O Edgar Morin (a pronúncia é Morrã) é um velho e querido conhecido. Foi com ele que bebi na fonte do pensamento complexo, foi com ele que me permiti embriagar pelo caótico mundo dos Homo "Sapiens Demens", foi nas leituras enigmáticas de suas visões de mundo que tomei pé do nosso trágico, frágil e radical momento histórico enquanto espécie, mamíferos, indivíduos, sociedades, culturas e destinos na biosfera terrestre...
Também foi nas leituras de Morin que conheci com mais propriedade e refleti com muito mais profundidade o significado de alguns termos ainda meio exóticos como: "ecologia da ação", "dialógica", "incompreensão", "hipercomplexidade", "ética", "antropo-socio-bio-eco-psico-cultural", dentre diversos outros...
Lembro-me de certa vez na Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro, lá pelos idos anos 90, quando eu assisti frente a frente as poderosas argumentações deste magnífico pensador, eu fiquei ainda mais entusiasmado com a complexidade, com o pensar complexo, com a transdisciplinaridade, com aquelas propostas fenomenais sobre como o nosso pensamento estaria (e está) fragmentado para entender e para compreender minimamente o mundo contemporâneo. Eu me vi simplesmente fascinado ao encontrar nas abordagens do mestre Morin uma sintonia fina e profunda com aquelas visões que já me brotavam na minha mente - de alguma forma ainda bastante preliminar - construídas que foram, muito por conta de buscas muito pessoais, e pelos estudos (muitos deles de forma autodidata) sobre ecologia rasa e profunda, biologia, antropologia, ciências da terra, sociologia, etc, e que mesmo com enorme esforço, eu não conseguia uma adequação, um ajuste viável...sempre as mesmas conclusões de que aprendemos a entender as coisas deste mundo como fragmentos e não como um todo, ou seja, a maneira pela qual vemos o mundo por disciplinas e por partes que não se comunicam, não nos permiti compreender adequadamente os fenômenos da Vida, dos Seres Humanos, das Sociedades, da Humanidade, da Terra, do Universo...
É certo que as disciplinas muito, muito mesmo, nos ajudaram a construir as bases para uma limitada compreensão racional das coisas, mas hoje não mais cumprem os papéis de outrora, pois as forças imprensas pela velocidade e a virtualidade das informações, somada aos desgastes abomináveis das relações sociais em geral, e aos ajustes caóticos dos ecossistemas na biosfera terrestre, estão promovendo transformações e mutações para lá de surreais! Talvez por aqui seja a trilha da "radical metamorfose ecológica" proposta por ele!
As revelações visionárias do mestre Morin sempre foram e serão um antídoto para ansiosos como eu, é verdade! Se por um lado reafirmam sentidos, construindo redes cognitivas para melhor compreensão das variadas realidades vivenciadas, coletiva e individualmente; por outro, desconstroi saberes arraigados no mofo dos porões, permitindo a súbita avalanche da ampliação de consciência...não é tão simples assim...mas é simples assim!
Adorei encontrar esta dica do novo livro de Morin - "Rumo ao Abismo?" - na Revista Carta Capital desta semana. Ele hoje com 90 anos continua um otimista e um apaixonado pelo Brasil e seu povo mestiço, poucos pensadores europeus da atualidade, apostam tanto quanto ele na sabedoria desta gente tropical mais ao Sul!
Edgar Morin
Bertrand Brasil, 192 págs., R$ 29
"Na coletânea de uma década de artigos Rumo ao Abismo?, publicada há quatro anos na França e agora lançada em português pela Bertrand Brasil, o bem conhecido filósofo, sociólogo com formação em biologia, escritor e crítico cultural francês Edgar Morin, nome literário de Edgar Nahoum, de 90 anos, conta basicamente que, para resolver os seus problemas, os seres humanos não podem mais recorrer a nenhuma das duas estratégias por eles aplicadas há séculos em situações de emergência social, política e econômica, mesmo porque a emergência agora é também ambiental. Nem a reforma nem a revolução são soluções hoje, ele sustenta. Só uma radical metamorfose, tal como a que a lagarta sofre para se tornar uma borboleta, poderá, a seu ver, salvar a humanidade."
