26 de julho de 2011

A violência, a incompreensão, os fatos, o observador...por Krishnamurti - 1970

Dias atrás eu fui provocado por um e-mail que recebi de uma sobrinha e que dizia assim:

"Oiiii tio!!! Tudo bom???
Acabei de ganhar um livro do J. Krishnamurti : A primeira e última liberdade.
Lembrei muito de você porque é a sua cara. Não sei se você conhece esse autor e se já leu esse ou algum livro dele, mas se não te empresto despois que terminar. Isso se eu conseguir, porque não sei se tenho muita paciencia pra ficar lendo essas filosofias, mas sei que você faria muito bom proveito.
 
Ele começa assim:
 " O homem é um ser anfíbio que vive simultaneamente em dois mundos: o que lhe foi dado e o que construiu, o mundo da matéria, da vida e da consciência, e o mundo dos símbolos.Quando pensamos, fazemos uso de uma grande variedade de sistemas de símbolos - linguísticos, matemáticos, pictóricos, musicais, ritualísticos. Sem esses sistemas de símbolos, não teríamos a arte, a ciência, a lei, a filosofia. Não teríamos nem ao menos os rudimentos da civilização, isto é, seríamos animais."

Beijinhos,
Fernanda Muniz"
A bem da verdade eu adorei receber aquele breve recado, era a confirmação para mim de que algo, ou alguns sentidos, eu havia conseguido transferir, mesmo que superficialmente, para aquelas crianças que cuidamos e criamos durante um breve tempo de nossas vidas juntas e compartilhadas no conforto e no aconchego das famílias mais reunidas...bons tempos aqueles! Agora ela, na rotina árdua dos trabalhos em Niteroi, foi atingida, por acaso, por alguns dardos do passado, lembrou-se de algumas histórias que a fez refletir brevemente sobre os seus... o pensar, o ser, o agir...respondi a ela na minha peculiar falta de tempo, muito rapidamente, com o pouco que conheci deste grande e magnífico pensador, Krishnamurti:

Ferdinanda, saudades, minha querida!

Este cara é um dos malucos mais malucos que eu já li...adorei tudo que conheci dele, sempre foi um cara que não gostava de debates e nem de grandes discussões...preferia as suas próprias convicções, construídas a base de muita meditação e isolamento...acabou produzindo alguns livros muito bons e mensagens para lá de transcendentes, surreais...

