6 de fevereiro de 2011

A Nostalgia Segundo Luiz Carlos Maciel

O domingo amanheceu ensolarado. Belo dia.
Para quem gostar e tiver oportunidade, um bom dia para tomar um banho de mar (ou “banho de bar”). Desde que a praia não esteja tão lotada nem poluída. Piscina pode ser também uma boa opção.
Quem sabe dormir até mais tarde, fugir do calor, ler o jornal dominical, descansar... Para os religiosos, também dia de ir à Igreja.
Dei uma passada rápida aqui no blog porque precisava passar um mail. Não estava nos planos colocar post hoje. Aliás, verão, fim de semana, a assiduidade por parte dos leitores cai naturalmente, certo? Não! Me surpreendi ao verificar que 410 pessoas olharam o blog ontem. Eu e o Luiz Felipe agradecemos a atenção.
Mas - antes mesmo de tomar o café da manhã e depois dar uma passada na praia - o que devo colocar aqui no blog neste domingo?
Pois, não sei como e porque, me lembrei de uma pessoa, um cara muito especial. É em homenagem a ele este post dominical.

O gaúcho Luiz Carlos Maciel (nasceu em 1938 e em alguns de seus livros o Luiz aparece com s) é escritor, filósofo, jornalista (foi um dos fundadores do jornal “O Pasquim”), diretor, escritor, roteirista, crítico musical, etc.
Era chamado nos anos 1970 de “Papa da Contracultura” (ou “Cultura Underground”). Um grande Intelectual. Com I maiúsculo.
Faz tempo que não vejo ele nos jornais, TV, revistas, etc. Só sei que ele mora no Leblon. Mas sempre me lembro de alguns ensaios de sua autoria que li há muito tempo.
Com a Internet ficou mais fácil achar alguns de seus escritos (acho que todos os seus livros estão fora de catálogo) como este sobre ‘nostalgia’ que reproduzo abaixo.
Não sei se esse tipo de assunto interessa mais, neste dias corridos, sem muito tempo para pensar sobre a vida.
É de 1977, mas vai ser atual sempre (independente do interesse despertado). Só gostaria de saber se hoje em dia (com mais de 70 anos) ele mudaria alguma coisa.
É claro que poderíamos atualizar algumas frases, tipo: O que os Beatles, Tina Turner e Pink Floyd tem que o Justin Bieber, Lady Gaga e Restart não tem? Rsrs.

Bom domingo!

NOSTALGIA
Luiz Carlos Maciel (do livro “A Morte Organizada”)
"Dizem que há um clima geral de nostalgia em todo o mundo. De repente, como se tivéssemos ficado cansados das novidades incessantes dos últimos anos, estaríamos parando para lembrar. São numerosos os jornais e revistas, os articulistas e repórteres, que parecem estar tentando nos convencer de que a memória, afinal de contas, é bem mais excitante e divertida que a vida atual. O que tem Humphrey Bogart e Marilyn Monroe que Mick Jagger e Alice Cooper, a julgar por eles, não têm? É difícil saber, considerados apenas os chamados dados objetivos desses nomes e dos fenômenos mais amplos que eles representam. As coisas passam e o mundo muda — isto é tudo. Se, de alguma forma, nos prendemos ao que passou ou pretendemos, periodicamente, retornar a ele, isso deve ser naturalmente atribuído a uma poderosa força psicológica sobre a qual não parecemos ter, ainda, muita clareza. Por que o passado — e não o passado distante, mítico e incognoscível, mais aberto portanto à imaginação, mas um passado que vivemos — nos parece, de súbito, tão atraente e envolto em encanto?
A nostalgia, como fenômeno social, é o produto direto de um certo sentimento do mundo, que se pretende afirmar como dominante, típico de pessoas que ultrapassaram a metade provável de suas vidas. Vivemos sempre no passado ou no futuro; a desatenção nos desvia no momento presente para essas fantasias, sempre imprecisas mas exigentes, sugeridas pela memória e pela imaginação. Os jovens, por exemplo, em sua circunstância biológica, costumam viver o futuro: são, inteiramente, projeto e antecipação. Gostam de previsões, profecias e, mesmo, planos a longo alcance. A imaginação doentia, então, se projeta para diante. Na medida em que a vida passa, porém, o futuro se fecha, as fantasias se desmentem e a imaginação — cada vez mais doentia, pois em geral tentamos curar nossas doenças ingerindo doses cada vez mais altas dos venenos que as provocaram — procura pasto na memória. Frustradas as suas antecipações, o ego sente que está perdido e abandonado à insegurança fundamental da liberdade — que, aliás, só é angustiante em sua ótica deformada, sendo para o homem desperto, ao contrário, fonte de paz e equilíbrio psicológico. Volta-se, então para essas imagens obscuras da memória como se elas fornecessem um atestado da existência objetiva de algum paraíso e seguro que ele, o ego, pudesse dominar. As imagens obscuras, porém, são apenas imagens obscuras, não correspondendo a nenhuma realidade efetiva, e o sentimento que brota então é uma coisa morna e passiva, doce mas triste, aparentemente tranquilizadora mas mortal a que chamamos nostalgia.
A verificação prática é fácil. Todos os objetos da pretensa onda de nostalgia que, segundo certa imprensa, é uma moda atual, são lembranças dos anos cinqüenta, justamente a época em que as pessoas que, agora, estão na metade provável da vida, eram jovens curiosos e abertos ao futuro. O aparecimento de um sentimento nostálgico no mundo, nessa gente, indica, antes de mais nada, que estamos vivendo o momento histórico em que elas viram desmentidas as suas antecipações, frustrados os seus projetos e desmanchado o futuro fictício que elaboraram longamente nas cavernas secretas da imaginação. Por que a nostalgia não se satisfaz com um passado mais recente? Por que não ousa recuar a um passado mais remoto? Não: as explosões nostálgicas fixam-se num recuo de cerca de vinte anos, mais ou menos, ou seja, justamente o período intermediário entre a infância e a adolescência dos que estão nos trinta, nos quarenta, e suas atuais decepções. “Já temos um passado, meu amor”, diz Caetano Veloso em Saudosismo. Essa verificação existencial é o ponto inicial do processo: o passado reaparece a partir do esvaziamento do futuro. Os anos cinqüenta aparecem, imaginariamente, como a perspectiva perdida de um controle ingênuo da realidade, típico da infância e da adolescência — uma ilusão evanescente, é verdade, mas nossa primeira reação ao desamparo é o apego a ilusões — dolorosas ou agradáveis, não importa. Naturalmente, o que se introduz aqui, na vida de um indivíduo, é a própria velhice e a própria morte, disfarçadas nas cores suaves da memória. “Recordar é viver”, dizem as pessoas mais velhas, morrendo sempre mais um pouco — sabendo ou não —, na medida em que se fortalece o apego ao que passou.
A nostalgia é uma espécie de nó psicológico. Ela obstruí a atenção ao momento presente, invertendo o sentido original de velhas aspirações — políticas, afetivas, existenciais, etc. Pode ser definida como o momento traiçoeiro de descoberta do passado, uma reversão psicológica de conseqüências mortais para a vida espiritual de qualquer indivíduo ou coletividade. Por isso, as épocas nostálgicas são sempre épocas de poucas perspectivas para o futuro. Quando a sombra das desilusões caem sobre ele, nossa sede insana por segurança e conforto, nossa moleza espiritual e nossa covardia procuram refúgio no passado. Esse sentimento do mundo aparece sempre quando a geração intermediária — sempre influente nos caminhos das coisas — se defronta, afinal, com uma perplexidade insuperável. Norman O. Brown já estudou o fenômeno da regressão psicanalítica em termos de uma nostalgia de uma Idade de Ouro perdida junto com a infância. Resta verificar a medida em que essa nostalgia serve a interesses ideológicos específicos de estagnação da vida que deveríamos permitir que se renovasse sempre. A nostalgia, de que tanto falam os jornais e revistas, não passa de um poderoso instrumento psicológico da Morte Organizada."

