14 de julho de 2010

Aposentadorias, Fundos e o Golfo do México

Interessante este artigo do respeitado tabloide francês "Le Monde Diplomatique".

Em 20 de abril passado, nem os investidores chineses nem os aposentados britânicos suspeitavam que a maré negra ao largo da Louisiana os atingiria tão depressa. No local, 11 operários de uma plataforma petrolífera perderam a vida; os pescadores da baía de Saint Louis, seu instrumento de trabalho; a população do golfo do México, a qualidade do meio ambiente e os pelicanos pardos. Em locais muito mais distantes das áreas afetadas, as autoridades de Pequim e os aposentados britânicos foram vitimados por outro tipo de prejuízo: em dois meses, as ações da BP perderam 48% do seu valor. A paixão dos fundos soberanos chineses - assim como os do Kuait e de Cingapura - pelas companhias petroleiras ocidentais deverá esfriar sensivelmente (1)...

O caso dos aposentados britânicos apresenta um interesse particular no momento em que, pressionados pelos mercados financeiros, os Estados euro peus estão `reformando` (ou, melhor dizendo, amputando) seus sistemas de proteção social. Isso porque a redução contínua do reembolso das despesas com saúde e do montante das aposentadorias, pelos governos, precipitou um bom número de assalariados nos braços das seguradoras privadas ou dos fundos de pensão. No Reino Unido, como poderiam tais fundos não ser atraídos pelos 8,4 bilhões de euros anuais de dividendos da BP? Portanto, a empresa petroleira que reina no topo da London Stock Exchange chegou ao ponto de garantir, por si só, a sexta parte da sua renda.

A renda paga aos aposentados britânicos era tão mais confortável que a BP reduzia seus custos - negligenciando, quando necessário, as medidas de segurança. Entretanto, uma vez que os Estados Unidos não são nem uma zona de não direito nem um pequeno país cujo presidente se movimenta como uma marionete antes de ceder diante de uma multinacional, eles podem se defender contra a destruição da sua flora e da sua orla: a cada barril de petróleo (159 litros) que vaza no mar, o poluidor incorre numa multa de US$ 4.300. Isso equivale a dizer que um vazamento de óleo que poderia ser 17 vezes maior que aquele derramado pelo navio Exxon-Valdez no Alasca, em 1989, tem tudo para deixar arrependidos os acionistas da BP em relação às pequenas economias efetuadas pela companhia para maximizar seus lucros.

Impelidos pelo regime de aposentadoria por capitalização, os assalariados de Londres ou de Manchester entrelaçaram a prosperidade da sua velhice ao destino do seu fundo de pensão. Eles veem forçosamente com maus olhos as medidas de cobrança americanas, que reduzem o valor em Bolsa da BP e que já contribuíram para deteriorar sensivelmente sua cotação junto às agências de notação. Quando o presidente Barack Obama comunicou que a empresa petroleira pagaria todas as consequências da sua negligência, o antigo ministro trabalhista, Tom Watson, se disse preocupado com ‘uma crise séria para milhões de aposen tados no Reino Unido’.

Prender numa armadilha os ‘milhões’ de assalariados em busca de segurança, após toda uma existência de trabalho, e transformá-las em aves de rapina robotizadas que investem suas esperanças em sintonia com os dirigentes da BP, em detrimento dos anseios dos pescadores da Louisiana: no fundo, esta é a verdade desse sistema. Crise após crise, ele deixa expostas as solidariedades equivocadas. graças às quais ele ainda se mantém de pé.

Serge Halimi é diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

1 Segundo a agência Bloomberg, a Noruega, o Kuait, a China e Cingapura teriam perdido 3,4 bi lhões de libras (4,1 bilhões de euros) desde o inicio da maré negra na Louisiana.

Fonte: Le Monde Diplomatique

2 comentários:

Anônimo disse...

Preocupante.

Henrique Meireles disse...

Pelo que entendi os fundos de aposentadoria investiram quase tudo apenas na BP o que é uma falha. A carteira tem de ser o mais diversificada possível, caso contrário o risco é muito grande. Deveriam existir regras e fiscalização, mas lá é neoliberalismo...