É dono de uma linguagem rebuscada e densa, complexa e ampla, fora do limiar de muitos de nós no dia-a-dia, por isto, penso eu, devemos sempre ter algum cuidado no mergulho, pois a atração é fatal aos sensíveis e hiper-complexos...vá com calma, ouviu?
No outro dia, com um pouco mais de calma, acabei lhe mandando mais algum material sobre o mestre indiano:
"O problema por conseguinte, é este : para que o homem possa transformar-se radicalmente, fundamentalmente, torna-se necessária uma mutação nas próprias células cerebrais de sua mente. Dizem-nos que devemos mudar, que devemos agir, que devemos transformar nossa mente, nosso coração, tornar-nos uma coisa totalmente diferente. Isso vem sendo pregado há milhares de anos por homens muito sérios, muito ardorosos, e também por charlatães interessados em explorar o povo. Mas, agora, chegamos ao ponto em que não há mais tempo a perder. Compreendei isto por favor. Não dispomos de tempo para efetuar gradualmente tal transformação. Os intelectuais de todo o mundo estão reconhecendo que o homem se acha à beira de um abismo, na iminência de destruir a si próprio. Nem religiões, nem deuses, nem salvadores, nem mestres, nem as lenga-lengas dos gurus, poderão impedi-los . Dizem os intelectuais ser necessário inventar uma nova droga, uma 'pílula dourada' capaz de produzir uma completa transformação química; e os cientistas provavelmente descobrirão esta droga. Não sei se estais bem a par dessas coisas. Ora conquanto o organismo físico seja um produto bioquímico, pode uma droga, uma superdroga fazer-vos amar, tornar-vos bondosos, generosos, delicados, não violentos? Não o creio; nenhum preparado químico pode fazer os homens amarem-se uns aos outros. O amor não é um produto do pensamento; também não é cultivável, como a flor que cultivamos em nosso jardim. O amor não pode ser comprado numa drogaria, e o amor é a única coisa que poderá salvar o homem - e não os artifícios das religiões, nem seus ritos, nem todos os exércitos do mundo. Podemos fugir, assistindo a concertos, visitando museus, entregando-nos a divertimentos de toda ordem - debalde! - porque o homem se acha hoje em dia em presença de um tremendo problema: se tem a possibilidade de transformar-se radicalmente, de efetuar uma total mutação de sua consciência, não amanhã, nem daqui a alguns anos, mas agora! Eis o problema principal: se o homem, em qualquer país que viva, com todas as suas belezas naturais, é capaz de operar uma mutação radical em seu interior, imediatamente. E não podeis resolvê-lo com vossas crenças, vossas ideologias, vossos deuses, salvadores, sacerdotes e rituais. Essas coisas já não tem o menor significado."
"Podemos ir longe, se começarmos de muito perto. Em geral começamos pelo mais distante, o "supremo princípio", "o maior ideal", e ficamos perdidos em algum sonho vago do pensamento imaginativo. Mas quando partimos de muito perto, do mais perto, que é nós, então o mundo inteiro está aberto -- pois nós somos o mundo. Temos de começar pelo que é real, pelo que está a acontecer agora, e o agora é sem tempo."
"Meditação é libertar a mente de toda desonestidade. O pensamento gera desonestidade. O pensamento, no seu esforço para ser honesto, é comparativo e, portanto, desonesto. (...) Meditação é o movimento dessa honestidade no silêncio"
"Estou apenas a ser como um espelho da vossa vida, no qual podeis ver-vos como sois. Depois, podeis deitar fora o espelho; o espelho não é importante."
"... Falamos da vida -- e não de idéias, de teorias, de práticas ou de técnicas. Falamos para que olhe esta vida total, que é também a sua vida, para que lhe dê atenção. Isso significa que não pode desperdiçá-la. Tem pouquíssimo tempo para viver, talvez dez, talvez cinquenta anos. Não perca esse tempo. Olhe a sua vida, dê tudo para a compreender."

Mas vejam vocês como as coisas hoje andam. Com esta história de violência para todo o lado e de um sério risco internacional de crise global por conta da ganância desenfreada e desregulamentada do sistema financeiro global, não há um só dia em que as notícias deste mundo não nos atinjam na alma, nas profundezas de nossa existência, individual ou coletiva. Estamos nos acostumando com a idéia de que os humanos de nosso tempo e os seus líderes mais notórios vivam sim na torpeza imensa da condução dos fatos...o mundo deprimido pelo gigantismo das tecnologias de comunicação não sabem bem como agir agora, a transparência veloz e absolutamente nítida fez de nós, todos nós, reféns sem causa, desnudados ao avesso...agora a nossa volta, tudo e todos expressam grande desconforto com o devir, com o caos instalado nas mentes de faces belas, mesmo nas ricas nações européias e americanas, não somente no horripilante terror vivido nos recantos da Somália e em grande parte da África hoje!

