23 de março de 2010

Você Consegue Administrar Seu Tempo? E A Sua Mente?

A Revista da Cultura, editada pela Livraria Cultura, sempre traz em suas edições excelentes matérias sobre comportamento. Estava lendo a edição de Janeiro de 2010 quando me deparei com o artigo "Era da Imoderação", escrita por Ronaldo Bressane. Trata-se de uma série de questionamentos sobre a correria dos dias de hoje, o excesso de informações, o pouco tempo livre que temos, a saúde mental, etc. Para ser mais claro, vejam alguns dos temas abordados:
- Horário livre x hora da obrigação
- A Era do Excesso, da Abundância e do Vazio
- Por causa da quantidade de informações a serem digeridas e ao que o mundo oferece como "oportunidade de aproveitar", surgem psicopatologias como Transtorno do Déficit de Atenção, Hiperatividade, Síndrome da Falta de Memória, Depressão.
- Ritalina para todos?
- Qual a saída para filtrar o excesso de estimulo que nos assola?
- Como acalmar a nossa vida?
Selecionei alguns trechos (abaixo) mas, se desejarem ler todo o texto (e eu recomendo, se tiverem tempo...), vão até esse link da Revista da Cultura.
Em tempo: a ilustração desse post é o quadro "A Persistência da Memória" do genial surrealista Salvador Dali.

"O inventário das maravilhas que a vida pode oferecer são muito agradáveis e satisfatórios", afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em Modernidade líquida, para logo em seguida ressaltar: "A suspeita de que nada do que já foi testado e apropriado é duradouro e garantido contra a decadência é, porém, a proverbial mosca na sopa. O mundo cheio de possibilidades é como uma mesa de bufê com tantos pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal poderia esperar provar de todos (...). A infelicidade dos consumidores deriva do excesso, e não da falta de escolha: 'Será que utilizei os meios à minha disposição da melhor maneira possível' é a pergunta que mais assombra e causa insônia ao consumidor", analisa Bauman".

"...Mas: "Todo sistema com abundância de um elemento leva à escassez de outro. A abundância de informação leva à escassez de atenção", releva Mini Bittencourt. "Temos uma vasta oferta e uma fome interminável, porém uma capacidade cada vez mais limitada de prestar atenção e investir tempo no consumo de todo esse manancial a nós ofertado. Estamos à frente de um banquete, beliscando rapidamente um pedacinho de tudo que nos põem à frente, maravilhados com a variedade e quantidade de sabores, mas perigando perder lentamente a noção de desfrute", adverte o ciberpensador. A indigestão do excesso tem suscitado três epidemias. A mais leve atende pelo singelo nome de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A desatenção leva à propalada síndrome da falta de memória. A mais pesada epidemia ganha o nome de melancolia – vulgarmente chamada (e medicada) como depressão."

"...E dá-lhe diagnóstico: "O DSM -IV diferencia três tipos de sintomas de TDAH", explica Psicopatologia – Uma abordagem integrada, de David H. Barlow e V. Mark Durand, um útil guia para desvendar o DSM –IV, a quarta e mais recente edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, a bíblia norte-americana que orienta a psiquiatria (e a farmacologia) mundial. "O primeiro tipo é a desatenção: os portadores parecem não escutar as demais pessoas; não prestam atenção a detalhes, perdem coisas, cometem erros por falta de cuidado. O segundo sintoma é a hiperatividade, que envolve inquietação, dificuldade de permanecer sentado. O terceiro sintoma, a impulsividade, inclui dar respostas abruptas antes de as perguntas serem completadas e dificuldade para esperar a vez", afirmam os autores. Em outras palavras, o déficit de atenção leva a outro conhecido sintoma da Era do Excesso: o desmemoriamento."