Wikipedia:
Luiz Carlos Maciel (Porto Alegre, 15 de março de 1938) é um escritor, jornalista e roteirista brasileiro.
Formou-se me Filosofia em 1958, pela Universidade do Rio Grande do Sul. Enquanto estudava, foi diretor e ator amador de teatro. Em 1959 recebeu uma bolsa de estudos para a Escola de Teatro da Universidade da Bahia. Nessa ocasião, conheceu Gláuber Rocha, João Ubaldo Ribeiro e Caetano Veloso, entre outros. Gláuber foi, inclusive, o ator principal de seu curta-metragem A cruz na praça.
Em 1960 recebeu nova bolsa de estudos, desta vez da Fundação Rockefeller, para o Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh, nos Estados Unidos da América, onde estudou direção teatral e realização de roteiros, durante dezoito meses. Na volta a Salvador, foi professor da Escola de Teatro, tendo dirigido diversas peças.
Em 1964 mudou-se para o Rio de Janeiro,e lecionou no Conservatório Dramático Nacional e trabalhou em jornais locais, entre eles Jornal do Brasil, Última Hora e na revista Fatos e Fotos.
Conhecido como o "guru da contracultura", destacou-se nos anos 1960 e 70 com suas ideias sobre o underground. Foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, em 1969. Em 1970, juntamente com a maior parte da equipe de O Pasquim, foi preso pelas autoridades militares da época, e passou dois meses na Vila Militar, no Rio.
Editou também o semanário contra-cultural Flor do Mal, e foi diretor de redação do semanário Rolling Stone. Trabalhou durante vinte anos na Rede Globo, exercendo funções de roteirista, redator, membro de grupos de criação de programas e de analista e orientador de roteiros.
Em 1979 colaborou no semanário Enfim e, no ano seguinte, na revista Careta, ambos editados por Tarso de Castro. Em 1984 dirigiu o espetáculo musical Baby Gal, com a cantora Gal Costa, e a peça Flávia, cabeça, tronco e membros, de autoria de Millôr Fernandes.
Em 1987 voltou a lecionar, principalmente cursos de roteiro. Em 1991 dirigiu as peças Boca molhada de paixão calada, de Leilah Assumpção, e Brida, de Paulo Coelho. Em 1998, seu roteiro para o filme de longa-metragem Dolores recebeu um prêmio concedido pelo Ministério da Cultura.

2 comentários:

Jefferson disse...

Mais um resgate histórico!
Eu lia artigos e entrevistas dele em uma revista chamada Rock, a história e a glória.
Lembra?
Muito bom.

Jefferson disse...

Mas, como vc mesmo diz, esses assuntos filosóficos não interessam mais para as novas gerações internet.
Abraço.