Jiddu Krishnamurti (telugu: జిడ్డు కృష్ణ మూర్తి) (Madanapalle, 11 de maio de 1895 - Ojai, 17 de fevereiro de 1986) foi um filósofo e místico indiano. Entre seus temas estão incluídos revolução psicológica, meditação, conhecimento, relações humanas, a natureza da mente e a realização de mudanças positivas na sociedade global. Constantemente ressaltou a necessidade de uma revolução na psique de cada ser humano e enfatizou que tal revolução não poderia ser levada a cabo por nenhuma entidade externa seja religiosa, política ou social.
Com seus três irmãos, os que sobreviveram de um total de dez, acompanhou seu pai Jiddu Narianiah a Adyar em 23 de janeiro de 1909, pois este conquistara um emprego de secretário-assistente da Sociedade Teosófica, entidade que estuda todas as religiões. Reza a tradição brâmane, a qual a família era vinculada, que o oitavo filho toma no batismo o nome Krishna, em homenagem ao deus Sri Krishna, de quem a mãe, Sanjeevamma, era devota; foi o que aconteceu com Krishnamurti, a quem foi dado o nome de Krishna, juntamente com o nome de família, Jiddu.
Com a idade de treze anos, passou a ser educado pela Sociedade Teosófica, que o considerava um dos grandes Mestres do mundo. Em Adyar, Krishnamurti, foi 'descoberto' por Charles W. Leadbeater, famoso membro da Sociedade Teosófica (ST), em abril de 1909, que, após diversos encontros com o menino, viu que ele estava talhado para se tornar o 'Instrutor do Mundo', acontecimento que vinha sendo aguardado pelos teosofistas. Após dois anos, em 1911 foi fundada a Ordem Internacional da Estrela do Oriente, com Krishnamurti como chefe, que tinha como objetivo reunir aqueles que acreditavam nesse acontecimento e preparar a opinião pública para o seu aparecimento, com a doação de diversas propriedades e somas em dinheiro.
Krishnamurti assim foi sendo preparado pela ST; algo, porém, iniciou sua separação de seus tutores: a morte de seu irmão Nitya em 13 de novembro de 1925, que lhe trouxe uma experiência que culminou em uma profunda compreensão. Krishnamurti em breve viria a emergir como um instrutor espiritual, e dito Mestre extraordinário e inteiramente descomprometido. As suas palestras e escritos não se ligam a nenhuma religião específica, nem pertencem ao Oriente ou ao Ocidente, mas sim ao mundo na sua globalidade:
"Afirmo que a Verdade é uma terra sem caminho. O homem não pode atingi-la por intermédio de nenhuma organização, de nenhum credo (…) Tem de encontrá-la através do espelho do relacionamento, através da compreensão dos conteúdos da sua própria mente, através da observação. (…)"
SAIBA MAIS

 E aí, aproveitando também a proposta do Marquinhos de um certo clima meditativo no blog, por conta das postagens anteriores - mesmo reconhecendo o risco que representa uma palestra muito longa por aqui - ainda assim, eu arrisco e convido vcs a conhecer um pouco mais deste pensador denso e complexo que foi o Krishnamurti. Uma palestra que proferiu em 1970 em San Diego, traduzida para o português em bom som, mas com uma imagem sofrivel. Devo alertar: veja no silêncio de sua alma e na calmaria de seu coração, não tenha pressa, permita-se, pode ser um grande exercício, uma bela experiência!       

J Krishnamurti San Diego 1970 Talk 1 Portugues from jkemportugues on Vimeo.

6 comentários:

Marcos Oliveira disse...

Olá Felipe! Antes de mais nada, parabéns pelo upgrade que você implementou no blog a partir da dica literária de sua sobrinha. Textos e videos fornecem um bom resumo das idéias desse pensador indiano.

Ele e mais alguns orientais (da India e Tibete) complementados por bons discípulos ocidentais deram a base do que viria a ser chamado de “Contracultura” dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Uma socedade ética basedada no retorno ao espiritual (sem religiões comandando) cujo resumo era Paz (interior e entre os homens) e Amor (a todos os seres).
Com o tempo isso se deturpou, a Contracultura foi para o limbo, o Capitalismo materialista venceu. Para além de um sistema econômico tornou-se uma obrigatoriedade de vida: “vencer”, ganhar dinheiro, comprar, ter, comandar. Só isso hoje parece ter sentido do que é considerada “realização pessoal”. Se for esse o campeonato, estamos jogando... E assim vai a vida.

