Kony: único vilão ou resultado de uma histórica política internacional errada na África? |
Na Internet usa-se esse termo quando um fato, idéia, video, etc. é disseminado rapidamente entre os usuários da grande rede. Igual a transmissão dessas viroses de verão que estão derrubando muita gente. Eu inclusive já 'dancei' nessa.
A utilização desse termo designa muito bem o fenômeno e vem de outra fonte: o 'marketing viral'.
Lembram-se daquela que estava na Canadá? É mais ou menos por aí.
Facebook, You Tube, Twitter e os emails são os grandes propagadores virais.
O mais recente episódio desse fenômeno é o documentário Kony 2012.
Ele serve muito bem para ilustrar o principal problema dos "virais": a possibilidade de levar milhares de pessoas a pensar e agir de acordo com os desejos dos estrategistas.
Vemos então o outro lado da questão. Se por um lado as conexões possibilitam a ocorrência de eventos que nasceram da própria comunidade (a 'primavera árabe', por exemplo), por outro facilita o que o topo da pirâmide sempre fez: controle das massas. E não me refiro aqui à comida italiana.
Talvez os jovens sejam as principais vítimas porque agem por impulso e lhes falta buscar o contraponto.
Desde que soube deste documentário queria escrever sobre ele aqui e andei pesquisando em muitas sites e blogs. Por sorte surgem logo aqueles que tentam mostrar o engodo.
Não estou dizendo aqui que venho defender o vilão, mas é necessário que todos conheçam a história toda e não parte dela. Caso contrário a vitória sobre o vilão pode significar uma piora na situação. Mas só que ninguém vai ficar sabendo disso.
Hoje achei no ótimo blog Com Texto Livre (que aparece em nossa lista de "Sugestões" aqui ao lado) um artigo que traz exatamente o meu ponto de vista resumido acima, só que detalhando a história.
A autoria é de Marina Barros que escreve em outro blog, Outras Palavras.
Inseri abaixo, na íntegra.
Para quem não conhece a história desse documentário, vale a pena ler. Quem conhece também.
Fundadores do grupo Invisible Children com rebeldes Sudaneses eles próprios acusados de graves crimes de guerra contra civis |
Como um documentário oportunista tornou-se maior viral da História. O que ele revela sobre ingenuidade na rede e antídotos da colaboração.
Por Marina Barros
O ineditismo de um vídeo de 29 minutos não é o único fator que faz de KONY2012 um fenômeno da internet. Com mais de 100 milhões de “views” em menos de uma semana, o documentário produzido pela organização humanitária californiana Invisible Children tornou-se o “viral” de difusão mais rápida desde o surgimento da internet, e a campanha de captação de recursos mais bem sucedida dos últimos anos.
Personagens reais, celebridades como Oprah, Rihanna, exércitos de jovens lindos e loiros interagindo com políticos “do bem” compõem uma trama nada simples mas com uma mensagem clara: Precisamos parar KONY! E faremos isso pela mobilização da opinião pública para a autorização da instalação de uma base militar americana em Uganda que vai…parar KONY. (Stop KONY!)
KONY é o vilão, um ditador que, segundo o vídeo, pratica atrocidades contra a população ugandense há mais de 20 anos. Cooptação de menores, mutilações e estupros são alguns exemplos. As imagens e os depoimentos das crianças são de fazer qualquer um marear os olhos.
A organização Invisible Children faz um chamado simples: para continuarem a luta contra o ditador (ou a guerra pela paz na Uganda), é preciso torná-lo conhecido. KONY é o numero 1 da lista da Corte Penal Americana; Torná-lo famoso é o primeiro passo para mobilizar a opinião pública e exigir da Casa Branca o envio de tropas e reforço para o exército local, que luta contra o exército de KONY.
A campanha em si é de tirar o chapéu. Focada em um público jovem e antenado, constrói um mosaico de elementos que tocam o coração: crianças americanas lindas falando sobre o “homem mau”, crianças africanas chorando e pedindo ajuda, artistas e políticos de alta reputação dando credibilidade à causa. Pressão de tempo é outro elemento indispensável: tudo tem que ser feito agora, não há tempo a perder.
