4 de setembro de 2009

Nietzsche e Museo Rosenbach

Já comentei aqui em outras oportunidades que praticamente todos os arquivos que eu tinha do Jornal Metamúsica (publicação que editei por cinco anos na década de 90) se perderam. Só restam as cópias em papel e eu pretendo fazer uma longo trabalho de resgate para criar um site que contenha as matérias que foram escritas. Meu amigo Ecil Batista acha que a melhor solução é fotografar todas as centenas de páginas (em formato A3) em alta resolução, jogar no computador e usar um programa de conversão imagem => texto e depois fazer a organização, inserindo novas imagens coloridas (a publicação era em preto e branco). Longo trabalho... falta tempo! Enquanto isso, de vez em quando me surpreendo encontrando artigos meus “perdidos” na Internet. Esta semana, por exemplo, achei esse que trata da análise de um complexo trabalho musical feito na Itália nos anos 1970. Me lembro que na época “mergulhei” na complicada obra de Nietzsche para tentar traduzir a essência musical do disco “Zarathustra”. Devo dizer que, algum tempo depois de ter publicado essa matéria, recebi correspondência da Itália, vinda de um dos componentes da banda (acho que foi o Alberto Moreno) agradecendo e elogiando a abordagem adotada. É claro que adorei. No entanto, ao reler a matéria vejo hoje que mudaria alguma coisa e acrescentaria outras. Com o tempo, mudamos... Mas optei por manter o artigo original. Espero que gostem. Sugiro procurar na Internet este disco (hoje é quase impossível encontrá-lo em edições oficiais). Em tempo: depois de outra pesquisa, descobri trecho dessa mesma matéria em uma página oficial italiana do grupo. Para entender melhor a obra do filósofo abordada no disco, sugiro o livro “Quando Nietzsche Chorou”, romance de Irvin Yalom, psicoterapeuta e professor de psiquiatria na Universidade de Stanford. Ontem postei aqui (vejam logo abaixo) uma das músicas do disco, para quem ficar curioso e quiser ouvir, depois de ler a matéria.

MUSEO ROSENBACH E A FILOSOFIA RADICAL
Entre os grupos italianos que só lançaram um disco em sua existência, um dos mais cultuados é sem duvida o MUSEO ROSENBACH. Banda formada em 1972 em uma pequena cidade próxima de Genova ( Bordighera ), por Giancarlo Golzi, Alberto Moreno, Enzo Merogno, Pit Corradi e Stefano ´Lupo´ Galifi (alguns tinham participado do grupo IL SISTEMA, que tem um disco lançado pela MELLOW, “IL VIAGGIO SENZA ANDATA”-MMP101), iniciou a carreira apos muitos ensaios, fazendo abertura dos shows do grupo genovês DELIRIUM, que naquela época era respeitado, pois já havia lançado os discos ´DOLCE ACQUA´ (em catalogo pela FONITCETRA - CDM 2027) e ´LO SCEMO E IL VILLAGGIO´ (idem- CDM 2025), tendo participado com sucesso do festival de Sanremo naquele mesmo ano. Isso proporcionou ao grupo uma certa notoriedade o que veio dar a oportunidade de gravar o primeiro (e único) disco, no ano de 1973, pelo selo Ricordi. Apesar do relativo sucesso, o grupo se dissolveu e infelizmente não deu continuidade ao projeto iniciado em ´ZARATHUSTRA´, que era o de unir musica erudita, principalmente das fases Barroca e Romântica com o Hard Rock praticado por grupos como o URIAH HEEP, costurados por temas mais sofisticados, principalmente filosofia.
As influências progressivas vão de KING CRIMSOM a VAN DER GRAAF GENERATOR e o resultado conseguido pelo grupo pode ser considerado uma síntese do que de melhor se fez na terra de Vivaldi nos anos 70, pois une singelas melodias italianas de caráter folclórico com um certo peso anglo-saxônico, conseguindo um nível de dramaticidade poucas vezes atingido, graças também a excelente atuação do vocalista que soube dar o tom que a obra pedia. Um dos pontos altos do disco são as letras das musicas, que estão relegadas a segundo plano devido a barreiras lingüísticas. É sobre isso que daremos ênfase agora.
- ´Uma tranqüila figura de um homem que vivendo em comunhão com a natureza, tende a purificar-se da hipocrisia dos valores humanos´ (tradução do editor).

