30 de julho de 2010

A Crise na Igreja

O texto me foi enviado pelo grande amigo Olavo Abreu e como estou a visitar Portugal, cuja a história envolve tanto a Igreja Católica como o Poder do Estado na Monarquia, com monumentos, palácios e monastérios fantásticos, construídos em um tempo em que o Poder Papal se misturava com o Divino Poder Real...sinto mais de perto o quanto pode representar em nosso tempo esta crise que assistimos meio que atônitos, num desenrolar nas entranhas da Igreja Católica, que muito provavelmente trará mutações definitivas na estrutura daquilo que hoje conhecemos olhando de fora...com a palavra quem bem conhece esta história: Leonardo Boff!

"Leonardo Boff
A crise da pedofilia na Igreja romano-católica não é nada em comparação à verdadeira crise, essa sim, estrutural, crise que concerne à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à Igreja como comunidade de fiéis. Esta continua viva apesar da crise, se organizando de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da Tradição. A questão é: que tipo de instituição representa esta comunidade de fé? Como se organiza? Hoje, ela comparece como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler o evangelho em grupo e então a fazer a suas análises.
Dito de forma breve, mas não caricata: a instituição-Igreja se sustenta sobre duas formas de poder: um secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano e outro espiritual, assentado sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus que ele identifica com a instituição-Igreja. Em sua montagem concreta não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que contam, mas estes poderes, considerados como um único "poder sagrado" ( potestas sacra) também na forma de sua plenitude ( plenitudo potestatis) no estilo imperial romano da monarquia absolutista.


César detinha todo o poder: político, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente, detém igual poder: "ordinário, supremo, pleno, imediato e universal" (canon 331), atributos só cabíveis a Deus. O Papa, institucionalmente, é um César batizado.
Esse poder que estrutura a instituição-Igreja foi se constituindo a partir do ano 325 com o Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392 quando Teodósio, o Grande (+395), impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas.


Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII, que (em 1075) se auto-proclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) se apresentou como sucessor de Pedro, mas também como representante de Cristo. Seu sucessor, Inocêncio IV(+1254), deu o último passo e se anunciou como representante de Deus e senhor universal da Terra, podendo distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugal, no século XVI. Só faltava proclamar o Papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX em 1870. O círculo se fechou.
Ora, este tipo de instituição encontra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continuado estudo e meditação sobre a Igreja (meu campo de especialização) suspeito que chegou o momento crucial para ela: ou corajosamente muda, e assim encontra seu lugar no mundo moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização, e aí terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis. O projeto atual de Bento XVI de "reconquista" da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é fadado ao fracasso se não proceder a uma mudança institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste, como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e a valores evangélicos.
Esse crescendo na vontade de poder, imaginado ilusoriamente vindo diretamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes em seu Leviatã: "o poder quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder". Uma instituição-Igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e se faz insensível aos problemas existenciais, como da família e da sexualidade.


O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar este desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI que insistiram no centralismo romano, agravando a crise. O que um dia foi construído pode ser, no outro, desconstruído. A fé cristã possui força intrínseca de encontrar, nesta fase planetária, a forma institucional mais adequada ao sonho de seu Fundador e mais consentânea ao nosso tempo."

http://www2.gazetaonline.com.br/_conteudo/2010/07/649400-a+crise+na+igreja.html

Enquanto isso...em Cascais a Igreja Universal toma espaço do que já foi um belíssimo e confortável cinema...


Em breve postaremos mais fotos de CASCAIS...

Um comentário:

Jefferson Airplane disse...

É incrível como a Igreja Católica tenha conseguido resistir durante tantos séculos. É a única instituição que mantem suas características desde antes da Idade Media. As antigas e fantásticas Igrejas da Europa (conforme vc tem visto aí) mostram isso. Espero que consiga resistir, fazendo adaptações. Melhor que a IURD que acaba com os cinemas e casas de shows (até em Portugal e agora no resto do mundo). Falando em shows, já estou sentindo faltas dos posts musicais.
Abraços.