VEJA MAIS
"Elogio da Metamorfose
Morin Edgar
Quando um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, se degrada ou se desintegra ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz de lidar com seus problemas: ele se metamorfoseia. O sistema Terra é incapaz de se organizar para resolver seus problemas críticos: perigos nucleares que se agravam com a expansão e, talvez, a privatização das armas atômicas; degradação da biosfera; economia mundial sem verdadeira regulação; retorno da fome; conflitos étnico-político-religiosos que tendem a se desenvolver em guerras de civilização.
O aumento e a aceleração destes processos podem ser considerados como o desencadeamento de um poderoso feedbacknegativo, um processo pelo qual um sistema se desintegra irremediavelmente.
A desintegração é provável. O improvável, mas possível é a metamorfose. O que é uma metamorfose? Nós vemos inúmeros exemplos no reino animal. A lagarta que se fecha num casulo começa um processo ao mesmo tempo de destruição e de autoreconstrução, como uma organização e uma forma de borboleta, diferente da lagarta, permanecendo a mesma. O nascimento da vida pode ser concebido como a metamorfose de uma organização físico-química, que, tendo chegado a um ponto de saturação, cria a meta-organização viva que, embora tendo os mesmos aspectos físico-químicos, produz novas qualidades.
A formação das sociedades históricas – no Oriente Médio, na Índia, na China, no México, no Peru – constitui uma metamorfose a partir de um conjunto de antigas sociedades de caçadores-coletores, que produziu as cidades, o Estado, as classes sociais, a especialização do trabalho, as grandes religiões, a arquitetura, as artes, a literatura e a filosofia. E também as piores coisas: a guerra e a escravidão. A partir do século XXI se coloca o problema da metamorfose das sociedades históricas em uma sociedade-mundo de um novo tipo, que englobará a ONU, sem suprimi-la. Porque a continuação da história, isto é, das guerras, por parte dos Estados com armas de destruição em massa, leva à destruição da humanidade. Ainda que, paraFukuyama, sejam as capacidades criativas da evolução humana que se esgotaram com a democracia representativa e a economia liberal, devemos pensar que, ao contrário, é a história que se esgota e não as habilidades criativas da humanidade.
A ideia de metamorfose, mais rica do que a ideia de revolução, guarda a radicalidade transformadora, mas a liga à conservação (da vida, do patrimônio cultural). Para ir rumo à metamorfose, como mudar de caminho? Mas se parece possível corrigir alguns males, é impossível romper a lógica técnico-científico-econômico-civilizacional que leva o planeta ao desastre. No entanto, a História humana mudou muitas vezes de caminho. Tudo recomeça por uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para os contemporâneos. Assim começaram as grandes religiões: budismo, cristianismo, islamismo. O capitalismo se desenvolveu parasitando as sociedades feudais para finalmente decolar e, com a ajuda de monarquias, desintegrá-las.
A ciência moderna formou-se a partir de algumas mentes desviantes dispersas, Galileu, Bacon, Descartes, e então criou suas redes e associações, se introduziu nas universidades no século XIX, e depois, no século XX nas economias e nos Estados para se tornar um dos quatro poderosos motores da nave espacial Terra. O socialismo nasceu de algumas mentes autodidatas e marginalizadas no século XIX para se tornar uma formidável força histórica no século XX. Hoje, tudo tem que ser repensado. Tudo deve recomeçar."
Um comentário:
Morin é um otimista.
Já estamos no fundo do abismo. Até aí tudo bem. O problema é que no fundo do abismo tem areia movediça!
Ou seja, nada é tão ruim que não possa piorar um pouquinho mais. Estamos nos esforçando!
Postar um comentário