Restaram “ilhas” que eventualmente reaparecem, como o livro citado e o próprio post. Mas a verdade é que, em sua maioria, os jovens – futuro do mundo – não tem mais acesso (e por isso não se interessam mais) a ideias como as pregadas pela Sociedade Teosófica, Unipaz, etc.

Mesmo eu, lendo escritos como os que traziam a antiga revista Planeta, acabo percebendo-os como anacrônicos no mundo de hoje. Quem tem tempo em investir em meditação – por exemplo - com tanta coisa para fazer, tantas demandas a realizar, tanta coisa (externa) a conquistar? E quando sobra tempo precisamos ir ao Shopping fazer umas comprinhas! Né não?

Enquanto termino de escrever esse breve comentário dou uma olhada em minha estante aqui na sala. Vejo “livros de cabeceira” que há décadas não leio: “A arte da felicidade” (Dalai Lama), “Autobiografia de um Iogue” (Paramahansa Yogananda), “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (Sogial Rimpoche), “Técnicas de Relaxamento” (Kum Nie), etc.

Preciso fazer algo a respeito ou... acabo aplicando a máxima do grande guru da atualidade, Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar...”. O que afinal de contas, pode ser a resposta de tudo. Ou apenas uma estratégia mental para dizer: Ok, Krishnamurti,você estava certo, mas nós – definitivamente – perdemos”.

Sigamos em frente, que é o único caminho a ser seguido mesmo. E desculpe a descrença...

Abraços transcendentais.

Ryan disse...

Ótimo, muito interessante mesmo Luiz Felipe. O que vemos hoje, as diversas crises, é resultado do que vemos aí.

O comentário do Marcos é oportuno e mostra um pouco do que também vivi.

Talvez a saída seja obrigatoriamente integrarmos essa atualidade mas sem desistir de nossa visão de mundo.

Nesse ponto vocês dois fazem isso muito bem aqui no blog, dando dicas importantes a quem se interessar.

Abs.

Marcos Oliveira disse...

OK Ryan.
É bom esclarecer um ponto de minha "descrença": me referia no texto a antigos ideais da Contracultura. Apesar de "termos perdido" para o materialismo (não tem jeito,o capitalismo se alimenta disso) continuamos apostando em uma "saída honrosa". Não fosse isso não acreditaríamos em textos e em depoimentos como esses que o Luiz Felipe nos brindou (e que emocionam também). Acreditamos e continuaremos a apostar nisso aqui no blog.
Abraço.

P.S.: O blog atingiu nesta tarde a marca de 150.000 acessos!

Luiz Felipe Muniz disse...

É assim, Ryan e Marquinhos,a gente bem sabe que o capitalismo tem um fôlego incrível, no âmago da questão fica sempre aquela idéia de que a lógica do capital é preversa, e que os "sábios" apostam mesmo em modelagens mais éticas, mais inclusivas, mais democráticas, mas ainda não identificadas...chegamos a este momento da humanidade sem que tenhamos gestados um 'modus' mais harmônico e mais adequado à realidade da biosfera e da própria humanidade e sua consciência das coisas...e por falar em biosfera, devo apenas pincelar que a teoria que mais e melhor nos explica a evolução das espécies e dos sistemas ecológicos, é aquela que aponta a guerra travada entre os mais bem adaptados e aqueles que sucumbiram à dinâmica imposta pela evolução pura e simples no espaó e no tempo...é a lei dos mais fortes, dos mais aptos, dos mais capazes, dos mais resistentes, é esta a modelagem evolutiva mais aceita!!! Alguns porém imaginam que tudo isso não passou de um mero acaso!! Tudo e nós também.

Denise D+ disse...

Parabéns pelos 150.000!!!!!!!!!!
Bjs.

Anônimo disse...

Na natureza acredito. Ela é ética. Os humanos se afastaram da natureza e produziram um arremedo de meritocracia que nada mais é que uma grande "panelinha" para os amigos mais espertos.