OS TEMAS
A escolha do nome do grupo parece ter sido em virtude de uma homenagem a um pesquisador chamado Ottomar ROSENBACH (1851-1907), que teria realizado estudos no campo do sistema nervoso. Confirmando-se esta informação, o MUSEO teria seguido a tradição de alguns grupos que também fizeram menção a pensadores, pesquisadores e escritores , como por exemplo os alemães HÖLDERLING (1770-1843) e NOVALIS (1722-1801). O VAN DER GRAAF (GENERATOR), por exemplo, homenageou um cientista chamado VAN DER GRAAF, pois a banda começou praticamente no dia da morte do físico.
Por outro lado, todos os temas do disco são baseados nas idéias de outro filosofo e poeta do século XIX, também alemão : Friedrich NIETZSCHE (1844-1900), principalmente de seu livro “ALSO SPRACH ZARATHUSTRA” -“ASSIM FALAVA ZARATUSTRA” (1883-1885), que é considerado um resumo de todo o seu pensamento.
- ´Lendas antigas dividiram no tempo o bem e o mal (...)
Cego em sua fé, (o homem) perde a escolha pela liberdade´ (tradução do editor)
Nietzsche é talvez o mais radical dentre todos os filósofos. Suas idéias costumam despertar paixões extremadas de amor/ódio, uma vez que mexe com todos os conceitos básicos que regem a vida do individuo consigo mesmo e deste com a sociedade. Questionou todos os valores ocidentais e por conseguinte todo o conhecimento da filosofia tradicional, ou seja, tudo que é reconhecido como verdade e que norteia a existência das pessoas como, por exemplo, moral, religião (´IL RE DI IERI - O REI DE ONTEM´), ciência, política, etc.
- ´Mil tradições construíram um mito ao redor de mim
Sozinho e sem forças, me perco nas minhas palavras
E quem eu procuro, caminhou sempre ao meu lado...´ (tradução do editor)
Para o filósofo, as teorias e todo o conhecimento humano se desenvolveram a partir da criação de engrenagens ilusórias que visavam facilitar que uns exerçam o poder sobre outros, através de dogmas a serem aceitos como verdades inquestionáveis, o que propiciou o aparecimento do ´Último Homem´ (´L'ULTIMO UOMO´), o virtuoso e fraco, em contrapartida ao ideal ´Super-Homem´ (´SUPERUOMO´), que se supera, criando um mundo baseado em suas necessidades e seu querer. Nesta linha, Nietzsche diz que a essência do mundo moderno é o pensamento racional (baseado nas idéias de Sócrates e do Cristianismo) que pregam a aceitação pura e simples dos conceitos Verdade, Beleza etc., e que desemboca sempre em atitudes de resignação, o que ocasionaria a perda da ´inteligência instintiva´, a única capaz de elevar o homem. Por isso os valores são colocados em desconfiança, pois seriam elementos de hipocrisia que justificariam a vida sem grandes realizações (´OLTRE IL BENE E IL MALE - ALÉM DO BEM E DO MAL´).
E bom frisar que as idéias deste filosofo não pretendiam ser conceitos de ´Verdade´ em contraposição às ´Mentiras´ históricas, uma vez que para ele não existiam ´Verdades´, e sim indicações de caminhos a serem seguidos para uma análise mais correta da existência, não tendo também nenhum sentido doutrinário como chegaram a tentar utilizar para justificar certos conceitos de ´raça superior´. Outra idéia defendida por Nietzche, é a reinterpretação filosófica e mística do ´Eterno Retorno´ (DELL' ETERNO RITORNO), segundo o qual tudo que vivemos já ocorreu e ocorrerá outra vez, repetindo-se infinitamente, não havendo distinção portanto entre passado, presente e futuro. Daí o questionamento: se tiver de viver tudo de novo, infinitamente, você tentaria mudar aspectos de sua vida?
- ´Não posso mais procurar uma estrada, pois a mesma veio ao meu encontro
Morro sem esperar que depois alguma coisa nasça, alguma coisa mude.
O meu futuro já esta lá, a estrada que conhecerei me levara onde o último homem permanecerá, no reino do retorno eterno.´ (tradução do editor)
A música do MUSEO ROSENBACH procura traduzir em todos os seus aspectos o pensamento de Nietzsche, não só pelas letras, mas também na maneira dramática da interpretação, pois para o filósofo, a arte trágica (por exemplo o teatro grego de tragédia) é o caminho para anular a razão e fortalecer a ação e a emoção que são os caminhos reais da existência, pois promoveriam um retorno à espontaneidade do homem, perdida devido aos grilhões que são os valores tradicionais. Neste sentido o disco tem uma forte dramaticidade.