"A melhor maneira de as pessoas cuidarem de sua memória? Que fiquem calmos – e se perguntem: 'Será que isso é mesmo necessário?'", provoca Izquierdo. "Nossa memória está sempre funcionando o melhor que pode, mais do que isso não dá! Em geral, as drogas, sobretudo no tratamento do Alzheimer, são muito boas para quem tem a doença, mas na pessoa normal não têm efeito nenhum", alerta. A advertência é um bom lembrete de que viver é prejudicial à saúde. Não tem remédio – conforme lembra o psicanalista Jorge Forbes em Você quer o que deseja? (esgotado): "A época atual, marcada por forte ideologia biologizante, quer transformar o carinho do avô que dizia 'para tudo tem remédio' em verdade científica (...)”. Forbes volta à carga e diz: “A menina apaixonada poderia corrigir, com medicamentos, o namorado capenga, transformando-o em um príncipe potente, magro e bem-humorado ao oferecer-lhe coquetéis repetitivos de Viagra, Xenical e Prozac. Ridículo? Médicos começam a ser agredidos em ambulatórios públicos quando se recusam a prescrever remédios, a seu ver, inadequados ao paciente e que, no entanto, lhe são exigidos; como se não dá-los fosse negar, ao paciente, uma felicidade de propaganda".

"Maria Rita Khel relaciona a atualidade da depressão à adição pela velocidade excessiva: "A que se deve a pressa do sujeito contemporâneo? Não ao valor que ele atribui ao seu tempo, como costumamos pensar, e sim, ao contrário, à sua desvalorização. Pouco se questiona a ideia de que o valor do tempo se mede pelo dinheiro. O homem contemporâneo tem horror a tudo o que possa ser considerado perda de tempo, que, para ele, é sinônimo de perda de dinheiro. Walter Benjamin cita Paul Valéry: 'O homem de hoje não cultiva o que não possa ser abreviado'", diz a psicanalista. "Até mesmo o raro tempo ocioso deve ser preenchido com atividades interessantes – o que torna, do ponto de vista da psique, o uso do tempo livre idêntico ao do trabalho. É evidente o sentimento de mundo vazio, ou de vida vazia, que decorre da supremacia da vivência sobre a experiência. A falta de tempo para o devaneio e outras atividades psíquicas 'improdutivas' exclui exatamente aquelas que proveem um sentido (imaginário) à vida, assim como as atividades da imaginação, filhas do ócio e do abandono", conclui – e aí fazemos outro elo na cadeia trabalho-lazer."

"...com dúzias de contas para pagar, a pressão dos colegas competitivos e as demandas por novos estilos de prazer façam com que diminuir o ritmo de vida seja uma utopia agrária. Ninguém aqui vai ser ingênuo e acreditar que seja possível voltar atrás: a velocidade dos avanços tecnológicos tende a progredir exponencialmente – pelo menos até um AVC tecnológico não ocorrer, a Lei de Moore, em vigor há mais de 30 anos, segundo a qual a cada 18 meses a capacidade de processamento dos computadores dobra, enquanto os custos se mantém constantes, permanece como uma determinística infalível. Mas enfim, sempre se pode pensar em brechas. "É bem verdade que certas manifestações da filosofia Devagar – a medicina alternativa, os bairros exclusivamente para pedestres, a carne de gado que pasta livremente – não se adaptam a todos os orçamentos. Mas a maioria delas, sim. Passar mais tempo com os amigos e com a família não custa nada. Como tampouco caminhar, cozinhar, meditar, ler ou jantar à mesa, em vez de fazê-lo em frente à TV. A simples decisão de resistir à pressão para correr é absolutamente grátis."

Um comentário:

Alice disse...

Muito boa essa reportagem. Todo mundo deve notar que esquece muito facilmente das coisas, problemas de memória. É muita coisa para fazer e esquecemos de nós mesmos. Em determinado momento parece que nem existimos para nós mesmos e sim para os outros, para as atividades, para adquirir mais informações. Isso é o melhor que o século XXI pode oferecer para as pessoas? Pensemos amigos e amigas. Necessitamos diminuir o ritmo. As vezes nos sentimos até estranhos quando ficamos parados, a sós com nós mesmos.
O blog é ótimo ao abordar temas como este.
Saudações.