O título desse post refere-se a um livro do pesquisador Paulo César Araújo que publicou um tratado a respeito da "música popular cafona e a ditadura militar". "Eu Não Sou Cacahorro Não" é uma célebre canção do ultra-cafona Waldick Soriano.
É um bom livro que analisa também o preconceito com relação à chamada música brega.
Sempre fui muito eclético nessa questão, me atenho mais ao gostar ou não da música, independente do estilo (embora existam alguns que eu realmente não suporto, independente de serem "bregas"). Sou fã de Roberto Carlos a Miles Davis.
Aliás, é curioso que uma mesma música ao ter leituras diferentes pode migrar de "cafona" para "sofisticada", dependendo de quem está interpretando. Caetano Veloso que o diga...
A Revista da Cultura deste mês trouxe um longo artigo sobre isso, intitulado "A Carapuça Serve em Todos" (ou "Bom Gosto x Mau Gosto - O Preconceito Musical Através dos Tempos"), de autoria de Pedro Alexandre Sanches. Veja o artigo todo aqui. Selecionei abaixo uma parte do matéria. Muito interesante.
"Baião, xote, xaxado. Lamê, cafona, brega. Axé, lambada, c ar imbó. Jovem Guarda, iê-iê-iê, canção romântica. Samba de morro, samba joia, partido alto, pagode. Música caipira e sertaneja, guarânia e vanerão. Canção de protesto. Pop. Heavy metal, rock progressivo, emo. House, tecno, electro. Tecnobrega, forró, funk carioca, rap. Cada um desses gêneros musicais tem seguidores aos milhões, mas também tem de enfrentar exércitos às vezes reduzidos, mas sempre barulhentos, de detratores. Em sua maioria, desperta ódio especial junto a consumidores tidos como cultos, intelectuais, críticos, formadores de opinião. Esses trazem sempre na cartola o argumento de preferir música dita fina, refinada, sofisticada, mas tampouco seus gêneros prediletos se safam de outros tipos de muxoxos, narizes torcidos e intolerâncias. Música erudita. Jazz. Blues. Bossa nova. Clube da esquina. MPB. Supostamente, estamos falando de estética, das distinções entre o que se entende como música “de qualidade” e “sem qualidade”, “boa” e “ruim”, de “bom gosto” e “mau gosto”. A zona fronteiriça entre os dois extremos é frequentemente nebulosa, pantanosa e fugidia, daquelas de atolar em areia movediça quem exiba muita certeza sobre onde está pisando. Ainda assim, há sempre alguém disposto a decretar, pronta e despoticamente: “Brega é lixo”, “música caipira não presta”, “iê-iê-iê é uma porcaria”. Atrás das cortinas do “bom gosto” e do “mau gosto”, esconde-se um bichinho do qual em geral preferimos fugir a 120, 150, 200 quilômetros por hora e que atende pelo nome de preconceito. Será que eu desprezo o axé porque é péssimo ou porque desejo me manter bem distante dos baianos periféricos, pobres e pretos que o inventaram? Você detesta os emos porque fazem rock muito pauleira ou porque não se dá bem com seus figurinos esquisitões, soturnos, sexualmente indefinidos? É ficar entre uma coisa ou outra, indubitavelmente? Ou a repulsa (extra) musical nasce de uma gororoba mista disso tudo? Militante musical multiplicado em musicólogo, historiador, pesquisador, crítico musical, escritor, engenheiro de som etc., Zuza Homem de Mello enfrenta esse bicho de sete cabeças: “É uma questão subjetiva, mas, se fosse só isso, não haveria tanto problema e antagonismo. Existe quase uma intolerância do bom gosto em relação ao mau gosto e certa inveja do mau gosto pelo bom gosto. O cara de bom gosto não tolera o que acha de mau gosto e o de mau gosto, não é que não tolera, é que ele não alcança o bom gosto”. Na opinião de Zuza, o aspecto não subjetivo dessa guerra se concentra nos termos “educação” e “cultura”: “O culto ao bom gosto é diretamente proporcional à educação e ao nível cultural da pessoa”. Ele se vale de uma comparação entre música e gastronomia, na qual há os que ficam no feijão com arroz e os que cultuam paladares “sofisticados”. Mas justamente aí se insinua a dúvida: ora, por acaso é ruim comer arroz, feijão, bife e ovo frito? “No caso da gastronomia, um bom arroz com feijão e bife é considerado vulgar por quem tem paladar refinado. Mas é bom, e na música é igual. Dentro das diferentes áreas rotuladas como de mau gosto, há quem dê uma percepção de sinceridade, de verdade, que supera esse desprezo e faz com que os de bom gosto se sintam atraídos. É bom quando você sente verdade atrás daquilo.” Zuza exemplifica: “Tenho amigos jazzistas fanáticos que não admitem nada da música caipira. Mas Rolando Boldrin, Inezita Barroso... Aquilo é verdadeiro. Há pessoas fechadas e abertas, aí você não pode fazer nada. Não posso mudar meu amigo que acha a dupla Tonico & Tinoco desprezível. Tem gente que só vai na Sala São Paulo, não tem jeito”. "
Um comentário:
Muito bom o artigo. Essa questão de bom gosto e mau gosto é questão de gosto pessoal, subjetivo. É claro que existem escolhas mais refinadas, mas isso não exclui a importancia de artes mais populares.
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