CONCLUSÃO
Ao analisarmos com mais detalhes o disco ´ZARATHUSTRA´, concluímos que o MUSEO ROSENBACH merece toda a fama que tem entre o publico adepto dos sons progressistas não só pela musica (que Nietzsche gostava muito, tendo inclusive composto muitos temas eruditos), como também pela inteligência de adotar temas tão complexos no desenvolvimento das letras, o que comprova mais uma vez ser o ROCK PROGRESSIVO (ou como queiram chamá-lo) um dos estilos mais completos de se fazer musica popular.
Para quem quiser ler um pouco mais de filosofia seria bom começar pelos clássicos Platão (que escreveu sobre Sócrates) e Aristóteles, ou ainda procurar um livro que trace pedagogicamente a história da filosofia. Neste sentido, recomenda-se as publicações ´Curso de Filosofia´, organizado pelo Prof. Antonio Rezende e ´Dicionário Básico de Filosofia´ dos Doutores em Filosofia Hilton Japiassu e Danilo Marcondes de Souza Filho. Ambos os livros são da ´Jorge Zahar Editor´ do Rio de Janeiro e serviram de consulta para este artigo. De Nietzsche (que teria morrido louco) existem os livros ´Eterno Retorno´, ´A Genealogia da moral´, ´Para além do Bem e do Mal´ e ´Crepúsculo dos ídolos´, além de ´Assim falava (ou falou) Zaratustra´.
O disco ZARATHUSTRA do MR esta sendo editado pela KING RECORDS do Japão, tendo-se a perspectiva de lançamento também na Coréia, através da SI-WAN RECORDS. Na Itália, a MELLOW RECORDS, lançou 03 discos contendo sobras de estúdio e gravações ao vivo, são eles : RARE AND UNRELEASED (CD-MMP 103) , LIVE 72 (CD-MMP 102) e RARITIES (LP-MMLP 102). A qualidade destes discos não é das melhores, mas serve como curiosidade e item de coleção.
Marcos Cardozo de Oliveira

4 comentários:

Anônimo disse...

Essa sua matéria ficou show de bola. Esse disco não é só um marco pelo seu instrumental impecável do ponto de vista progressivo 70, mas pelas suas letras. Poesia pesada, densa e direta, assim como nosso filósofo adorado. Parabéns pela análise.

Anônimo disse...

Muito legal a sua matéria, há tempos ia procurando a respeito desse tema e este texto foi o melhor que li já que aborda as várias faces desse disco histórico sobre perspectiva crítica muito interessante. Parabéns pela matéria, e já que gostei do blog vou voltar sempre que tiver um tempinho!

agn disse...

Há coisas na vida que impressionam. Quando me deparei com o dico do "Museo" oque me interessava era a "música" de caráter progressista. Um belíssimo disco. Nunca me preocupei com seu lado filosófico. Hj começo a érceber isto. Só te agradeço!!!

Marcos Oliveira disse...

Obrigado aos amigos que visitaram o Blog pela primeira vez e gostaram do artigo. Voltem sempre. Prometemos colocar matérias semelhantes outras vezes.