23 de outubro de 2014

Estaria o "ódio ao PT" matando a candidatura de Aécio?

Uma campanha política presidencial onde o principal mote - direta ou indiretamente - é o ódio puro e simples, mais cedo ou mais tarde vai colher seus dividendos. E eles nunca são positivos.
Para sorte da maioria dos brasileiros e brasileiras tais dividendos estão se mostrando antes do próximo domingo, dia 26, alertando muitos dos eleitores de Marina que migraram para Aécio em um primeiro momento e até mesmo retirando votos - até então consolidados - do mineiro do Leblon.


Ódio ao PT está matando a candidatura de Aécio Neves
Por Laura Capriglione em seu Blog
"Imerso em uma piscina de bílis e ódio, o  candidato tucano Aécio Neves chamou a sua adversária Dilma Rousseff, no debate do SBT, de “mentirosa” e “leviana”Foi agressivo e desrespeitoso como não se tinha visto até ali.
Ele não precisava disso. O ex-governador de Minas já fora repreendido abertamente por Luciana Genro (PSOL) quando lhe levantou o dedo, durante um debate.
"Por que Aécio nunca fez isso contra adversários homens?", perguntou o PT.
Aécio tem contra si uma denúncia séria de agressão contra mulher, reportada pelo jornalista Juca Kfouri em 2009. Ele “deu um empurrão e um tapa em sua acompanhante no domingo passado, numa festa da Calvin Klein, no Hotel Fasano, no Rio”, escreveu Kfouri na época.
O candidato até ameaçou processar por injúria, calúnia e difamação. Mas o jornalista sustentou a informação e Aécio deixou por isso mesmo.
Por que será?
Logo, um notório espancador de mulheres, o ator Dado Dolabella, animou-se a externar seu apoio a Aécio. Chato! Dolabella, de parcos dotes artísticos, é mais famoso por ter distribuído bofetadas públicas em Luana Piovani e em uma camareira, agressões pelas quais foi condenado, enquadrado na Lei Maria da Penha.
Os marqueteiros de Aécio já deviam saber que o ódio é um aliado mortal em eleições democráticas. Assusta. É sórdido. Na história, só ganhou eleições em países à beira do precipício da ruptura institucional.
Todos se lembram da abertura da Copa do Mundo, estádio novinho em folha, quando o Brasil deu ao planeta a prova cabal da qualidade da elite que tem. Do setor ultra-vip do estádio, especificamente do camarote do Itaú (e eu nem insinuo que seja mais do que uma infeliz coincidência que se tenha tratado do mesmo banco da dona Neca Setúbal, a coordenadora do programa de governo de Marina Silva), elevou-se o grito “Ei, Dilma! Vai tomar no cu!”
Foram milhares de vozes cujos donos ou tinham sido convidados por megacorporações para estar lá, ou eram felizes pagantes dos cobiçados ingressos Fifa (na porta, cambistas ofereciam os últimos tickets por até R$ 2.000).
A violência e vulgaridade do insulto, transmitido para bilhões de aficionados do futebol espalhados pelas centenas de países que receberam o sinal direto da Arena Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo, durou poucos minutos —mas infinitos minutos para Dilma, que, estóica, suportou com o semblante fechado a humilhação diante do mundo.
O resultado? Ela saiu transformada do episódio. Voltou a ser a vítima com aura heroica. Os seus agressores, ao contrário, depois do grito, vestiram-se com a máscara repulsiva e covarde dos linchadores.
Linchadores de uma mulher, é bom salientar. Isso nunca pega bem.
José Serra, em 2010, todos se lembram, além de forjar uma agressão por bolinha de papel, pôs-se a denunciar o suposto abortismo de Dilma. Logo ele, cuja própria mulher havia se submetido a uma interrupção voluntária da gestação. Tanta encenação, percebeu-se logo, foi só para agradar ao raivoso e descontrolado pastor Silas Malafaia. De novo, assustou.
Aécio vai na mesma toada.
Soltar cachorros hidrófobos gera vítimas e a sensação de que todos estão ameaçados. Ninguém —a não ser os loucos— quer isso para o país. Eis porque causam repugnância as manifestações de intolerância explicita como as que atingiram o ator e escritor Gregório Duvivier, quando foi atacado aos berros em um restaurante de comida natural só porque cometeu o “erro” de escrever em sua coluna de jornal que votará em Dilma.
É atirar no próprio pé o PSDB se associar ao ideário do Clube Militar, a pretexto de derrubar o PT. Até a grife de óculos escuros Rayban sofreu durante anos o impacto negativo nas vendas, por associação como essa… Porque os Rayban eram os preferidos dos torturadores. A turma do porão da Ditadura aparecia pouco, mas quando o fazia, vinha sempre escondida detrás daquelas lentes que em outros países representam o glamour da aventura. A minha geração baniu o Rayban escuro.
A impressão que dá é que o PSDB, por falta de algo melhor para dizer (além de que manterá a bolsa-família), precisa insuflar o ódio para criar factóides de imprensa. É a única coisa que explica que Fernando Henrique Cardoso afie os dentes dos advogados da supremacia do Sul e Sudeste, ao atribuir à desinformação do povo nordestino a votação acachapante no PT, durante o primeiro turno das eleições presidenciais.
“O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”, disse FHC, desdenhoso. O resultado foi uma horda de doidos ter-se considerado autorizada pelo mestre a externar os mais odiosos preconceitos. A rede social está coalhada de manifestações dos baixos apetites incitados.
Como resultado óbvio de tal convergência insultuosa Aécio viu crescer e se multiplicar a sua taxa de rejeição. Afastou novos eleitores e conseguiu assim estancar o crescimento eleitoral que poderia levá-lo a vencer o PT. Agora, de novo, é Dilma quem detém a iniciativa."