A cereja do bolo é o convite para a adesão à campanha: “não queremos o seu dinheiro, queremos sua participação, sua iniciativa em ir às ruas e colar cartazes KONY 2012, juntar-se à multidão no dia 12 de Abril”. A fórmula é infalível e muito bem aplicada, em tempos de Occupy, KONY 2012 é a possibilidade de compra do seu próprio Occupy. Para adquirir o KIT, paga-se 25 dólaras e recebe-se em casa uma caixa contendo cartazes e 2 pulseirinhas, uma para você e outra para presentear.
Até aqui nada de novo, mas vale refletir um pouco sobre KONY 2012.
Um viral que se espalhou com tamanha velocidade foi compartilhado predominantemente por adolescentes meninas (13 a 17) e jovens meninos (18 a 24). Na flor da idade, eles envolveram-se apaixonadamente pela causa de um amigo ugandense da mesma idade – o personagem real que clama por ajuda, gerando uma forte identificação com este público. É inegável o forte engajamento demonstrado por estes adolescentes e jovens, demonstrando sua potência em “fazer justiça pelas próprias mãos”. Mas a ausência de um filtro mais crítico deste público pode ter sido a causa do compartilhamento indiscriminado do vídeo, gerando tamanho sucesso.
Fica evidente que um espectador crítico e atento fará alguns questionamentos ao vídeo. Prova disso foi o “rebote” que este sofreu, com artigos em importantes veículos em menos de dois dias após seu lançamento. A rede não deixa barato, as pessoas não tardaram a buscar a versão oficial, ou melhor, as outras versões. Alguns exemplos podem ser encontrados no Huffington Post e The Guardian.
As críticas frisaram alguns aspectos centrais do viral:
Neo-colonialismo: o vídeo reforça o estereótipo do americano bonzinho que salva a África, “continente de mazelas infinitas”, desconsiderando todas as iniciativas sociais e políticas bem sucedidas de dentro de Uganda. Trata-se de uma postura claramente neo-colonialista. Não são consideradas questões políticas regionais, que agravam o contexto do país. Nem mesmo é mencionada a existência de instituições estabelecidas no pais, como um governo federal, do presidente Yoweri Museveni, que também deveria ser alvo de pressão política. Finalmente, desconsidera-se a responsabilidade das grandes potências pelo que a África é hoje.
Agenda oculta: seria KONY o novo Bin Laden? Qual o interesse em criar uma base militar em Uganda? Quem sabe, descoberta, em 2009, de uma grande reserva de petróleo na região? Talvez, mas eu sempre desconfio de uma agenda oculta, quando há interesses dos Estados Unidos, Reino Unido e ONU. Basta olhar para o Vietnã, o Iraque, a Libia, o Afeganistão e, agora, o Irã. Além de toda a história de apoio a ditaduras militares na América Latina, África e Ásia.
Credibilidade da organização: o relatório financeiro da organização Invisible Children aponta que apenas 30% dos recursos são destinados para as comunidades em Uganda. É claramente o que poderíamos chamar de uma organização social midiática, que vive para e de suas campanhas. Uma reflexão sobre este tema precisa ser aprofundada. O retorno financeiro das campanhas é diretamente proporcional ao investimento em mídia e criação de conteúdo (vídeos, fotos, textos). Não é de hoje que as organizações que adotam investimentos agressivos em imagens e campanhas, são criticadas por captarem mais para seus executivos e publicitários que para os objetos de suas campanhas. Vejam o documentário Enjoy Poverty Please, do artista plástico Renzo Martens, sobre os Médicos sem Fronteira. (http://youtu.be/yREqd8QYtsQ)
A complexidade do funcionamento da rede e das suas relações extrapola uma visão dualista de bem e mau. O episódio KONY 2012 pode ser marcado como uma grande farsa que caiu na rede e virou sucesso. Mas um ilustre desconhecido, David Childerley, chamou atenção para alguns pontos interessantes em seu programa, update 2012 no seu canaldo youtube. No 11/9, lembrou ele, as pessoas demoraram anos e anos para questionar a versão oficial; KONY 2012 levou dois dias para ser desvendado; o próximo viral do gênero não terá mais que seis horas para ser escarafunchado, testado e aprovado – ou não. A rede é implacável, o poder de mobilização é infinito.
2 comentários:
Muito boa e esclarecedora essa matéria. Como tudo, a Internet tem seus prós e contras. o Kony é vilão sim, mas existe algo que o produziu e está do outro lado do Atlântico. Esses bons mocinhos não me enganam.
Quem não foi tomado por este viral vai ser agora: o Fantástico vai passar matéria neste domingo.
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