiro correspondente do Blog na Europa. Chique!
Ótimas fotos. Parabéns pela sensibilidade na captação do momento e das paisagens humanas e naturais e pela capacidade técnica no ajuste da objetiva, do obturador, da abertura, velocidade, etc. (se for tudo automático facilita também).
Infelizmente ainda não tive a oportunidade (ou não pude priorizar ainda) de uma viagem ao "velho mundo". O mais longe que cheguei foi a Buenos Aires e tive boas surpresas por lá.
Analisando suas fotos me vem a mente uma observação que me acompanha desde sempre: cidades são belas e "amigáveis" não somente por questão da natureza mas também pelas intervenções humanas no espaço bem como do comportamento de seus cidadãos.
Madri parece ser uma cidade agradável, com belos prédios antigos preservados, praças, jardins e bosques bem conservados, ruas largas, calçadas padronizadas, ciclovias, muitas árvores, bom transporte público que parece não estar o tempo todo lotado, etc.
É claro que não tenho base para afirmar que Madri é a oitava maravilha do mundo, com certeza tem os seus problemas, mas o ponto em que desejo chegar é que - tomando como base suas belas fotos - é facilmente perceptível como temos de melhorar as nossas ruas, nossos bairros, nossas cidades.
Com louváveis exceções sempre tive a impressão que nossos espaços urbanos (nossos, do Brasil) são feios. Mal projetados, mal construídos, sem manutenção, sem preocupação com o coletivo, pouca arborização, poucas praças e jardins em boas condições, transporte público péssimo, etc.
Certa vez vi algumas fotos da Zona Sul do Rio. Nelas haviam retirado com o photoshop as montanhas e alguns outros aspectos da natureza. O que restou foi uma cidade sem graça.
De outra feita tive que transportar por alguns metros umas dessas malas de viagem com rodinhas. Não consegui arrastar ela pela calçada tais os desníveis, buracos e imperfeições no piso. Sem falar no sol inclemente com poucas sombras de árvores. Aliás, tente entrar com uma mala dessas em um transporte coletivo...
O Brasil está caminhando bem na economia, na busca de resolver suas mazelas sociais. A Europa enfrenta sérios problemas econômicos, resultado de falhas de programação quando da criação da União Européia e por conta da crise fabricada nos EUA.
Mas olhando suas fotos fica claro o que significa Índice de Desenvolvimento Humano. Embora estejamos cada vez melhor em nosso PIB ainda estamos muito mal no IDH.
Obras e educação. Saúde e conscientização. Cultura e honestidade. Etc.
Muitas vezes não nos damos conta que moramos mal. As ruas, os bairros, as cidades tem de ser extensão de nossas casas. Tem de ser agradável sair para uma caminhada sem o risco de pegar uma insolação por falta de sombra, ser assaltado, levar um tropeção na calçada mal feita e sem manutenção, cair em um buraco na rua, ser soterrado por um prédio ou encosta que cai, pegar uma alergia respiratória por conta da poluição atmosférica, ficar deprimido por conta da poluição visual, etc.
Talvez seja esse o principal impacto de suas fotos: como eu já imaginava existem ruas e bosques muito mais agradáveis, para ter prazer de sair de casa.
Fica claro que precisamos avançar muito, mas é preciso que os brasileiros tenha essa percepção do espaço urbano construído por todos e saber exigir das autoridades que administram o nosso dinheiro que queremos bem estar.
Também nas suas fotos vemos que está muito frio por aí. Ponto contra? Nem tanto. Ok, eu adoro praia mas imagino que no verão dá pra pegar umas ondas por aí também. Pelo menos em Ibiza. Além disso a forma de ficar elegante é quando temos pelo menos temperaturas amenas ou frias.
O que me faz lembrar de uma amigo gaiato que dizia, há tempos, que o problema do Brasil é ser tropical. Segundo ele não dá para ser desenvolvido de bermuda e camiseta. Desenvolvimento humano é sinônimo de elegância e vejo todos elegantes aí em Madri. Até dá para concordar um pouquinho, sobretudo nos verões inclementes. Mas, como diziam os Novos Baianos nos 70, "chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor". Ou ainda, como falava o Chico Buarque em sua canção proibida na época da ditadura: "ai essa terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal". E eu acrescentaria: imagine as coisas boas que temos aqui com um acabamento das melhores cidades européias?
É isso, caro amigo Luiz Felipe. Espero que não se anime tanto com Madri que resolva ficar de vez por aí. Precisamos de suas inestimáveis contribuições aqui!
Abraços a todos.
Direto do Brasil, do amigo Marcos.

4 comentários:

JoSiAne disse...

Prezado Marcos,
Muito boa a sua carta para seu amigo Luiz Felipe que está em Madri.
Utilizando-se de um ótimo artifício (a carta) fez um excelente post sobre a situação das cidades e do IDH brasileiros.
Eu nunca tinha pensado nisso, sobre o estado das cidades no Brasil e nem tinha feito essa comparação quando vi as fotos.
Sua sacada foi muito boa porque despertou a atenção para algo que eu nem percebia.
E as fotos do Luiz Felipe estão muito boas mesmo.
E dá vontade de ir para Madri.
Só duas coisas que gostaria, se possível, que você detalhasse um pouco mais: bermudas e camisetas como impeditivo do desenvolvimento e a música citada do Chico, que eu não conheço. A outra, dos Novos Baianos, eu sei que é a ótima Brasil Pandeiro.
Parabéns e obrigada!
Bjs.

Marcos Oliveira disse...

Olá Josiane!

Obrigado por seus comentários aqui no blog. A participação dos leitores é sempre muito importante.

Vamos começar pelo final: a música do Chico Buarque chama-se "Fado Tropical", de autoria dele e do Ruy Guerra. Consta do disco "Chico Canta" de 1973. Foi inserida na peça "Calabar, o Elogio da Traição", proibida pela censura na época.

É bom frisar que para entender o significado é bom colocá-la no contexto da peça original. Aqui eu utilizei de forma simples e solta, me referindo ao que existe de bom lá (Portugal representando a Europa) replicado aqui (sem a perda de nossas características). Isso não tem muito a ver com as idéias originais da peça/música.
Veja só:
"Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do alentejo
De quem numa bravata
Arrebata um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal "

Mas...
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Quanto à "Bermudas e Camisetas versus Desenvolvimento" é uma brincadeira. Ou não. Antropólogos já estudaram isso? O calor dá mesmo preguiça de trabalhar? O fato de países frios obrigarem os seus habitantes a se trancarem faria com que produzissem mais e melhor?

Charles de Gaulle jura de pés juntos (até porque está no cemitério - epa! essa foi horrível) que nunca falou que o "Brasil não é um país sério". Mas a minha amiga Paulinha Toller do Kid Abelha avisa pro cara: "tira essa bermuda que eu quero você sério" e não era para ele ficar pelado. Subentendia-se: "tira essa bermuda - coloca uma calça comprida - que eu quero você sério". Foi o que ela me disse (sobre o significado - eu não sou o cara; infelizmente).
Bjs.

Luiz Felipe Muniz disse...

Marquinhos, não sei se darei conta da merecida resposta às suas tão acertadas colocações...vamos tentar logo logo...

Marcos Oliveira disse...

Ok, caro amigo!