Sobre a autora:
Laura Capriglione, 54, é jornalista. Nasceu em São Paulo e cursou Física e Ciências Sociais na USP. Trabalhou como repórter especial do jornal “Folha de S.Paulo” entre 2004 e 2013. Dirigiu o Notícias Populares (SP), foi diretora de novos projetos na Editora Abril e trabalhou na revista “Veja”. Conquistou o Prêmio Esso de Reportagem 1994, com a matéria “Mulher, a grande mudança no Brasil”, em parceria com Dorrit Harazim e Laura Greenhalgh. Foi editora-executiva da revista até 2000.

2 comentários:

Marcos Oliveira disse...

Marcha anticomunista ontem em São Paulo

O repertório de xingamentos a Dilma Rousseff (PT), ao PT e a símbolos da esquerda foi vasto. “Dilma terrorista!” / “Ei, ebola, leva a Dilma embora” / “Ai que maravilha, a Dilma vai pra Cuba e o Aécio pra Brasília”. Sobrou também para o compositor Chico Buarque, apoiador da candidata petista. “Chico Buarque, vai cantar Geni na m*”. A preocupação com o comunismo permeou todo o ato: “A nossa bandeira jamais será vermelha”, gritavam os mais exaltados. Um cartaz com os dizeres “Viva a liberdade! Fora o comunismo!” foi afixado na frente do carro de som que levava as celebridades. Os simpatizantes do tucano também fizeram uma versão de “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, hino da resistência à ditadura militar. “Dilma vai embora que o Brasil não quer você / aproveita e leva embora os vagabundos do PT.”

Maria Frô disse...

Mídia frustada com o seu ódio virando contra o feiticeiro

Ainda na minha adolescência, eu filha de baiana que sou, via colegas usando o termo “baiano” como xingamento em São Paulo: “fulano seu baiano, fazendo baianada!” No Rio, o sinônimo para o mesmo preconceito era ‘paraíba’ (Já falei sobre isso aqui).

Lula, um pernambucano, migrante, metalúrgico foi eleito em 2003 e este preconceito se acirrou, como também cresceu a reação a ele por parte dos nordestinos que com orgulho de seu pertencimento passaram a não admitir serem detratados. Com a eleição de Dilma, em 2010, tivemos o Ministério Público finalmente reagindo e o caso exemplar de Mayra Petruso. Este ano, novamente, no primeiro turno, a expressiva votação de Dilma no Nordeste fez até FHC escorregar no preconceito.

Mas nestas eleições outro fenômeno se destacou para além dos preconceitos de classe, regionais, de gênero, de raça: o ódio da direita que se sente ameaçada em seus privilégios com a ampliação da cidadania a milhões de brasileiros. Este ódio foi canalizado ao PT, o partido que governa o país desde 2003 e fez profundas mudanças no que diz respeito à inclusão de uma parcela imensa da população brasileira sempre alijada, sempre esperando o bolo crescer para se alimentar. Só que antes dos petistas governarem o Brasil, esse bolo crescia, era servido na festa, e aquela população sempre apartada nunca recebia convite para prová-lo.

É um pouco sobre os promotores deste ódio irracional e os mecanismos utilizados para explorá-lo que o professor Sidney Chalhoub há alguns dias escreveu. Em carta aberta aos jovens, ele fala sobre a corrupção histórica, elemento fundante do Estado Brasileiro, mas que a mídia calhorda, que instiga este ódio contra o PT, insiste em atribuir a paternidade da corrupção exatamente ao governo que mais a combateu neste país.

Esta mídia que desinforma os descerebrados que bradam seu ódio na rede e nas ruas por desconhecimento ou por defesa de seus interesses de classe dominante, numa hipocrisia sem fim agora se espanta que seu candidato mal educado e desrespeitoso perca votos exatamente entre a turma que sempre plantou o trigo, fez a farinha, criou as galinhas, selecionou os ovos, bateu e assou o bolo e nunca experimentou uma fatia quando o dono da festa eram os tucanos.