3 de outubro de 2010

Eleições, Brasil, EUA, Futuro

Interessante esse artigo do professor James N. Green, professor de História do Brasil em universidade americana.
Foi publicado hoje na página 12 do jornal "O Globo".

Futurologia (Artigo)

"Para quem mora nos Estados Unidos e fala português com um leve sotaque americano, mas acompanha diariamente as viravoltas no Brasil, esta campanha eleitoral foi fascinante.

Que pena que poucos dos meus conterrâneos saibam (ou se importem) o que é que vai acontecer no Brasil hoje.

Ao contrário dos Estados Unidos, uma mulher inteligente e competente pode ser eleita presidente.

Uma candidata pode ter militado contra a ditadura na esquerda radical na sua juventude e chegar ao Palácio do Planalto.

Uma candidata pode defender propostas social-democratas de redistribuição de renda através de programas de governo sem ser acusada de querer destruir o sistema capitalista e instalar comunismo no país.

Uma candidata pode propor a expansão de medidas governamentais para aliviar a pobreza, e só resta aos seus concorrentes argumentarem que eles podem ser mais eficientes na implementação desses programas.

E as máquinas para votar provavelmente vão funcionar, coisa que não se pode garantir nas eleições para o Congresso, neste novembro, nos Estados Unidos.

Parece que a centro-direita no Brasil vai tirar 25% a 30% dos votos para o seu candidato. E só.

Somando os votos vermelhos e verdes, há uma grande maioria de brasileiros que apoia as propostas históricas da social-democracia. Querem mesmo ver o país seguir mudando.

Para quem mora num país onde um quarto da população pensa que o presidente Obama não nasceu nos Estados Unidos (e por isso não tem direito de ser presidente), eu respeito muito e reivindico a inteligência do povo brasileiro.

Para quem mora num país onde um grupo de multimilionários, empresários e banqueiros está manipulando o desespero dos desempregados e o medo do cidadão comum para apoiar um movimento reacionário, o chamado Tea Party, acompanhar uma campanha eleitoral onde o discurso é a favor dos pobres é uma delícia.

Num momento em que governos europeus estão desmantelando programas sociais, diminuindo o papel do Estado na economia e reduzindo garantias a favor do bem-estar da população, a tendência no Brasil vai no outro sentido.

Parece que acabou a graça da piada de que o Brasil é o país do futuro e sempre será.

No entanto, se me permitirem opinar, os desafios para este novo governo são muitos.

É possível seguir financiando o desenvolvimento econômico com o apoio do Estado no contexto capitalista sem uma rápida destruição do meio ambiente? Será que a política de depender da exportação de recursos minerais e produtos agrícolas como força motriz da economia não está repetindo velhos modelos que no final das contas mantêm o país dependente? É possível aprovar casamento de gays e lésbicas (e não a união civil, por favor!) nos próximos dois anos? Afinal, se Espanha, Portugal e Argentina - três países onde a Igreja Católica tem um peso histórico enorme - podem aprovar tal medida, é uma vergonha que o Brasil fique atrás nessas questões.

Será que as mulheres brasileiras finalmente podem ter o direito a controlar os seus corpos e decidir se querem ter ou não uma criança se ficarem grávidas? Há chance de finalmente punir os agentes do Estado que praticaram tortura nos anos 60 e 70? (A condenação seria um exemplo a seguir em outros países como os Estados Unidos.) Existe a possibilidade de eliminar a corrupção e o tráfico de influência dentro do governo que fazem parte do sistema político brasileiro desde a época de D. Pedro II, se não antes? Terá a nova presidente a força política e o prestígio internacional de seguir implementando a todo vapor a política internacional independente? Será que o Brasil será um país do futuro?"

JAMES N. GREEN é professor de História do Brasil na Brown University, Providence, Rhode Island

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito pertinente suas perguntas, professor, como sempre muito lúcidas.Principalmente quanto á questão da mulher decidir sobre o próprio corpo e o casamento entre gays e lésbicas. E é triste saber que a grande cartada de Marina Silva para levar a eleição para o segundo turno foi com a afirmação de que Dilma é a favor do aborto. Contou assim com grande contingente que votaria em Dilma. Márcia Bassetto Paes